A política de desarmamento do governo Lula
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A política de desarmamento do governo Lula

24 de dezembro de 2023
11min
A política de desarmamento do governo Lula
Tânia Rego / Agência Brasil

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Depois da vitória eleitoral em outubro de 2022, foram criados dezenas de grupos de trabalho visando auxiliar o governo na construção de políticas públicas. Entre os grupos, um sobre controle de armas, sob a coordenação do advogado Marco Aurélio Carvalho que apresentou  o relatório (22/12/2022) uma série de propostas nesse sentido, como a revogação de oito decretos e uma portaria interministerial “que incentivam a multiplicação descontrolada das armas no Brasil, sem fiscalização rigorosa e adequada”.

Uma das primeiras medidas do governo Lula ao tomar posse no dia 1 de janeiro de 2023 foi  justamente a de assinar o Decreto  n. 11.366, que revogou uma série de normas do governo Jair Bolsonaro que facilitavam o acesso da população a armas de fogo e munição. O decreto, entre outros aspectos, determinou o Recadastramento, junto à Polícia Federal, das armas de fogo adquiridas a partir de 2019.

Outras medidas vieram depois  como a regulamentação dos CACS que no governo anterior permitiu a circulação de mais de um milhão de armas no país.

No dia 21 de julho de 2023  o presidente assinou outro decreto sobre o que chamou de controle responsável de armas e restringe o acesso a armas. Para o ministro Flávio Dino, se trata de um decreto “que põe fim, ao armamentismo irresponsável que o extremismo político semeou nos lares brasileiros”.

No dia 31 de outubro de 2023, foi publicado outro decreto que elevava o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) sobre armas de fogo e munições. As novas alíquotas passariam a valer em 90 dias e tinha como justificativa “a necessidade de conter a criminalidade e aumentar a arrecadação”. O decreto citava revólveres, pistolas, espingardas e carabinas de caça ou de tiro ao alvo, com alíquota passando de 29,25% para 55% e elevava de 13% para 25% o percentual aplicado sobre determinados tipos de cartuchos.

Na proposta do governo para a reforma tributária, previa a incidência de um imposto seletivo — que foi apelidado de “imposto do pecado” — para “desestimular o consumo de produtos nocivos à saúde e ao meio ambiente”, como cigarros e bebidas alcoólicas. E em relação às armas e munição, a taxação incidiria para produção, comercialização e importação, exceto para as destinadas à administração pública (como a compra para as polícias etc.).

No entanto, no dia 15 de dezembro de 2023 , um dos trechos votado em separado da reforma tributária na Câmara dos Deputados retirou um imposto maior para armas e munições, o que representou uma vitória da chamada bancada da bala que se mobilizou nesse sentido e derrotou a proposta do governo, excluindo os impostos do trecho final da Proposta de Emenda à Constituição.

Na matéria   publicada na revista Carta Capital no dia 20 de dezembro de 2023 por Mariana Serafini e Maurício Thuswoh (Fogo cruzado), se referem a grande circulação ilegal de armas de fogo no país, e sobre uma operação conjunta do governo brasileiro - como parte do combate ao comércio ilegal de armas -  com o governo do Paraguai (Operação Dakovo) que efetuou prisões e apreensões de armas de uma quadrilha operada por um argentino, considerado o maior traficante de armas da América do Sul (há ainda mandados de prisão e de buscas em aberto) e que segundo o Instituto de Segurança Pública  até setembro de 2023, só no Rio de Janeiro, foram apreendidos 4.980 armas de fogo, sendo 478 fuzis.

O 17º Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2023, elaborado por uma equipe de pesquisadores, especialistas e técnicos e consultores (com 360 páginas) ao tratar do tema das armas , na parte intitulada  A herança de meia década de descontrole sobre armas de fogo no Brasil (2017-2022)  se refere ao descontrole na política de armas de fogo no Brasil a partir de 2017, mas que se intensificou  a partir de 2019.

Com a eleição de Bolsonaro e sua posse em janeiro de 2019, além da manutenção do chamado porte de trânsito dos CACs (Caçadores, atiradores desportivos e colecionadores), aprovado no governo de Michel Temer em 2017 (permissão para que fossem dos locais onde estavam seus acervos até clubes de tiro ou locais de caça com uma arma municiada e pronta para uso)   houve uma ampliação, com a autorização para que eles pudessem circular armados por quaisquer trajetos entre os locais de acervo e seus destinos e vice-versa.

O conjunto das medidas de Bolsonaro no governo foi coerente com sua trajetória. Ele sempre defendeu a liberalização de armas e colocou o tema em destaque na sua campanha e no seu governo. E ao longo dos quatro anos foram editadas dezenas de medidas com o objetivo de facilitar a aquisição de armas e munições, assim como o acesso a armas de calibres que até então eram restritos, modificando decretos sobre a classificação de calibres “para permitir que a população pudesse adquirir armas que eram de uso restrito a forças de segurança e militares, pistolas calibre 9mm e revólveres calibre 357 passaram a ser de fácil acesso, incluindo alguns modelos de fuzis”.

O discurso sobre a necessidade de armar a população sempre fez parte das iniciativas do governo, uma espécie de obsessão por armas, desde os gestos de arminhas com as mãos na campanha eleitoral ao n. do partido que ele pretendia criar, o 38 (calibre de um revólver).

E não por acaso, apenas 15 dias depois da posse, assinou um decreto que facilitava a posse de armas, entre outros aspectos, estendendo o prazo de validade do registro de armas de 5 para 10 anos. Foi apenas  a primeira das iniciativas  de facilitar e estimular compra de armas. 

Segundo o Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública de 2023 “Foram quatro anos de aumento no número de CAC, de armas em circulação, do número de clubes de tiro e de lojas de armas, além da quantidade de munições em circulação, enquanto isso o investimento em fiscalização e controle foi inexistente”. O que constatou foi “um crescimento vertiginoso do mercado de armas”.

O Anuário informa que o crescimento no número de armas de fogo em circulação não se deu apenas entre os CAC: “Em 2022, no Sinarm, da Polícia Federal (PF), havia 1,5 milhões de armas de fogo com registros ativos, com um crescimento de 4,6% em relação a 2021. Em 2017, esse número era de 637.972, o que significa um crescimento de 144,3% com relação a 2022”. (17º Anuário Brasileiro de Segurança Pública. São Paulo: Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2023. Disponível em: https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2023/07/anuario-2023.pdf. Acesso em 18 de dezembro de 2023).

Dados do Sinarm/PF de 2022, mostram que havia 1.532.803 armas de fogo com  registro expirado (armas cujos proprietários não cumpriram a determinação legal para renovação de suas licenças no prazo estipulado). E mais do que isso: não se sabia de seu paradeiro e nem houve qualquer tipo de fiscalização ou sanção até então.

Uma questão fundamental é: a quem cabe garantir a segurança da população? Facilitar o acesso às armas e armar a população resolve o problema da violência ou amplia? Qual o papel do Estado nesse sentido?

Facilitar o acesso a armas não garante a segurança e, ao contrário, pode gerar mais violência. Diversos estudos – e não apenas no Brasil - mostram que a maior difusão de armas de fogo só faz aumentar a insegurança, que armas dentro de casa em vez de propiciar segurança, aumentam as chances de homicídio, crimes passionais, feminicídios, suicídio ou acidentes fatais. E ainda podem ser furtadas ou roubadas, ajudando a alimentar o arsenal de criminosos, organizados ou não. Enfim, armas dentro de casa, por exemplo, é fator de maior risco do que de segurança.

E um dos objetivos do governo Bolsonaro era  não apenas ampliar o acesso às armas, como acabar com o Estatuto do Desarmamento,, uma lei  sancionada pelo presidente Lula em 2002 de controle de armas com o objetivo de reduzir a circulação de armas estabelecendo penas para crimes como o porte ilegal e o contrabando.

Uma das críticas ao Estatuto é de que contribui para “desarmar os homens de bem e deixar os bandidos armados”. Não é verdade. Objetiva impedir que criminosos ou inaptos mentalmente comprassem armas,  visa o controle das armas é na sua vigência é fato  que houve redução da taxa de crescimento nas mortes por armas de fogo. É que mostram os relatórios divulgados anualmente pelo Atlas da Violência do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

A primeira alteração do Estatuto do Desarmamento no governo Bolsonaro foi no dia 7 de maio de 2019, com um decreto sobre armas e munições. Entre as decisões concedia o porte de armas a mais 20 categorias profissionais (além das que já eram permitidas) e passou a incluir os detentores de mandato eletivo nos Poderes Executivos e Legislativos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (quando no exercício do mandato), advogados, Oficiais de Justiça, proprietários de estabelecimentos que comercializem armas etc.) além de aumentar de 50 para 5 mil o número de munições que o proprietário de arma de fogo poderia comprar anualmente.

Ao analisar os decretos presidenciais liberando posse e porte de armas para os civis Antonio Rangel Bandeira -  que foi instrutor de armas de fogo no Regimento Escola de Infantaria do Exército – afirma que eles foram um grave erro do governo “ no sentido inverso à pacificação social, uma aposta na conflagração geral, uma verdadeira marcha de insensatez”. (Armas para quê? São Paulo: Leya, 2019,p.357)

Thomas Victor Conti, professor do Insper, analisando relatórios de 48 pesquisas publicadas entre 2013 e outubro de 2017, revela que 90% dos estudos são contrários à tese Mais Armas, Menos Crimes: Das 10 revisões de literatura ou meta-análises publicadas em periódicos com revisão por pares entre 2012 e 2017, nove concluíram que a literatura empírica disponível é amplamente favorável à conclusão que a quantidade de armas tem efeito positivo sobre os homicídios, sobre a violência letal e sobre alguns outros tipos de crimes”.

Em uma carta aberta do ex-ministro da Defesa e da Segurança Pública, Raul Jungmann encaminhada ao STF, afirmava que os decretos de Bolsonaro sobre armas faziam parte de “um  nefasto processo” que poderia gerar um “iminente risco de gravíssima lesão ao sistema democrático” e que “ao longo da história, o armamento da população serviu a interesses de ditaduras, golpes de Estado, massacre e eliminação de raças e etnias, separatismos, genocídios e de ovo da serpente do fascismo italiano e do nazismo alemão”.

O governo Lula tem sido coerente com seu passado e não apenas em discursos de campanha em relação ar armas, com várias iniciativas para coibir sua liberação. Nesse sentido, cabe indagar como Antonio Rangel Bandeira no livro Armas, para quê? Queremos um povo armado e violento ou um povo desarmado e pacífico, protegido por um Estado Democrático? O governo, ao contrário do anterior, fez opção pelo segundo.

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