A doce companhia da última cerveja da noite
Natal, RN 9 de mai 2024

A doce companhia da última cerveja da noite

5 de novembro de 2023
3min
A doce companhia da última cerveja da noite
Foto: cedida

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Nem foram tantas cervejas assim, sequer uma dezena completa, ainda mais para três boêmios confessos e incorrigíveis.

E talvez exatamente por isso é que a falta, ou a ideia de que não eram mais tão bons de copo como antigamente, alimentou aquele desejo inconsciente de levar pra casa uma última (e a melhor) companhia em forma de lúpulo e malte, mesmo sabendo que a derradeira cerveja não teria a serventia de matar a sede ou até de prolongar a sensação de embriaguez, muito mais provocada pelo cansaço acumulado da semana misturado com aquela marola de marijuana que as mesas vizinhas fizeram questão de compartilhar, tal qual um "samba que se espalha no ar", como bem cantou certa vez o mestre dos mestres da Banda Dusouto, Txio Paulinho, saudoso poeta e amigo.

Mas não desprezem o poder e o significado daquela última cerveja que certamente todo ébrio, segurando impressionantemente firme entre uma cochilada e outra no balanço do banco de trás de um carro, num exercício de equilíbrio digno de número de circo, já carregou pra casa, como se fosse um bicho de pelúcia pelo qual se desenvolve uma dependência afetiva.

Mais do que isso, é quase um carinho, ou até um amor mesmo, daqueles amores ingênuos, inocentes, que nada pedem em troca, nem mesmo exige reciprocidade, a não ser esperar que não seja derramada nenhuma gota até chegar em casa.

Esse símbolo maior dos inimigos do fim, que muitas vezes é difícil de se adquirir, tanto pelo efeito de todo álcool consumido na noite, quanto pela escassez do produto, que alguns bares menos preparados experimentam à medida em que se aproxima a hora de fechar, na verdade possui inestimável valor, e lhes digo que já vi pagarem até 30 reais numa rara latinha de Nova Schin, que graças a Deus nunca mais ouvi falar, estupidamente quente, pra essa viagem, enquanto outros já ofereceram até favores sexuais em troca desse mimo.

Só que todo esse esforço pra conseguir uma latinha pra chamar de sua nem sempre vale o destino fatal de acordar ao lado dela, e se dar conta de que adormeceu no sofá em frente à televisão antes que pudesse dar o primeiro gole e apreciar o sabor desse supervalorizado líquido dourado e quente, que agora lembra, pelo menos à primeira vista, porque também não vou arriscar provar, como não provei antes, a urina daquele bêbado mais bêbado que você, que não conseguiu chegar ao banheiro a tempo e fez xixi na calçada em frente ao seu prédio, sem nem tirar as calças.

Ainda assim, mesmo sem tê-la tocado ou a consumido, mesmo diante do claro desperdício que se completa ao derramar na pia da cozinha, com dor no coração, aquele líquido quente outrora gelado, você só tem uma certeza nessa vida: faria tudo novamente, só pela doce companhia da última cerveja da noite, jamais bebida, que a gente leva pra casa como quem ama e não pode viver sem…

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