A triste e necessária arte de ‘desamigar’
Natal, RN 21 de mai 2024

A triste e necessária arte de 'desamigar'

30 de abril de 2024
4min
A triste e necessária arte de 'desamigar'

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Não sei se no Facebook dos outros está assim, mas no meu de uns tempos para cá, assim do nada, apareceu o ícone ´desamigarem vez de ´desfazer amizade como era antigamente. Essa rede do Zuck é cheia de novidades, enfim, quase todas bem tolas e/ou fúteis. Não importa, o fato é que se trata da mesma coisa, embora o termo novo soe meio lusitano, ora pois, mas no fundo dá no mesmo: desfazer uma amizade virtual. O que parece simples. Mas não é.

Em tempos de redes sociais como parte importante (mais do que deveria, inclusive) de nossas vidas, desfazer uma amizade virtual pode ser algo mais delicado e perigoso do que ´desamigar` na vida real. No dia a dia podemos deixar de falar com as pessoas, ou evitar lugares onde elas estejam e assim deixar que o silêncio, a distância e a vida operem a situação. Nas redes sociais, não. Desfazer amizade ou deixar de seguir alguém é algo (a ausência) que fica caracterizado podendo ser registrado em print, por exemplo.

O fato é que a maior parte das pessoas (que se veem mais como internautas do que como cidadãos, talvez) se dói com o rompimento de uma amizade virtual, como se ela fosse uma declaração de guerra, ou pior, de indiferença. Mas desapegar de amizades virtuais disfuncionais se faz necessário. Para mim é uma regra desde a famigerada campanha presidencial de 2018, quando a agressividade contra Dilma Rousseff, então candidata à reeleição, foi a gota d'água e pela primeira vez coloquei um ponto de forte numa rede social: a pessoa chamou Dilma de ´anta`ou 'vagabunda' era amizade desfeita. Postar aquela foto de decalque de Dilma no local de encher o tanque do carro não apenas era razão de amizade desfeita, mas de block e de afastamento na vida real. E assim foi feito, com amigos, amigas, parentes, colegas de trabalho, etc.

No mesmo 2018 fui aumentando o sarrafo. O "amigo" de uma amiga resolveu me chamar de imundo e lixo humano numa postagem minha onde eu criticava a proibição do aborto no país. Desamiguei, claro. Meses depois encontrei o sujeito em um evento cultural, ele ainda tentou se aproximar, mas não dava mais para mim. No ano seguinte, já com o inominável no poder, teve de tudo desde gente 'alma boa' que permitiu que um amigo dele me ofendesse em uma postagem onde eu esclarecia sobre Lei Rouanet até escritor que se tornou direitista e começou a chamar Lula de ladrão e nove dedos. Amizades desfeitas. Depois até ensaiaram contato, mas novamente eu não dei cabimento.

Tenho consciência que a idade está me fazendo mais chato. Como na música da banda Zero "ainda é cedo pra saber se isso é ruim ou se é muito bom". O fato é que pelo menos no Facebook, no Instagram e no Twitter resolvi aumentar o mau humor e a casmurrice. Se não tem foto de perfil desfaço a amizade. Quando começa a postar piada machista e/ou misógina eu ´desamigotambém. Resolvi adotar a filosofia do ´não sou obrigado a ver isso.

Um amigo querido de São Paulo odeia redes sociais e garante que vai deletar a conta dele no Facebook, única rede onde está, ainda que praticamente não a acesse. Ainda não cheguei nesse padrão elevado de espiritualidade e despojamento e sigo mergulhado na fogueira das vaidades de curtidas e comentários. Fazer o que? Mas se pelo menos tornar minha timeline mais arejada com uma ferramenta tão simples como o ´desamigar`, por que não faze-lo?

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