“Nós já somos um ato político em si”. Entrevista com Thabatta Pimenta, única vereadora trans do RN
Natal, RN 2 de jul 2024

“Nós já somos um ato político em si”. Entrevista com Thabatta Pimenta, única vereadora trans do RN

3 de julho de 2022
14min
“Nós já somos um ato político em si”. Entrevista com Thabatta Pimenta, única vereadora trans do RN

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Ativista pelos direitos das pessoas com deficiência (PCD), radialista e influenciadora, esta é a irmã do Ryan e a primeira mulher trans a ser eleita vereadora no Estado do Rio Grande do Norte, Thabatta Pimenta (PSB). Dona de um sorriso largo, conquistou o carinho e a admiração não apenas da população do seu município, Carnaúba dos Dantas, mas de todo o país. Suas redes sociais contabilizam mais de um milhão e meio de seguidores.

Sua eleição em 2020 se soma a de outras 24 pessoas trans em 22 municípios do país. Apesar de ser um número baixo no universo de 58.208 parlamentares municipais, é considerado um marco histórico. Isso porque, em 2016, de acordo com levantamento da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), somente 8 pessoas trans chegaram às casas legislativas. Um aumento de 200%.

A força e o sentido para ter persistido na política, depois de ter enfrentado a violência e o preconceito na disputa pela cadeira de vereadora em 2016, e vencido o conservadorismo na cidade em que nasceu e cresceu, ela encontrou na família, em seus irmãos, especialmente no Ryan, um pintor talentoso que tem paralisia cerebral desde a infância, e no exemplo de coragem e determinação de sua mãe, Maria Aparecida de Medeiros Silva. Ela era técnica de laboratório e trabalhava no Hospital Regional Mariano Coelho, em Currais Novos. Morreu de Covid-19 quatro dias antes de Thabatta tomar posse e se tornar, também, a única representante do estado na frente nacional da comunidade LGBTQIA+.

Apesar de afirmar suas próprias lutas como pessoa LGBTQIA+, a defesa dos direitos das pessoas com deficiência é uma das prioridades do seu mandato na Câmara de Vereadores de Carnaúba dos Dantas. “O que me colocou na política foi os direitos da pessoa com deficiência, já que eu tenho um irmão com deficiência e eu cuido dele desde os doze anos de idade”, revela em entrevista à Agência Saiba Mais.

Depois de ter recebido o reconhecimento, à nível estadual, como detentora de um dos mandatos mais atuantes do Rio Grande do Norte, Thabatta quer mais.  Ela é pré-candidata à uma vaga na Assembleia Legislativa do Estado e seu nome está entre os 20 mais citados na última pesquisa eleitoral Seta (BR-00279/2022 e RN-02313/2022). Na “Semana do Orgulho e Resistência LGBTQIA+”, nós conversamos com Thabatta Pimenta sobre passado, presente e futuro, e sobre os desafios e perspectivas para as eleições de 2022.

  1. Você é de um município extremamente conservador e machista. Como explicar que a cidade que preferiu Bolsonaro elegeu uma trans para o parlamento municipal?

Eu acho que foi um grande avanço e, ao mesmo tempo, uma grande surpresa. Mas tudo isso foi construído frente aos desserviços que esse desgoverno vem mostrando e não foi diferente nos dois primeiros anos [de mandato].

Replicar a importância de estar lutando pelos direitos humanos numa cidade pequena, ou aonde for, é muito necessário.

Então, foi através dessa necessidade, que essa construção me colocou no parlamento.

  1. Que tipo de ataques sofreu durante a campanha?

Foi na própria campanha que eu realmente senti o preconceito na política. A primeira vez que eu fui candidata foi em 2016 e todos os demais políticos, entre aspas, partidos e vereadores que viam que eu tinha chance, se opuseram contra mim e eu fui sozinha. Fui candidata sozinha e fui uma das mais votadas, não entrei por causa do coeficiente eleitoral. Mas uma semente foi plantada. Em 2020 aconteceu e estou muito feliz.

O ano passado o nosso mandato foi reconhecido à nível estadual como um dos mandatos mais atuantes do estado do Rio Grande do Norte.

Então para uma parlamentar de uma pequena cidade do interior isso significa muito. De alguma forma é o reconhecimento e está sendo replicado tudo que a gente vem fazendo e lutando por Carnaúba e por tantas outras cidades. Porque o meu mandato foi além de Carnaúba, já que hoje eu represento o estado numa frente nacional.

  1. E agora na Câmara, você é respeitada pelos colegas? Como é ser a única vereadora trans em uma Câmara dominada por homens brancos e conservadores?

Os ataques vêm quando há os projetos específicos, principalmente os voltados à comunidade LGBT, por exemplo. Então as discussões são bem acaloradas. Mas eu acho que em relação aos outros meninos e meninas dos outros mandatos por todo o Brasil, das pessoas trans, eu não sofro tanto como elas porque realmente

eu já cheguei assim me impondo mesmo, dizendo que ali era um corpo trans, travesti, num espaço como aquele, um mandato que foi legitimamente eleito, escolhido pelo povo, na de forma popular e participativa.

Então eles iam ter que me respeitar e eu não ia permitir e não permito que faltem o respeito comigo. Se fosse preciso, ia ser a primeira vez que iam ver uma vereadora presa sim, porque eu sempre estaria correndo atrás dos meus direitos e daqueles que me colocaram ali. Mas é muito sobre isso.

  1. Como tem sido desenvolver seu mandato? O que está enfrentando é aquilo que esperava ou está sendo mais difícil do que imaginava? 

Assim, existem muitas barreiras no sentido de a gente ser oposição ao prefeito da cidade, mas de alguma forma as mensagens são passadas, as lutas estão acontecendo, mesmo que muitos projetos não sejam aprovados pelos meus colegas por serem tratados assuntos que nunca foram falados numa câmara como aquela. Mas a internet hoje é muito importante, que de alguma forma é replicado daqui a maioria dos meus projetos. Mesmo em outros estados muitos colegas pedem pra replicarem nas outras cidades porque sabem a importância e as justificativas que vão acolher, que são pensadas em todos esses recortes mesmo da sociedade.

E é sobre isso, quando a gente se coloca num espaço como esse é para representar mesmo o povo de verdade.

E eu, como cheguei como uma militante principalmente dos direitos humanos, é sobre esses direitos humanos que a gente tem que lutar e saber realmente o nosso papel como representante do povo, né? Porque a maioria políticos não sabem.

  1. Que projetos em Carnaúba dos Dantas conseguiu aprovar?

Ah, muito feliz. Até porque uma das nossas vitórias logo no começo foi pelos direitos da pessoa com deficiência, não só para Carnaúba, mas à nível estadual, a gente conseguiu banir todos os termos capacitistas das documentações das pessoas com deficiência. Em Carnaúba, mesmo, tivemos projetos aprovados, pensados nas IST, nas pessoas soro positivas também, da própria pessoa com deficiência e o mais recente diz respeito às prioridades para as pessoas com mobilidade reduzida e, ao mesmo tempo, primeiro projeto pensado em pessoas trans, em corpos trans, de homens trans especificamente, que já tinha pensado nas pessoas gestantes e lactantes. Então a gente teve muito esse cuidado de pensar também em homens transexuais que um dia queiram engravidar, por exemplo, então é a lei da prioridade nos espaços públicos e privados não só pra essas pessoas, mas também para as pessoas com fibromialgia, autistas, entre outras.

A gente construiu muito além da fiscalização em si pela questão da cidade como um todo.

Tivemos muitas vitórias, mas também tivemos derrotas, por exemplo, ao tentar levar a questão do nome social para rede municipal.

Foi um dia bem triste, assim, que eu tentei colocar na cabeça das pessoas o quão é constrangedor não ter o seu nome social respeitado. Mas, no mais, a gente teve muitas vitórias e isso se mostrou como reconhecimento do nosso mandato, principalmente no ano passado.

Não só à nível estadual, mas como nacional, a gente vem lutando para pensar na própria comunidade LGBTQIA+ na frente nacional.

E pensar na interiorização das políticas públicas, porque a gente tem que pensar nas pequenas cidades, também.

  1. Você já teve dificuldades de encontrar partido que aceitasse a candidatura de uma mulher trans. As estruturas partidárias ainda têm que aprender a conviver com pessoas trans? 

Tem muito essa questão dos partidos políticos, né? E isso fez parte também da minha escolha agora dessa pré-candidatura. Muitos partidos me procuraram, mas eu fui bem certeira: mas vocês vão realmente nos acolher, nos respeitar e dar importância que um mandato LGBT e das classes minoritárias precisam?

Porque muitos partidos só querem que a gente sirva de esteira pra outros. Então, a gente tem que procurar realmente partidos que nos enxergue, porque com nosso potencial a gente pode fazer pela população como um todo.

Porque os nossos mandatos, além de tudo, é pensado nas causas sociais, porque o povo acha que a gente é uma pessoa LGBT, por exemplo, e a gente chega lá e só pensa na própria comunidade, mas para além disso, a gente como minoria, o que as demais sofrem e a gente se coloca no lugar dessas pessoas.

  1. Num contexto de ódio, negacionismo, temos eleições como a tua, que garantem a representatividade nos espaços políticos. Qual a importância de uma política plural, diversa e baseada no respeito às diferenças?

É realmente uma esperança, né? A gente vem vendo nas pesquisas, desde o começo, a nossa pré-candidatura única aparecendo. Uma pré-candidatura que leva essa força das minorias das classes sociais. Então a população está abraçando e sabendo a importância que isso significa pra os avanços, que podem acontecer de verdade pra nossa população como um todo.

Quando a gente é uma minoria mesmo e se coloca de verdade no lugar do outro, a gente pode sim avançar se quiser, porque a maioria desses políticos, que se dizem representantes do povo, quando chegam a esses espaços realmente esquecem quem os colocou ali.

A gente vê em muitas campanhas que sempre aparecem dizendo que são aliados e aliadas da luta como um todo, várias lutas, mas a gente vê que isso não acontece. Então, a gente tem que procurar representantes que sejam pessoas aliadas e que pensem de verdade nessas parcelas da população. Porque a gente também precisa de saúde, de educação, de assistência, de tudo isso. Como todo mundo.

  1. E mesmo em meio a tanto preconceito você é pré-candidata nas eleições deste ano. Por que agora deputada estadual? Acredita que o teu papel na Câmara Municipal já foi cumprido?

Para mulheres trans e travestis que querem entrar na política, eu digo que todas e todos nós já somos um ato político em si, porque os nossos corpos são corpos políticos. A gente sabe disso ao sair de casa, estar em todo lugar. Então a gente tem esses corpos políticos de alguma forma e para entrar na política a gente tem que de alguma forma construir tudo isto.

O meu desejo é que muito mais mandatos LGBTs, de pessoas trana e travestis cheguem realmente nessas eleições de 2022 a esses lugares, a esses espaços, para nas próximas e próximas eleições a gente poder ter uma maior participação também nos interiores, nas demais cidades, pensar em mandatos que realmente pensem na população.

Uma grande rede de apoio pensada em todo mundo, eu vejo assim.

  1. Qual o conselho que daria para mulheres trans que gostariam de se candidatar a um mandato político?

Como a gente vê tudo isso acontecer, né? Em pouco tempo, em dois anos ter tanto reconhecimento, é mostrando que a gente pode fazer, eu posso fazer para além de Carnaúba dos Dantas. E a gente já viu isso acontecer com minha voz, mesmo estando lá, pode chegar a tantas outras pessoas.

Então é por isso que a gente está construindo também esse projeto, é pensado em muito mais pessoas que precisam de voz e vez.

É resistir, que a gente já resiste há muito tempo, mas está na hora da gente ocupar sim esses espaços que por muitas vezes nunca chegaram até a gente. É por isso que eu me coloco como pré-candidata pra realmente lutar muito mais por mais pessoas e pensar desde aquela pessoa da zona rural, da pequena cidade, da grande cidade. É lutar de verdade, se colocar no lugar do outro de verdade.

  1. Fale um pouco sobre sua vida, sua formação, sua opção política e o momento em que resolveu assumir sua condição.

 Eu, como a gente está falando muito sobre a questão da pessoa trans e travesti, o que a gente sabe é que a questão da empregabilidade não chega até a gente, né? E eu me sinto privilegiada porque eu tive essa oportunidade, porque trabalho na comunicação. Há 12 anos eu sou radialista e tive essa oportunidade. E no Seridó eu pude mostrar que a gente realmente pode ocupar todos os espaços que quisermos, basta essas oportunidades realmente chegarem até a gente.

Então foi o que aconteceu, através da comunicação e do meu programa de rádio, as pessoas começaram a ver em mim essa voz que podia falar por tanta gente que precisa.

Foi ali que começou a minha carreira política mesmo, até porque o que me colocou na luta política não foi apenas a questão LGBT. Claro que eu tenho as minhas lutas, mas o que me colocou na política foi os direitos da pessoa com deficiência, já que eu tenho um irmão com deficiência e eu cuido dele desde os doze anos de idade. Então a gente vive e viveu na pele sempre os desserviços, a falta de respeito, tantas atrocidades que a pessoa com deficiência vive, além das questões de todas as minorias. É pensar mesmo assim em todas essas pessoas.  Foi por isso que eu entrei na política e hoje eu luto por isso, também. A gente tem que ser sempre aliada e aliado de todas as pessoas que realmente precisam de voz. E meu mandato é isso e a gente luta por isso, pra enxergar as pessoas invisibilizadas.

  1. Você está sempre sorridente. É possível encontrar leveza em meio a tantas lutas?

Estou sempre assim sorridente sim, mas a gente também tem saúde mental, a gente precisa de um apoio, de um suporte. É válido a gente saber que a gente também é ser humano, só eu sei como eu fico às vezes à noite, às vezes com grandes discussões. Eu tenho que lembrar sempre da coisa que eu mais amei na minha vida que era minha mãe, que foi uma das vítimas do Covid. Trabalhou na saúde sempre e foi prova viva disso, do desserviço do governo federal que não avançou na vacinação, por exemplo.

Ela faleceu quatro dias antes da minha posse, e eu sofri muito e ainda sofro, mas é um dia após o outro, e quando me sinto triste eu penso muito nela, em tudo que ela me ensinou, pra realmente lutar por mais pessoas.

Até porque onde eu estou hoje foi graças a ela também, que sonhou junto comigo, e sabia que eu seria uma voz atuante por tanta gente já que eu sempre lutei por eles, cuidei deles. Quando eu falo que eu tive oportunidade de trabalho, no mesmo ano que eu tive essa oportunidade eu perdi meu irmão mais velho de infarto. Então já passei por muita coisa, mas o amor da minha família, o apoio, sempre me deu a força que eu preciso e precisava. Principalmente pra o meu irmão hoje, por exemplo, que é acolhido na sociedade. A gente teve uma conquista muito grande também em Carnaúba que foi uma equipe multidisciplinar para pessoas com deficiência na rede estadual, a gente lutou e conseguiu também, e ele é um desses alunos inseridos na educação básica, no ensino médio.

  1. A sociedade que a gente vive hoje é uma sociedade transfóbica e isso implica em lugares de privilégios. São lugares que pessoas trans não são esperadas. Nesse contexto, você sente medo?

Medo a gente sempre sente, né? Mas é vendo tudo isso e o avanço, que a gente já teve, mas que precisa ampliar, que precisamos de muito mais, porque é o nosso direito também. Então medo a gente sempre tem em muitos lugares.

Mas é por isso que a gente realmente tem que se colocar, não podemos ter medo de lutar, até porque pra que eu estivesse aqui hoje, muitas meninas e meninos trans também morreram.

Eu sei o quão eu preciso estar ali por tantas pessoas. E eu continuarei sendo essa voz aonde eu estiver, seja na própria internet, porque a gente tem esse trabalho nas redes sociais com mais de um milhão e meio de seguidores, seja no parlamento para elevar a nossa mensagem cada vez mais por tanta gente.

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