Fátima, essa mulher
Natal, RN 10 de mai 2024

Fátima, essa mulher

12 de dezembro de 2023
4min
Fátima, essa mulher
Fátima Bezerra toma posse como governadora do Rio Grande do Norte em 2019 / Foto: Eduardo Maia/ALRN

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Os alfas da direita e seus clones em outros extratos da sociedade potiguar são intolerantes a mulheres poderosas, mesmo quando integram seu campo ideológico ou partidário. A misoginia exibiu garras e dentes golpistas sempre que uma delas assumiu o Governo do Estado, rompendo assim as cercas do minifúndio historicamente reservado às mulheres na distribuição dos espaços de poder: as prefeituras e o Parlamento. Governar a terra de Poty-mais-macho era privilégio de varões gerados e nutridos nos mamilos do patriarcado.

A exclusividade acabou em 2002, quando Wilma de Faria massacrou nos dois turnos as forças multipartidárias mobilizadas pelos candidatos Fernando Freire e Fernando Bezerra (Governo), apadrinhados por José Agripino e Garibaldi Alves, que se reelegeram ao Senado. Apesar da surra de saias, os poderosos (qualificativo dos alfas usado com sucesso pelo marketing de Wilma) da hora não capitularam à vontade do povo e impetraram, em 2002 e 2006, ações pedindo a cassação do mandato dela por uso da máquina da Prefeitura de Natal, ocupada pelo aliado Carlos Eduardo Alves, e superfaturamento em um contrato da Secretaria Estadual de Educação e Cultura.

Para sacanear os perdedores chorões, o então prefeito de Parnamirim, Agnelo Alves, resgatou uma das melhores frases do ex-governador e jornalista fluminense Carlos Lacerda, notório pela inteligência e a língua ferina quando se tratava de alvejar adversários. Pouco antes da campanha presidencial de 1950, que propiciaria a volta de Getúlio Vargas (PTB) à Presidência da República pelo voto popular, o ex-comunista convertido ao udenismo disse que o então senador “não deve ser candidato à Presidência. Candidato, não deve ser eleito. Eleito, não deve tomar posse. Empossado, devemos recorrer à revolução para derrubá-lo.”  Sem tropa e sem povo, os derrotados não tiveram como recorrer ao quarto passo do breviário golpista de Lacerda, depois de fracassar nos três primeiros, segundo a verve agnelista.

A substituta de Wilma em 2010 foi a ex-prefeita de Mossoró, Rosalba Ciarlini (DEM), alvo de um golpe partidário que cassou seu direito natural de se recandidatar. Assombrado pelo desgaste da gestão, que chegaria a 2014 devendo ao funcionalismo e aos fornecedores, entre outras mazelas cumulativas, o senador José Agripino derrubou o direito da Rosa, aprovando em convenção o apoio do hoje União Brasil à candidatura de Henrique Alves, presidente da Câmara Federal, derrotado por Robinson Faria no segundo turno.

A vitória de Robinson impediu um fato inédito na política brasileira: seis mandatos femininos sucessivos no governo de um estado. Eleito com o apoio do PT, Faria sucumbiu em 2018 à falta de ideias e de resultados; à irresponsabilidade fiscal, acumulando até quatro folhas salariais e realizando saques irregulares no fundo previdenciário; à crise social da segurança pública, que deixou presídios e ruas da Região Metropolitana de Natal e de cidades do interior entregues à bandidagem; e ao colapso de outros serviços essenciais, como a saúde. Perdeu a eleição e a cadeira para Fátima, que se reelegeu em 2022 e agora paga o preço de ter contribuído para reduzir alfas da direita à condição de ex-alguma coisa.

Ela é tudo o que os ogros do conservadorismo abominam, até quando dizem o contrário: é mulher, de família pobre, parda, forasteira, gay, sindicalista e filiada a um partido de esquerda. Um perfil perfeito para açodar a misoginia, a aporofobia, o racismo, a xenofobia, a homofobia e o bolsonarismo – escrachados ou eufemizados pela demagogia – que estruturam a hegemonia rompida em 2018.

Igual a Wilma e Rosalba, Fátima convive com ações que pedem a cassação do seu mandato. E como a Justiça tem rejeitado esse terceiro turno no tapetão, os vencidos agora aplicam o último macete do breviário lacerdista: derrubá-la. Não pela revolução armada, porque não têm exército (ou povo) para tal, mas por meios institucionais consubstanciados no estrangulamento financeiro do governo, como fica claro nos debates e posturas oposicionistas sobre prorrogar a alíquota de 20% do ICMS, que expira em 31 de dezembro. O RN é o único estado nordestino – quiçá do país – a não ter majoração definitiva da alíquota para compensar perdas acarretadas por decisões eleitoreiras do governo Bolsonaro.

A rejeição não guarda nenhum senso de responsabilidade com a higidez fiscal, embora bolsonaristas na Assembleia Legislativa e na mídia se esfalfem para induzir tal percepção na sociedade, em contradição com tudo o que disseram e fizeram para defender a gula fiscal de outros governantes, com alíquotas muito maiores. O que há nas duas tropas, a dos políticos e a dos comunicadores, é apenas a obsessão por inviabilizar a gestão e fragilizar a liderança da professora.

O bombardeio é pesado e incessante. Seus efeitos são potencializados pelos erros de articulação e comunicação em que o governo reincide desde o primeiro mandato. No caso do ICMS, o contra-ataque (quando há) segue tom demasiado institucional, como se água de rosas pudesse algo contra lança-chamas. Deixa-se de mostrar à sociedade que a verdadeira motivação dos valentes está nas entrelinhas de tanta baboseira sobre ICMS despejada no plenário e na mídia alinhada: abater Fátima, antes que ela e outrem de perfis convergentes façam os alfas derrotados evoluírem de espécie em extinção para espécie extinta, substituídos pelas alfas.

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