Caminhos para ampliar a Assessoria Técnica em Habitação de Interesse Social no Brasil
Natal, RN 4 de jul 2024

Caminhos para ampliar a Assessoria Técnica em Habitação de Interesse Social no Brasil

2 de junho de 2024
7min
Caminhos para ampliar a Assessoria Técnica em Habitação de Interesse Social no Brasil
Foto: Raiana Fernandes

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Amíria Bezerra Brasil
Professora do Departamento de Arquitetura (UFRN) e pesquisadora do Observatório das Metrópoles – Núcleo RMNatal
Bernardo Nascimento Soares
Professor do Departamento de Arquitetura (UFRN)
Miró Aires de Almeida
Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo - PPGAU (UFRN)
Juliana Silva Barros
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo (FAU-USP)

Em 2022, o Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU/BR) contratou uma pesquisa ao Datafolha que mostrou que 82% das moradias feitas nas cidades brasileiras não têm orientação de um profissional de Arquitetura e Urbanismo ou Engenharia. Segundo a pesquisa, “são obras irregulares, sem registro de projeto e execução junto aos órgãos competentes”. Soma-se a isso que, segundo a Fundação João Pinheiro (FJP), também em 2022, o Brasil tinha um déficit habitacional de 6.215.313 domicílios, que representa 8,3% dos domicílios do país. Esses números estão divididos entre 3,24 milhões de famílias com ônus excessivo com o aluguel urbano (ou seja, o aluguel pesa mais do que 30% do orçamento da família), 1,68 milhão de habitações precárias e 1,28 milhão de cohabitações (quando mais de uma família mora no mesmo imóvel por não ter renda suficiente para morar independente). Em termos absolutos a maior parte do déficit se localiza fora das Regiões Metropolitanas.

Além desse déficit habitacional, ainda segundo dados da FJP (2022), o Brasil contabiliza mais de 26,5 milhões de domicílios com inadequação, que são divididos entre aqueles com algum tipo de deficiência em infraestrutura urbana (abastecimento de água, esgotamento sanitário, coleta de lixo e energia elétrica), inadequação edilícia (armazenamento de água, cômodos - exceto banheiros - servindo como dormitórios, ausência de banheiro de uso exclusivo, cobertura inadequada e piso inadequado) ou inadequação fundiária (imóveis em terrenos não próprios).

Considerando o quadro exposto, é importante mencionar que não é possível resolver a problemática habitacional somente com a construção de novas unidades: além dos números serem muito altos, o que demandaria investimentos exorbitantes, grande parte do problema pode ser resolvido com melhorias, tanto de infraestrutura, quanto das unidades habitacionais e com a regularização da terra.

Na tentativa de garantir melhorias nas condições de moradia com o acompanhamento de técnicos habilitados para aqueles que não podem pagar pelos serviços desses profissionais, em 2008 foi aprovada a Lei 11.888, que “assegura às famílias de baixa renda assistência técnica pública e gratuita para o projeto e a construção de habitação de interesse social”. Conhecida como lei de Assistência Técnica em Habitação de Interesse Social (ATHIS), estabelece que os serviços devem ser desenvolvidos com o apoio financeiro da União aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios.

Apesar de a aprovação ter sido um grande avanço, ela ainda se encontra sem regulamentação, carecendo de desenho mais detalhado para seu funcionamento. Dessa forma, não houve, até hoje, implementação expressiva do que foi proposto. Desde a aprovação da lei não foram criadas Políticas Públicas Nacionais para implementação mais estruturada desse campo de trabalho, assim como também não foram destinados recursos no orçamento público para viabilizar o trabalho dos profissionais prestadores de assistência técnica. Tampouco foram criadas condições nos Estados ou Municípios para implementação do serviço.

Frente à falta de políticas e recursos públicos para esse campo, desde 2017 o CAU/BR destina 2% de sua arrecadação anual para financiar editais voltados à prestação de serviços de assistência técnica, buscando incentivar a implementação da lei e ampliar o acesso de serviços de Arquitetura e Urbanismo. Os recursos vêm sendo destinados tanto no âmbito do Conselho nacional quanto em suas instâncias estaduais. Esses recursos, entretanto, são utilizados para financiar os projetos e a remuneração dos profissionais, enquanto a execução das obras depende da disponibilização de recursos públicos.

 Assim, há alguns anos têm sido feitos trabalhos pontuais, com baixo impacto, mas com relevância na prestação dos serviços e com importantes resultados para as famílias beneficiadas.  Em Natal, as experiências financiadas pelo CAU/RN centraram-se em projetos de regularização fundiária e de melhorias habitacionais com foco na acessibilidade em comunidades de baixa renda. Enquanto isso, o Poder Público Municipal ainda não tem propostas ou recursos para implementação de ATHIS, apesar de prever esse tipo de serviço/remuneração na minuta da lei de Regularização Fundiária Municipal.

Além das experiências via editais do CAU, alguns coletivos de jovens arquitetos se consolidaram Brasil afora, com especial destaque para a Rede de Assessoria Técnica Popular do Nordeste (@forumpopular.ne) que reúne grande parte das assessorias na região, as quais seguem com seus trabalhos apesar da precária remuneração dos profissionais. Também importantes experiências têm acontecido a partir das universidades públicas, através de projetos de extensão, dos quais destacamos em Natal o trabalho do Departamento de Arquitetura e do Instituto de Políticas Públicas da UFRN. Neste caso, as iniciativas são financiadas pelo orçamento das próprias instituições destinado ao campo da extensão.

Os limites ao alcance desses serviços se dão em especial nas cidades fora das regiões metropolitanas, ou mesmo além dos núcleos metropolitanos, onde estão os maiores índices do déficit habitacional e da precariedade de moradia, segundo a Fundação João Pinheiro, exatamente porque os recursos não chegam nesses municípios.

Dentro dessa discussão, um ponto importante é a escala de atuação. Apesar da lei original prever intervenções no âmbito da produção, melhoria ou regularização das casas, é necessário pensar na escala do território, de forma articulada, enquanto parte do Direito à Moradia. Nesse sentido, é importante que uma política de ATHIS seja articulada a políticas voltadas para a infraestrutura urbana, equipamentos coletivos, urbanização de assentamentos informais e outros aspectos relacionados ao morar.

Outra questão a ser considerada é a multidisciplinaridade nas ações: além de Arquitetos e Urbanistas e Engenheiros, a atuação em comunidades muitas vezes requer a participação de profissionais de setores diversos, como Direito, Serviço Social, Saúde Coletiva e Psicologia. Assim, no necessário processo de reivindicar a efetivação da lei de ATHIS, também se faz importante pensar na articulação com outros campos do conhecimento e atuação.

Por outro lado, a lei abre caminhos potenciais para democratizar e ampliar o acesso aos serviços que ainda devem ser explorados. Essas possibilidades permeiam ações junto a programas municipais, companhias estaduais de habitação, criação de postos de assistência técnica em áreas de regularização fundiária e urbanística de interesse social e, nos territórios, o emprego de mão-de-obra local e de regimes de mutirão de autoconstrução com assessoria técnica. No âmbito acadêmico, estimula a criação de programas de residência em Arquitetura e Urbanismo em áreas de interesse social no sentido do ensino e formação de novos profissionais.

Ademais, as ações de melhoria impulsionadas pela lei não apenas democratizam o acesso e enfrentam o déficit como também apresentam reflexos positivos para a saúde pública por meio da melhoria das condições de habitabilidade, de infraestrutura sanitária e de acessibilidade.

Atualmente, mais de 15 anos após a aprovação da lei, grupos de profissionais Arquitetos e Urbanistas, em especial vinculados às universidades públicas, se reúnem na tentativa de reformular a lei para garantir a sua efetividade. Mas o mais importante para que ela se efetive, em escala nacional, e os serviços cheguem àqueles que precisam, é a consolidação de políticas públicas e a vinculação do orçamento público a elas para que haja meios de financiamento das ações, incluindo a remuneração dos profissionais e o desenvolvimento de projetos que melhorem as condições de moradia, de forma a diminuir, em escala mais expressiva, a precariedade e inadequação habitacional.

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