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Decisão de vice-presidente do TRT pode anular audiência de ação contra Guararapes
15 de março de 2018

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O desembargador federal do Trabalho Bento Herculano Duarte Neto determinou a inclusão de todas as testemunhas requeridas pela defesa na audiência de instrução do processo no qual a Guararapes Confecções SA é acusada de descumprir uma série de regras da legislação trabalhista na relação que mantém com facções de costura sediadas no interior do Rio Grande do Norte e incluídas no programa Pro-Sertão. Na prática, a decisão, publicada em 12 de março, deve anular a audiência realizada em 2 de fevereiro. Um detalhe que chama a atenção: Herculano Neto é vice-presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região e deferiu o mandado de segurança ajuizado pela Guararapes uma semana depois do próprio TRT21 indicar o empresário Nevaldo Rocha, dono da empresa, à receber a Medalha do Mérito Djalma Marinho. A homenagem é contestada pela Associação dos Juízes pela Democracia em razão de Rocha ser um defensor da extinção da Justiça do Trabalho. O Ministério Público cobra na Justiça uma indenização de quase R$ 38 milhões da Guararapes.
Durante a audiência realizada em fevereiro, a juíza da 7ª Vara do Trabalho Jordana Duarte da Silva autorizou depoimentos de 12 das 86 testemunhas arroladas pela defesa. A Guararapes, no entanto, levou apenas três. A procuradoria Geral do Trabalho foi surpreendida com a decisão de Bento Herculano e já estuda meios de impugnar a decisão do magistrado.
Além de cassar a decisão da juíza Jordana Duarte da Silva, que restringiu o número de testemunhas na audiência de instrução no mês passado, o desembargador determinou que a magistrada “adote as medidas necessárias no sentido de incluir as facções impetrantes no polo passivo do processo, assegurando a observância das garantias processuais das partes - contraditório, ampla defesa e devido processo legal (art.5o, LIV e LV, da Constituição Federal) - e prosseguindo com o processamento do feito conforme entenda”.
Na polêmica decisão, o desembargador justificou a inclusão das facções como “litisconsortes passivas necessárias nos autos originários” por conta do “impacto da esfera jurídica das impetrantes em razão dos pleitos formulados na ação civil pública, bem como a incindibilidade das relações jurídicas de direito material discutidas naqueles autos”.
Ainda segundo Bento Herculano, “é essencial que as autoras participem da relação processual originária, produzindo as provas necessárias e influindo eficazmente na formação do convencimento do julgador”.
Outro detalhe curioso na decisão é que o mandado de segurança foi ajuizado em janeiro deste ano, portanto, antes da audiência de 2 de fevereiro e só 40 dias depois foi apreciada e deferida pelo magistrado.
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Decisão do desembargador Bento Herculano saiu uma semana depois do TRT da 21ª região sugerir homenagem a dono da Guararapes[/caption]
A Agência Saiba Mais entrou em contato com a Procuradoria Geral do Trabalho, em Brasília, para ouvir o Ministério Público sobre a decisão do desembargador Bento Herculano. O procurador Márcio Amazonas, coordenador da Força-tarefa responsável pela ação que o MPT move contra a Guararapes, não poupou adjetivos para classificar a o deferimento do mandado de segurança. Segundo ele, a decisão foi “equivocada, intempestiva e lamentável”.
Amazonas admitiu que o MPT foi surpreendido e já estuda meios de requerer a cassação da decisão.
- Recebemos essa decisão com absoluto espanto porque o objeto do mandado foi apreciado depois. Se o objeto fosse apreciado durante a audiência de instrução eu não estaria tão surpreendido. Essa decisão foi absolutamente intempestiva e muito equivocada. A força-tarefa já estuda a impugnação da decisão independente a posição do juízo. Eu considero muito lamentável para a sociedade porque arrasta e torna muito mais tumultuado um processo já bastante complexo. Essa decisão pode transformar uma disputa judicial num cavalo de batalha.
A decisão do desembargador Bento Herculano tem tudo para transformar em guerra uma batalha jurídica. Presidente da Guararapes e do grupo Riachuelo, o empresário Flávio Rocha tem usado o processo movido pelo MPT para se vitimizar na imprensa. Alçado à condição de pré-candidato à presidência da República, embora negue oficialmente, ele se diz vítima de perseguição por parte do MPT do Rio Grande do Norte. Aliás, Rocha é réu numa ação criminal por calúnia, difamação e coação durante o curso do processo em razão de ataques pessoais contra a procuradora do Trabalho do RN Ileana Neiva Mousinho.
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Audiência de instrução foi realizada dia 2 de fevereiro, em Natal (RN)[/caption]
A audiência de 2 de fevereiro já foi realizada sob um clima tenso entre os procuradores do MPT e os advogados de defesa. Durante o depoimento do empresário Ricardo Medeiros, proprietário de 11 facções do grupo C Medeiros, todos instalados nos municípios de São José do Seridó e São Vicente, defesa e acusação por pouco não extrapolam os limites jurídicos do embate. Medeiros é casado com a empresária Ana Fabíola, testemunha de defesa no processo em que o Ministério Público Federal e a Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho movem contra Flávio Rocha. Na ocasião, o procurador Xisto Medeiros Neto contestou os advogados da Guararapes por terem levado a testemunha. O advogado Erick Pereira afirmou que não sabia, Xisto contestou, houve bate-boca e por pouco a discussão não descamba para agressões.
O procurador Márcio Amazonas também acompanhou a audiência de instrução em fevereiro pelo MPT. Na época, a defesa comemorou o fato do MPT não ter levado nenhuma testemunha. A estratégia, segundo o procurador do Trabalho, foi acertada.
- Aquela audiência foi excelente para o Ministério Público. Não levamos testemunhas porque não precisava. Toda as provas documentais presentes nos autos eram mais do que suficientes, nossa prova já constava nos autos. Veja que a empresa que queria arrolar 86 testemunhas, levou três e acabou surpreendida porque a juíza autorizou que levassem 12. Ou seja, a empresa não se antecipou ao indeferimento parcial, a empresa foi descuidada e depois ainda levou duas testemunhas que são dirigentes sindicais. O depoimento do preposto da Guararapes fez praticamente uma confissão parcial de culpa. O Ministério Público saiu da audiência como grande vitorioso, mas veio essa decisão surpreendente. E talvez nada do que foi feito valha.

