Problemas de interesse comum requerem soluções integradas na RM Natal
Natal, RN 9 de mai 2024

Problemas de interesse comum requerem soluções integradas na RM Natal

25 de fevereiro de 2024
8min
Problemas de interesse comum requerem soluções integradas na RM Natal
Foto: Divulgação/Observatório das Metrópoles

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Por Maria do Livramento Clementino e Alexsandro Ferreira Cardoso da Silva*

O planejamento e a gestão de áreas metropolitanas é, entre outros, um desafio que exige esforços de coordenação e investimentos concentrados. Neste momento, várias cidades pelo mundo tentam estabelecer modelos de governança sustentáveis, prósperos e que estimulem a difícil relação entre crescimento e desenvolvimento. Não é uma tarefa fácil. No Brasil, desde 2015, temos um marco legal – a Lei Federal 13.089/15, chamado Estatuto da Metrópole que estabelece diretrizes para que municípios possam conduzir e executar funções públicas de interesse comum em Regiões Metropolitanas (RMs), ou seja, políticas que impactam mais de um município - saneamento, transporte, coleta de lixo, devem ser tratadas a partir de instrumentos integrados de planejamento e gestão. E desde então, como estamos? Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (no Projeto Governança Metropolitana), das 77 RMs existentes no Brasil (2022), apenas 25 iniciaram a elaboração dos seus Planos de Desenvolvimento Urbano Integrados. Mas, por que isso deveria ser uma prioridade à gestão urbana hoje? E para Natal, é importante insistir nessa pauta? 

Mesmo que a Região Metropolitana de Natal (RMNatal) tenha população bem menor que metrópoles como São Paulo, Rio de Janeiro ou Belo Horizonte, possui problemas e funções de interesse comum com os seus 15 municípios integrante. Destes, devemos ter uma preocupação redobrada com o conjunto de municípios que formam o “arco” da cidade metropolitana, ou área funcional da Grande Natal: Natal, Parnamirim, São Gonçalo do Amarante, Extremoz e Macaíba, concentradores da maior parte da população metropolitana cuja área urbana está, em parte, integrada. 

Entre nós, o não tratamento dos problemas metropolitanos agrava as desigualdades socioespaciais e fragiliza cada vez mais a rede urbana estadual, com poucas cidades médias e formada, em sua maioria, por pequenas cidades. As relações econômicas e funcionais entre a Grande Natal e o interior potiguar ocorrem sob forte liderança de Natal, devido ao peso de sua economia e pela concentração de serviços públicos, inclusive na geração de emprego e renda. Isso vem reforçando cada vez mais a oposição entre a cidade do Natal e a periferia metropolitana ao mesmo tempo que dificulta o desenvolvimento dos demais municípios interioranos. 

A ausência de um planejamento e uma gestão comprometidas com o desenvolvimento da região (e não apenas de um ou outro município) pode estar ligada à dificuldade de passarmos de um pensamento muito localizado para outro mais integrativo, que permita visualizar as soluções compartilhadas. As soluções pontuais (em contextos metropolitanos) são lentas, seletivas, com pouco foco nos grupos sociais mais vulneráveis ou desconectados da questão ambiental (saneamento básico, paisagem, qualidade de vida). Esses são problemas que demandam iniciativas conjuntas, coordenadas e participativas. No entanto, sua resolução permanece dependente de iniciativas isoladas sejam nas prefeituras ou dos burocratas de ocasião presentes nas secretarias dos governos estadual e municipais e que, infelizmente, não deram a devida atenção para a questão metropolitana.  

Na RMNatal, são notórias as dificuldades de cooperação e coordenação entre os níveis de governo, tanto no passado quanto no presente. A pactuação política ainda é vista com desconfiança pela maioria dos atores, pois tendem a ter custos políticos elevados, além de implicar a construção de consensos, para que ações e recursos se voltem simultaneamente a uma decisão compartilhada. Cooperar ou colaborar exige, entre outros, de que cada ator metropolitano se reconheça como parte da solução, mas também que entenda as causas dos problemas comuns. 

O caminho para o estabelecimento da boa governança à solução dos problemas de interesse comum, problemas metropolitanos, passam necessariamente pela clareza que possam ter os atores políticos - os prefeitos municipais e os vereadores - de três elementos chaves: 1) que na agenda do município cabe competências metropolitanas a serem compartilhadas (transporte e mobilidade, saneamento, resíduos sólidos, segurança pública, emprego e desenvolvimento econômico); 2) que o financiamento da política urbana e da infraestrutura requer parcerias e cooperação intergovernamental e com os setores privados; e; 3) que a participação cidadã na política urbana estabelecida no campo democrático como “direito à cidade” aconteça também na escala metropolitana. E não só no nível do bairro e do município. 

Por onde começar? O Estatuto da Metrópole prevê a existência de uma autoridade metropolitana, para operar na coordenação da prestação de serviços ou das funções de interesse comum; não é retirar poder dos municípios, mas estabelecer fluxos de decisões compartilhadas entre governo estadual e municipal. A “consciência metropolitana” pode gerar novos compromissos, levando os gestores a construírem projetos pela ação cooperativa, (e não só competitiva) baseados na confiança e na participação de todos no planejamento global e estratégico - e nos ganhos recíprocos. 

Na ausência de um “governo metropolitano”, a efetividades das ações de interesse público passam necessariamente pela colaboração entre os entes políticos. Ou seja, o diálogo deve ser permanente eivado de vontades colaborativas a partir do reconhecimento de que os problemas metropolitanos realmente existem e afetam o dia a dia do cidadão. Na Região Metropolitana de Natal já existem instrumentos que podem facilitar o diálogo, favorecer a cooperação intermunicipal e acionar os canais facilitadores à governança colaborativa e democrática, na perspectiva dos atores sociais, dos usuários, daqueles que consomem o dia a dia da metrópole. Porém, é preciso que esses instrumentos sejam de fato  acionados  no sentido de dar soluções integradas aos problemas metropolitanos.

Como exemplo, temos o Parlamento Comum da Região Metropolitana de Natal. Surgiu no início de 2001 um movimento político no âmbito legislativo municipal que tomou para si a tarefa de organizar as principais reivindicações dos municípios metropolitanos visando debater problemas comuns e encaminhá-los às instâncias competentes para resolvê-los. Trata-se de um órgão de negociação e discussão política de opções, e não de um órgão executivo, mas que precisa voltar a ser ativo e fazer valer a efetividade de suas decisões. É uma pauta que precisa ser adotada por aqueles que postulam um novo momento à RMNatal.

Propomos reativar o Parlamento Comum. Constitui um espaço de diálogo entre os atores políticos metropolitanos, os vereadores, que na sua opção política pelo Parlamento, são guiados pelos princípios federativos, pela autonomia municipal e pela independência harmônica das instituições políticas e jurídicas que exercem as funções e poderes outorgados pelo povo. Estabelecem o acordo de vontades com base em orientações jurídicas e políticas e apoiados pela democracia representativa adotada no país, pelas Constituições Federal, Estadual e Leis Orgânicas Municipais e na Lei complementar 152/97 do estado do Rio Grande do Norte, que criou a região metropolitana. Para tanto, a reativação do Parlamento Comum requer   uma revisão e atualização do “Tratado Metropolitano” que é uma espécie de Estatuto que deverá nortear as ações dessa instância política. De acordo com o Tratado, que deu origem ao Parlamento, o órgão é destituído de sede fixa e tem caráter eminentemente político, não se sobrepondo às casas legislativas dos municípios que a integram e função meramente sugestiva. Nesse sentido as decisões do Parlamento têm caráter apenas de recomendação ou sugestão, resguardando-se da possibilidade de choque de atribuições entre as Casas Legislativas. No entanto, mesmo que o Parlamento não substitua o papel de cada Câmara Municipal, deve tomar para si um novo papel: o de organizar a agenda metropolitana, e acompanhar e monitorar as ações públicas nesse território. 

Por se tratar de espaço exclusivo dos legislativos municipais abre-se caminho para o processo de inclusão da sociedade civil e da população no debate Metropolitano. Algo muito necessário e não simples de se realizar, dada a dificuldade de mobilização social, muitas vezes, referida como complexa. Enfim, caberia ao Parlamento Comum a tarefa de manter e alimentar o tema metropolitano na agenda governamental e de fazer   os debates metropolitanos perpassarem para outras esferas.  Esse seria o primeiro passo de uma longa caminhada. Transformar a RMNatal em uma região próspera, sustentável e integrada – com projetos articulados, pois uma prática de governança colaborativa e participativa exige a mudança de uma visão política, de base excessivamente localista, para uma escala regional, cooperativa, a partir de projetos de interesse comum. A mobilização das câmaras municipais pela reativação do Parlamento Comum, pode ser o espaço onde essa “conversa” pode ter seu início.  A ativação do Parlamento Comum, tem potencial para recolocar o debate metropolitano na agenda dos governos. Não é sonhar demais, são metas objetivas e previstas em Lei. E que por aqui estão bem atrasadas, afinal. 

Maria do Livramento Clementino é Professora Titular do Instituto de Políticas Públicas da UFRN e coordenadora do Observatório das Metrópoles- Núcleo RMNatal

Alexsandro Ferreira Cardoso da Silva é Professor do Instituto de Politicas Públicas da UFRN e vice-coordenador do Observatório das Metrópoles- Núcleo RMNatal

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