A esquerda no futebol e o dinizismo em Natal
Natal, RN 16 de mai 2024

A esquerda no futebol e o dinizismo em Natal

6 de novembro de 2023
4min
A esquerda no futebol e o dinizismo em Natal
Fernando Diniz, técnico do Fluminense campeão da Libertadores / Foto: Carl de Souza/AFP

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A vitória do Fluminense sobre o Boca Juniors na finalíssima da Libertadores desmoralizou videntes empenhados em rebarbar a contribuição do dinizismo ao arejamento da cultura tática, dos métodos de gestão de grupo e da estrutura institucional que mantêm o futebol brasileiro acorrentado ao século XX. Por essa ótica conservadora, o estilo fluido e interativo – o jogo relacional – do treinador Fernando Diniz não teria consistência para encarar adeptos do jogo posicional – fundamentado na fixidez – plasmado por Pep Guardiola e hoje hegemônico nas maiores ligas europeias, com repercussão mundo afora.

Segundo os profetas do passado, o dinizismo teria fôlego apenas para torneios domésticos de curta duração, com pouco ou nenhum mata-mata, desmanchando-se no ar quando exposto aos gigantes brasileiros e continentais em competições extensas e com mais jogos eliminatórios nas fases finais. Para eles, isso justificaria a conquista do Campeonato Estadual/2023 pelo tricolor, mas o condenaria liminarmente ao fracasso na Libertadores. A vitória sobre um Boca sustentado na mística da camisa auri-azul e na aura de vitorioso (6 títulos, contra 7 do Independiente) implodiu as convicções das cassandras.

O título continental do tricolor é a vingança do dinizismo e equivale a um triunfo da esquerda no futebol. O estilo nutre-se de ideias que replicam características associadas ao campo ideológico progressista: o agrupamento de atletas para gerar superioridade numérica (solidariedade), a evolução à base de trocas obsessivas de passes (coletivismo), o trânsito dos atletas por todas as zonas do campo (mobilidade social), sem o dever estrito de guardar posição fixa ou de esperar que a bola chegue ao seu quadrado.

A mentalidade disruptiva que rege o dinizismo faria bem a Natalópolis. Por décadas, a cidade tem sido confiada a alcaides e alcaidessas que, embora diversos na extração partidária, não diferem na adesão a práticas administrativas associadas ao mais-do-mesmo, ao conservadorismo, à direita – ou, com alguma boa vontade, ao centro. Esse eterno retorno explica por que seguem insolúveis tantos problemas estruturais da cidade e da prefeitura, como a ínfima capacidade de investimento próprio, o feudo do transporte coletivo, o saneamento básico, a degradação progressiva de bairros inteiros.

Do vasto leque de ismos que reinaram sobre a cidadela dos magos desde a retomada das eleições nas capitais, em 1985 – garibaldismo, wilmismo, carlismo, aldismo, micarlismo e alvarismo –, nenhum foi capaz de abalar a posição do cartel dos ônibus, que mandam e desmandam no sistema; de universalizar à vera (propaganda cavilosa não vale) o abastecimento de água, a coleta e o tratamento de esgotos; e de conter e reverter a degradação urbanística, econômica e social da Ribeira e da Cidade Alta.

A última vez em que a cidade experimentou uma gestão tão disruptiva na política quanto o dinizismo vem a ser no futebol foi na já longínqua década de 1960, quando elegeu o esquerdista Djalma Maranhão para um segundo mandato de prefeito interrompido pelo golpe civil-militar em março de 1964. Comunista assumido, ele rompeu com o PCB em 1946, em carta pública ressaltando discordâncias em relação à linha política adotada pela direção.

Afastou-se do partido, mas não das ideias socialistas, temperadas por visões avançadas e transformadoras de uma cidade e de uma sociedade que, em pleno século XX, ainda exibiam ares urbanos e mazelas sociais do século XIX. Djalma era tão foda que congregou esquerda e direita, cristãos e ateus, pobres e ricos, centro e periferia em tabelinhas e triangulações cujos resultados ainda legitimam, seis décadas depois, o desejo exclamativo: dinizismo em Natal já!

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