Estudo da UFRN revela dados sobre homicídio de mulheres em domicílios
Mais de 26 mil mulheres foram assassinadas dentro de casa entre os anos de 2000 e 2022 no Brasil, o que equivale a três mortes por dia. Desse total, 60% dos assassinatos foram cometidos por companheiros e ex-companheiros. É o que revela um estudo realizado pelo Programa de Pós-Graduação em Demografia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). O trabalho foi realizado a partir de dados extraídos do Sistema de Informação Sobre Mortalidade do SUS (SIM/DATASUS), que é alimentado pelas declarações de óbito no país, e também do Atlas da Violência, desenvolvido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
A pesquisa foi coordenada pela professora Karina Cardoso Meira (PPGDem/UFRN) e realizado em parceria com Jordana Cristina de Jesus (PPGDem/UFRN), Eder Samuel Oliveira Dantas (Hospital Onofre Lopes – Huol/UFRN), Raphael Mendonça Guimarães (Escola Nacional de Saúde Pública Fiocruz) e Rafael Tavares Jomar (Instituto Nacional de Câncer).
O estudo revela, inclusive, o panorama regional dos homicídios de mulheres assassinadas em domicílio. As regiões Centro-Oeste e Norte apresentaram uma taxa de mortalidade maior que a nacional. No Sul e Sudeste, durante esse período, houve redução desse tipo de homicídio. Já no Norte e Nordeste, aconteceu um aumento nas taxas. O Centro-Oeste se manteve estável, mas apresentou as taxas mais elevadas do país.
As causas para o aumento das taxas
Karina Meira, que coordenou o projeto, explica que a violência contra mulher não está desvinculada da violência geral que ocorre na sociedade, o que poderia explicar o aumento nas taxas no Norte e Nordeste: “Essas regiões apresentaram aumento na violência como um todo durante esse período”, explica a pesquisadora, citando que houve uma disseminação e interiorização da violência para essas regiões no período analisado.
Além disso, ela chama atenção para a falta de estrutura adequada na disponibilidade de ações e equipamentos para as mulheres que sofrem violência nessas regiões, apontando as falhas do Estado em protegê-las. "As mulheres do Norte e Nordeste não têm tanto acesso a mais equipamentos, como casa abrigo, delegacias especializadas de atendimento à mulher e serviços de acolhimento à vítima de violação sexual. Então fica difícil da mulher conseguir romper com a situação da violência”, argumenta.
Ela cita, também, a ascensão do discurso anti gênero nos últimos anos como um fator contribuinte para o aumento na violência às mulheres. “Existe um grupo de pessoas que se sente no direito de violentar corpos femininos, negros, indígenas e LGBTQIA+ para poder manter uma estrutura familiar conservadora e patriarcal”, explica Karina, a qual também frisa que há “um estimulo à formação da masculinidade hegemônica, quando o homem tem que ser forte, bravo e dominar a casa; enquanto a mulher tem que se voltar ao ambiente doméstico”.
O aumento da circulação das armas de fogo no último período também foi uma causa citada por Karina para as maiores taxas de violência contra a mulher. “Ter uma arma de fogo dentro de casa é um dos principais fatores de risco para que uma mulher sofra violência física e feminicídio”, explica a pesquisadora. De acordo com dados colhidos por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI) e analisados pelo Instituto Sou da Paz e Instituto Igarapé, só no ano de 2022 o número de compras de armas por civis foi maior do que em 2018, 2019 e 2020 somados.
Não basta empoderar
Karina defende que o Estado precisa se responsabilizar pela vida das mulheres. “É necessário investir nisso, e não enxugar o orçamento das políticas de prevenção, controle e enfrentamento à violência contra a mulher", defende.
Em 2018, pouco mais de 8% dos municípios brasileiros contavam com delegacias especializadas no atendimento à mulher e apenas 9,7% ofereciam serviços especializados de atendimento à violência sexual. No mesmo ano, somente 2,4% dos municípios tinham casas abrigo de gestão municipal para mulheres em situação de violência doméstica. Os dados são do Perfil dos Municípios Brasileiros (Munic), divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
“É muito mais uma questão do Estado e da sociedade se responsabilizar por reduzir a violência contra a mulher do que simplesmente uma questão individual de empoderá-la para ela não aceitar a violência. A gente vê casos repetidos de mulheres que se empoderam, denunciam e se separam, e então são assassinadas”, argumenta Karina. “Não é a mulher, sozinha, que vai resolver a situação”, finalizou.
Essa reportagem faz parte do projeto “Ser Mana, Mulher", idealizado pela Agência SAIBA MAIS para produção de pautas dedicadas a temas que impactam diretamente a vida das mulheres, ao tempo que contamos as histórias de Mulheres.
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