Na Caatinga do Rio Grande do Norte, recentemente, uma espécie de peixe foi descoberta já ameaçada de extinção. Para ter mais visibilidade, recebeu nome que homenageia o presidente Luís Inácio Lula da Silva: Hypsolebias lulai. Os detalhes da descoberta foram publicados em artigo nesta sexta-feira (20), na revista "Neotropical Ichthyology".
A descrição da espécie de água doce foi realizada por uma equipe de cientistas do Instituto Peixes da Caatinga – a organização atua em defesa da biodiversidade e da conservação dos peixes desse bioma – em colaboração com as universidades federais da Paraíba (UFPB) e do Rio Grande do Norte (UFRN), além da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) e da Universidade de Taubaté (Unitau).
Mas tudo começou quando o agricultor Alberto Gomes pescou o animal desconhecido, em agosto de 2022, na bacia do rio Trairi, mais precisamente no assentamento Recanto II, município de Lagoa Salgada (a cerca de 70 km de Natal).
Fisicamente, o H. lulai se diferencia dos demais apresentando listras e uma faixa azulada na parte dorsal dos machos, enquanto as fêmeas são menores e possuem uma coloração amarronzada. O tamanho do maior animal encontrado foi de pouco mais de 5 cm.
A fotografia foi enviada ao biólogo professor da UFPB Telton Ramos, que mobilizou equipe de cientistas e organizou uma expedição, cujo financiamento foi viabilizado por meio dos seguidores do Instituto Peixes da Caatinga nas redes sociais. Essa colaboração entre população e cientistas na coleta de dados em uma pesquisa é parte do conceito de “ciência cidadã”.

Ainda sobre nomenclaturas: o grupo de peixes da nova espécie é conhecido popularmente como “peixes das nuvens" ou “peixes anuais”. Quem explica é Telton Ramos: “As pessoas pensam que esses peixes caem dos pingos das chuvas, por isso é chamado de peixes das nuvens. São chamados também de peixes anuais porque aparecem de ano em ano”.
A denominação científica do gênero é Hypsolebias, que possui agora 35 espécies, pertencentes à família Rivulidae, ordem Cyprinodontiformes, com distribuição neotropical (nas Américas).
Já o nome lulai tem o único objetivo de chamar atenção. E está conseguindo. Desde a publicação do artigo, veículos de todo o Brasil têm se interessado pelo bichinho nordestino.
“Utilizamos o nome do presidente Lula pra poder divulgar a diversidade que esses peixes apresentam e também o grau de ameaça em que eles se encontram atualmente. Esse foi o nosso principal intuito: ganhar visibilidade para que a gente possa desenvolver essa estratégia de conservação em parceria até com o governo também”, explica o potiguar que está entre os autores da pesquisa, o biólogo pesquisador da UFRN Yuri Abrantes. Também assinam o artigo os pesquisadores Fábio Origuela, Dalton Nielsen e Silvia Lustosa-Costa.

Os peixes das nuvens são os mais ameaçados do Brasil, detalha Yuri: “Realizamos avaliação seguindo os critérios da IUCN [International Union for Conservation of Nature] e concluímos que a espécie já pode ser considerada como Criticamente Ameaçada (CR) pelos seguintes motivos: a espécie apresenta uma reduzida distribuição geográfica e presença de impactos relacionados à agropecuária em sua área de ocorrência”.
Yuri diz que, a partir do achado, é preciso cobrar do órgão licenciador, o Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente do RN (Idema), a inclusão desse grupo de peixes nos estudos técnicos que legalizam empreendimentos na Caatinga, além de sugerir a criação de uma unidade de conservação visando a proteção do animal.

A pesquisa não identificou empreendimentos no local, mas o grupo tem estudos em andamento na região Oeste do estado, onde identificaram empreendimentos de construção civil, eólicos e petrolíferos que impactam populações de peixes das nuvens.
Além da Caatinga ser o bioma mais ameaçado do país, o ambiente e o ciclo de vida desses animais favorecem a escassez de indivíduos. “É um grupo que ocorre em ambientes relativamente pequenos, em poças/ lagoas temporárias, que só enchem no período da chuva. Quando isso acontece, esses peixes aparecem porque os ovos deles estavam enterrados no substrato. O ciclo de vida deles é muito rápido. Quando a lagoa enche, os ovos eclodem e a população se estabelece. Eles vão passar em torno de quatro meses se reproduzindo o tempo todo e enterrando os ovos. O que que acontece? A lagoa vai secar completamente e todos esses peixes vão morrer, ficando apenas os ovos ali. Só na próxima chuva, depois de mais ou menos um ano, é que vão aparecer novos exemplares. Por isso, as pessoas pensam que eles vêm nas chuvas”, elucida o professor Ramos.
Com um inverno generoso em 2022, os peixes foram levados até reservatórios de água. Por isso, o senhor Alberto pescou o animal em pequeno açude. Em campo, os pesquisadores encontraram do peixe em três locais na zona rural de Lagoa Salgada.
