Desembargador diz que cartazes contra LGBTfobia em estabelecimentos do RN causam "transtornos” aos empresários
Neste Dia Internacional de Luta contra a LGBTfobia, 17 de maio, movimentos sociais lançaram nota de repúdio ao processo judicial movido por entidades do empresariado potiguar visando suspender a Lei Estadual Nº 10.761/2020, de autoria do deputado estadual Sandro Pimentel (PSol) e sancionada pela governadora do Rio Grande do Norte, Fátima Bezerra (PT).
O instrumento legal dispõe sobre a obrigatoriedade de afixação de cartaz em órgãos públicos e estabelecimentos privados do estado, informando que a Lei Estadual nº 9.036/2007 proíbe e pune atos de discriminação em virtude de orientação sexual e identidade de gênero.
A suspensão foi acatada pelo desembargador Cláudio Santos em caráter liminar de segunda instância no dia 22 de abril e aguarda apreciação pela 1ª Câmara Cível do TJRN, cabendo recurso.
Para o magistrado, a medida instituída pela lei, “acarreta inúmeros transtornos”. Cláudio Santos considera que o espaço de 28 cm de largura por 21 cm de altura (folha A4) é de “grande dimensão” e gera prejuízo para o pequeno comerciante, uma vez que deixará de usá-lo para expor seus produtos.
A justificativa chega a dizer que os comerciantes poderão sofrer “coação moral” por parte dos militantes do movimento LGBTIQA+, que, apesar de não serem agentes do governo, poderão forçar os empresários a colocar os cartazes, sob ameaça de realizarem denúncia.
Ele também acredita que a lei cria uma tendência à criação de placas chamando a atenção sobre a existência de outras leis, o que pode gerar “murais” de informação legislativa em todos os estabelecimentos, sejam grandes ou pequenos.
Por último, conclui que a lei é inconstitucional, “seja pelo vício de iniciativa, já que cria encargos para a Administração Pública como elaboração e impressão de cartazes e fiscalização, mas fora proposta por um deputado estadual; seja pela inconstitucionalidade material, uma vez que essa lei trata de matéria acerca do direito civil, que e de competência exclusiva da União”.
A nota dos movimentos classifica como pífias as justificativas e diz que não imaginavam que veriam “escancarada” a LGBTFobia em um processo judicial.
Eles ainda expõem os autores da ação: Câmara de Dirigentes Lojistas de Natal (CDL-Natal); Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Norte (Fiern); Federação das Empresas de Transporte de Passageiros do Nordeste (Fetronor); Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado do Rio Grande do Norte (Fecomercio/RN); Federação da Agricultura, Pecuária e Pesca do Rio Grande do Norte (Faern); Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas do Rio Grande do Norte (Sebrae/RN); e Federação das Associações Comerciais do Rio Grande do Norte (Facern).
Militante do Coletivo LGBT+ Leilane Assunção, Candida Souza, considera um absurdo a iniciativa da Câmara dos Dirigentes Lojistas e lembra que em João Pessoa (PB) há lei semelhante, que teve adesão de todos os estabelecimentos comerciais.
“Onde a pessoa vai em João Pessoa, se depara com um cartaz que informa que LGBTfobia é crime. É uma ação simples e necessária, que não envolve praticamente nenhum custo, já que é só imprimir um papel, e que faz muita diferença. Entrar num estabelecimento e ler um cartaz desse traz segurança pra nós da comunidade LGBT e pode inibir ações de pessoas preconceituosas”, alertou, ao ressaltar que a comunidade conseguiu a aprovação dessa lei no RN depois de muita pressão dos coletivos e da sociedade civil junto à Assembleia Legislativa.
Candida destaca ainda que se trata de uma lei de promoção da cidadania que não gera custos, mas as entidades que acessaram o Judiciário e o magistrado que concedeu a liminar “preferiram ser lgbtfóbicos, usando argumentos absurdos como o custo dos cartazes, por exemplo”.
O autor do projeto de lei, Sandro Pimentel, disse receber com tristeza a notícia da apreciação do magistrado. “Ataca uma lei que dá publicidade a uma legislação vigente. Vejo isso como um retrocesso imensurável”, lamentou.
“Eu acho uma insanidade dessas empresas que entraram a ação e mais ainda, falta de compromisso social e de responsabilidade com um setor que é tão discriminado pela sociedade. Uma irresponsabilidade gigante do magistrado que fez isso ele certamente desconhece a realidade da sociedade brasileira e do Rio Grande do Norte. Se confirmada a suspensão, vamos acionar o nosso jurídico. Parece-me que a justiça do RN não tem mais o que fazer”, declarou o ex-deputado, informando que o Estado também deve recorrer por meio da Procuradoria Geral.
Sobre a lei
A lei, sancionada em agosto de 2020, foi subscrita também pela secretária de Estado das Mulheres, da Juventude, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos, Eveline Guerra.
O cartaz deve ser afixado em hotéis, motéis, pensões, pousadas e outros meios que prestem serviços de hospedagem; restaurantes, bares, lanchonetes e similares; casas noturnas de qualquer natureza; clubes sociais e associações recreativas ou desportivas, que promovam eventos com entrada paga; agências de viagens e locais de transportes de massa. E ainda em postos de serviços de autoatendimento, postos de abastecimento de veículos e demais locais de acesso público; prédios comerciais e ocupados por órgãos e serviços públicos estaduais.
A lei se aplica também às repartições públicas diretas e indiretas, escolas, centros de ensino superior, hospitais, centros de saúde, delegacias de polícia, unidades do judiciário e demais locais públicos de intensa movimentação de pessoas. Na hipótese de não cumprimento da lei, os infratores ficam sujeitos à multa no valor de R$ 1 mil por infração, revertida aos órgãos de proteção aos direitos da comunidade LGBT; e multa em R$ 2 mil em caso de reincidência.