Especialista em Segurança Pública vê perigo em fortalecer organização política das polícias
Os projetos de lei que tramitam no Congresso Nacional com o objetivo de retirar dos governadores poder sobre as polícias militar e civil têm sido criticados por especialistas em Segurança Pública. Para a maioria dos pesquisadores e estudiosos do tema, limitar a atuação dos poderes executivos estaduais significa fortalecer a organização política das polícias, o que pode levar à criação de um poder paralelo armado no país.
O motim realizado por policiais militares no Ceará em fevereiro de 2020 é citado como exemplo das consequências desse tipo de organização para a sociedade. O caso ganhou repercussão nacional após o senador Cid Gomes (PDT) avançar com uma retroescavadeira sobre uma barricada de PMs em Sobral, município onde ele foi prefeito. O parlamentar foi alvejado com três tiros disparados por um dos policiais.
O cientista social, pesquisador, especialista em Segurança Pública e professor do IFRN Francisco Augusto de Araújo vê mais prejuízos do que benefícios para a sociedade caso projetos como esse avance. E alerta para os perigosos de transformar a polícia numa instituição de governo, e não de Estado, como é hoje.
- A partir do momento em que você dá poderes de articulação política para as polícias, as promoções vão acontecer de acordo com as articulações que forem feitas. A escolha da lista tríplice, a indicação de x ou y para ocupação de cargos públicos, decisões importantes das corporações... se você permite que os membros se articulem e resolvam entre eles você vai dar poder político para uma instituição que não é política, mas do Estado”, reflete.
Há um debate em curso entre os especialistas de Segurança Pública sobre o papel do Estado no controle das forças de polícia, de combate à violência e a crime organizado. Francisco Augusto alerta para os perigos de projetos como esses escondam outros interesses:
- A gente sabe que vive num país dominado pelo poder das milícias. Se as polícias começam a se articular politicamente teremos instituições que não são de Estado, mas de governo. No Ceará, a polícia se rebelou contra o próprio governo e tomou decisões próprias a partir do sindicato, de organizações paralelas para policiais, e isso é um perigo”, destaca.
As mudanças previstas nos projetos em tramitação na Câmara Federal mexem na estrutura das polícias. Uma das propostas sugere mandato de dois anos para comandantes e delegados gerais. Além disso, se quiser exonerar o subordinado antes do prazo, o governador em exercício terá que pedir autorização para o legislativo. No caso da PM, o comandante sairia de uma lista tríplice indicada pelos oficiais. Outra sugestão é a criação de um Conselho Nacional ligado ao Governo Federal.
Araújo destaca que as mudanças não preveem a equiparação salarial entre os agentes de segurança estaduais e os federais, o que para ele faria mais sentido, já que a ideia é fortalecer a instituição:
- Não vi equiparação dos salários, ninguém fala sobre isso. Essa dívida ninguém quer pagar”, disse.
Golpe no Chile começou quando PM chilena foi incorporada às Forças Armadas
O ex-prefeito e atual vereador do Rio de Janeiro César Maia lembrou em vídeo divulgado nas redes sociais que o golpe liderado pelo ditador Augusto Pinochet no Chile, em 1973, só foi oficializado após a incorporação dos carabineiros – espécie de polícia militar – pelas Forças Armadas do país:
– Preste bem atenção: no Chile, o golpe só ocorreu, quando o Exército ou as Forças Armadas só incluíram os carabineiros, a Polícia Militar do Chile. Porque as polícias militares têm uma presença espalhada no país todo. Então houve um acordo, a Polícia Militar foi elevada à força armada, então as forças armadas no Chile passaram a ter quatro armas: Exercito, Marinha, Aeronáutica e Carabineiros, com toda a estrutura, e aí sim decidiram o golpe militar”, disse.