A persistência da Insegurança Alimentar no Brasil
Natal, RN 18 de mai 2024

A persistência da Insegurança Alimentar no Brasil

5 de maio de 2024
7min
A persistência da Insegurança Alimentar no Brasil

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Insegurança alimentar é definida pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) quando as pessoas não tem acesso regular e permanente a alimentos em quantidade e qualidade suficiente para sua sobrevivência. E estabelece quatro níveis de Insegurança Alimentar: moderada, grave, crônica e aguda. Moderada é quando as pessoas tem sua condição de obter alimentos impedida ou prejudicada devido a alguns fatores como renda insuficiente, desemprego etc., grave, são àqueles que não têm acesso à alimentação (passam fome), crônica, a que persiste ao longo do tempo e aguda quando, por falta de alimentação coloca à saúde e vida das pessoas em risco “independente da causa, contexto ou duração”.

No Brasil é utilizado a Escala Brasileira de Medida Domiciliar de Insegurança Alimentar (EBIA) do IBGE que classifica em quatro categorias: Segurança Alimentar, Insegurança Alimentar Leve, Insegurança Alimentar Moderada e Insegurança Alimentar Grave.

No dia 25 de abril de 2024, com dados relativos a 2023, foi divulgado mais um resultado da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicilio Contínua sobre Insegurança Alimentar. A pesquisa é feita a cada três meses, com consulta a cerca de 210 mil domicílios no país (em torno de 3.500 municípios) e se baseia na EBIA O levantamento classifica as unidades domiciliares segundo os graus atribuídos por essa escala.
A compilação e análise dos dados são de fundamental importância, porque permitem identificar prioridades e monitorar, entre outros aspectos, as desigualdades sociais, políticas e econômicas do país.

Os dados de 2023 revelaram que 24,4 milhões de pessoas deixaram a situação de fome: “O número de pessoas que enfrentam a insegurança alimentar e nutricional grave passou de 33,1 milhões em 2022 (15,5% da população) para 8,7 milhões em 2023 (4,1%). Isso representa queda de 11,4% pontos percentuais numa projeção feita a partir de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC).

Segundo os cálculos do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas – FGV Social – os dados de 2023 revelaram que o total de pessoas vivendo na miséria foi o menor desde o início da série histórica em 2004, em torno de 2,6 milhões de pessoas que deixaram a condição de miséria extrema. O recuo ocorreu em 26 das 27 unidades da Federação.

Há de se considerar também às diferenças regionais. O Norte e Nordeste registraram os maiores percentuais (7,7% e 6,2% respectivamente) da Insegurança Alimentar e apenas 2% na região Sul.
Há também diferenças entre as áreas urbanas e rurais. Os dados indicam que 8,9% dos lares urbanos enfrentaram Insegurança alimentar grave ou moderada, enquanto na área rural foi de 12,7%. Embora maior, mesmo assim, em ambas foi o menor percentual desde quando a pesquisa foi iniciada em 2004, que eram respectivamente, 15,7% e 23,5%.

Outro dado importante revelado pela pesquisa é a existência das desigualdades de gênero e raça, constatados nos mais distintos indicadores: os negros - e a mulher negra em particular - convive com mais precariedade (habitação, emprego, renda etc.) e mais insegurança alimentar.

O fato relevante a considerar é que a expansão de programas sociais, especialmente o Bolsa Família, que chega a quase 1/5 dos lares, é um dos fatores que ajudam a reduzir os níveis de Insegurança Alimentar (de pobreza e extrema pobreza).

Em 2023 o Programa elevou em 38% os ganhos dos mais pobres e o rendimento médio cresceu 11,5 %.
E embora tenha conseguido reduzir uma parte das desigualdades nas camadas mais pobres da população, há outros fatores estruturais que persistem e impedem a sua diminuição e a permanência da insegurança alimentar. Entre outros, a ausência de uma reforma agrária e outras que levam à desigualdade de renda e que são difíceis de serem alteradas em curto prazo. Um exemplo é o fato de que o Brasil saiu do Mapa da Fome em 2014, depois dos dois governos de Lula (2003-2010) e o primeiro de Dilma Rousseff (2011-2014) quando houve grandes investimentos em políticas públicas (como o Programa Bolsa Família), mas na ausência ou negligência dessas políticas (e outras prioridades) nos dois governos seguintes, de 2017 a 2022, o país retornou ao Mapa da Fome em 2019, e ainda não saiu. Houve um retrocesso no combate à fome e extrema pobreza, resultado em grande parte da expansão das políticas neoliberais e a consequente desestruturação e desmantelamento das políticas de proteção social.

Em novembro de 2020, o IBGE divulgou que quase 52 milhões de brasileiros viviam na pobreza. De acordo com um estudo divulgado em dezembro do mesmo ano, realizado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), o país era o sétimo mais desigual do mundo, atrás apenas da África do Sul, Namíbia, Zâmbia, República Centro-Africana, Lesoto e Moçambique.

Em junho de 2022, a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (Rede PENSSAN) divulgou o Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar na qual afirmou que eram 33,1 milhões de pessoas na situação mais grave da insegurança alimentar no país. .

Há também um componente racista: os estudos têm constatado que a desigualdade tem entre outros efeitos o de limitar a inserção dos negros no mercado de trabalho, e quando isso ocorre são em empregos menos qualificados e pior remunerados.

Em 2023, com o início do terceiro mandato de Lula, houve um inegável avanço. O país registrou a maior renda média da história desde o inicio da série: 527 reais, contra 468 reais em 2022 (em 2019 foi de 442 reais), um aumento de 19,2%, e registrou também menor índice de desemprego e aumento de trabalho com carteira assinada.

E ao mesmo tempo, evidencia a complexidade da resolução das desigualdades, programas de transferência de renda e tributação de patrimônio etc., que se refletem na Insegurança Alimentar. Vão além de programas sociais, mesmo exitosos. Mesmo com o retorno de investimento dos governos de Lula e de Dilma Rousseff, como os Programas Luz para Todos, Minha Casa Minha Vida, Fies, Cota nas Universidades, e o Programa Cisternas (O Programa Nacional de Apoio à Captação de Água de Chuva e outras Tecnologias Sociais), Farmácia Popular etc., que levou à redução da miséria, da pobreza, do desemprego etc., mas que não se resolve a desigualdade em curto prazo em curto prazo.

Trata-se de um problema complexo, estrutural, que se remete a concentração de renda e terra, a manutenção de políticas neoliberais etc. Entre outros exemplos, podem ser citados dados divulgados na pesquisa PNAD no dia 19 de abril de 2024 mostrando que 1% dos mais ricos no país ganham, em média, 39,2 vezes mais do que os 40% mais pobres. Como resolver isso em curto prazo? Ao governo, cabe fazer o que é possível, definir prioridades para tornar o país menos desigual e injusto, como ampliar a rede de assistência social, associada à retomada da geração de empregos (em 2023 o país teve o menor índice de desemprego desde 2015), fazer as reformas (que não dependem apenas do governo, como da Previdência, Tributária, Administrativa etc.) enfim fazer crescer a economia, com conservação ambiental, ampliação de investimentos em educação, saúde, cultura etc., entre outras medidas que possam contribuir para diminuir a histórica - e persistente - desigualdade social no país, que se reflete na permanência da Insegurança Alimentar para milhões de pessoas.

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