Por Jordana Vieira e Taís Ramos
Após mais de três décadas de disputas entre partidos políticos de esquerda e de direita, entrecortados por dois processos de impeachment, a última eleição para presidência do Brasil, em 2018, levou ao poder a extrema-direita, com a vitória de Jair Messias Bolsonaro. Mas como e por quê? A pergunta ganha ainda mais força às vésperas da realização de um novo pleito em outubro próximo.
Se depois da redemocratização do Brasil, as duas forças políticas principais que disputavam o voto do eleitor brasileiro eram os partidos de centro-direita e centro-esquerda, a partir das manifestações de 2013 e, principalmente, após o impeachment da presidenta Dilma Rousseff, em 2016, a direita mais conservadora encontra um clima favorável à sua ascensão. Tudo isso alicerçado na crise econômica e política enfrentada pelas instituições da democracia liberal, que se veem no momento questionadas, combinado com a popularização de redes sociais e seu alcance imensurável.
Para o professor do departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Jose Antonio Spineli, os representantes de extrema-direita eleitos nas eleições de 2018 tem raízes em 2016. “É evidente que o bem arquitetado golpe contra a presidenta Dilma Roussef conferiu a esses representantes de extrema-direita uma legitimidade inédita. Isso, porém, não seria suficiente. Foi preciso dar continuidade ao golpe com outro golpe dentro do golpe: o impedimento da candidatura do ex-presidente Lula e sua prisão. Em tudo isso há um dado estrutural: a forma de reprodução do nosso capitalismo autoritário, combinando formas modernas com formas arcaicas de exploração do trabalho e um autoritarismo político dotado de grande resiliência”, afirma.
Bolsonaro, que está na carreira política há 34 anos, começou assumindo uma vaga no Legislativo da Câmara Municipal do Rio de Janeiro e já foi deputado federal do Rio antes de ocupar o cargo de Presidente da República. Mas em 2018, ele representava uma reação anti-sistêmica.
As fake news foram essenciais nesse processo, de acordo com Pablo Capistrano, “sempre existiram notícias falsas plantadas em época de eleição, é uma coisa tradicional, o que aconteceu em 2018 não foi simplesmente o uso dessas fake News, mas foi a capilaridade e a velocidade com que essas informações foram transmitidas a partir de uma estrutura centralizada que pensava essas notícias com o intuito de interferir na eleição”, avalia.
Apesar de sua longa trajetória política, Bolsonaro não teve uma atuação forte como parlamentar, ainda assim, chegou a Chefe de Estado com 55,13% dos votos no segundo turno das eleições de 2018. Na presidência, suas ações e posições não são tão diferentes do que ele já havia defendido no decorrer de sua vida política. No enfrentamento à pandemia do Covid-19, foi acusado pela oposição de omissão e negligência pela postura e deboche com que tratou os sintomas da doença e as vítimas e, sobretudo, pela demora na compra de vacinas.
Aliado à atuação no combate à pandemia, pesa ao governo a volta do Brasil ao mapa da fome, o alto número de desempregados, a inflação alta. Ainda assim, pesquisas apontam que o atual presidente da república em segundo lugar, com 36% das intenções de votos para este ano.
Para o professor de filosofia e direito do IFRN, Pablo Capistrano, isso se deve porque uma parcela da população se identifica com o discurso preconceituoso de Bolsonaro. “Esse elemento é uma a razão necessária para explicar o sucesso de Bolsonaro. Nós temos uma cultura conservadora, patriarcal, machista, misógino. No Brasil existe uma parte da população que tem essa cultura e Bolsonaro incorpora esses valores”.
Além disso, “Bolsonaro nunca se confrontou com capital, então, não importa o que ele faça ou que ele deixe de fazer, ele vai estar lá porque ele vai ter o apoio dessas instituições,” pontua Pablo Capistrano. Dessa forma, o professor entende que o que leva um presidente a cair no Brasil tem muito pouco a ver com as questões jurídicas e legais, ou com a incapacidade administrativa, e muito mais a ver com quem o apoia.
Apontada pelas pesquisas de opinião, a vitória do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva não garante a derrota do fascismo. De acordo com Spineli, “é preciso garantir um mínimo de unidade às forças democráticas. A outra tarefa exige o longo prazo: é preciso construir uma nova cultura política radicalmente democrática. Essa, ao contrário da necessidade de conter emergencialmente a maré fascista, não é tarefa para uma frente ampla. Exige determinação e coerência”.
Para Pablo Capistrano é preciso, que a esquerda brasileira, a partir de agora, retome o diálogo com as populações socialmente vulneráveis e proponha uma alternativa à atual organização social e econômica que atinge a maioria dos brasileiros. “Se a esquerda não fizer uma crítica do capitalismo e do sistema uma democracia liberal e propor uma alternativa que permite às pessoas de imaginar um futuro melhor, o fascismo vai ocupar esse lugar”, considera.
*Esta reportagem é fruto do projeto “Educação e jornalismo: ocupando o vazio de notícias do RN”, financiado pela Meta através do programa International Center for Journalists (ICFJ).
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