Uma eterna crise na cultura potiguar
Natal, RN 16 de mai 2024

Uma eterna crise na cultura potiguar

24 de fevereiro de 2024
5min
Uma eterna crise na cultura potiguar

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Por João Oliveira

Resultado de edital cultural, principalmente no Rio Grande do Norte, sempre causa um alvoroço. Muito possivelmente, porque temos poucos editais calendarizados no estado. Logo, um resultado de edital vira um evento de revoltas justas. Há uma demanda reprimida imensa em nossa cultura, o que evidencia uma conta que não fecha: muitos bons projetos para pouco investimento. Ou seja, uma alta qualidade e quantidade de projetos e iniciativas culturais e um baixíssimo investimento em cultura, tanto na esfera estadual quanto nas esferas municipais.

Nesse sentido, os agentes culturais potiguares são reféns dos editais provenientes de recursos federais e das leis do mecenato, como a Lei Djalma Maranhão, no caso de Natal, e o Programa Câmara Cascudo, no caso do RN. Ambas as leis do mecenato acumulam problemas: concentração de recursos em proponentes que quase sempre se repetem; falta de transparência sobre a aplicação desses recursos; e subserviência dos eventos e projetos culturais aos departamentos de marketing das empresas. Até então, contudo, essa lógica do mecenato permite que alguns projetos saiam do papel. Ou seja, mesmo com o problema estrutural oriundo desse modo de se fomentar a cultura, ele é o pouquíssimo que temos. Vale lembrar que no caso da cidade do Natal, o prefeito Álvaro Dias cortou pela metade o percentual da isenção fiscal da Lei Djalma Maranhão – sem a qualquer garantia de outras políticas culturais que a substituam ou outras fontes de financiamento.

Já no tocante à dependência dos recursos federais, não resta dúvida que são políticas públicas nacionais importantes para o desenvolvimento da nossa cultura a nível de Brasil, num processo de retomada com a volta do MINC. Todavia, por si só, essas políticas culturais federais não dão conta de resolver as faltas e problemáticas existentes nos estados e municípios. Para esses investimentos, como a Lei Paulo Gustavo e o Programa Nacional Aldir Blanc, funcionarem de fato eles precisam caminhar junto com políticas culturais estaduais e municipais. O último edital de fomento no RN, com recursos próprios do estado, foi em 2019.

No caso da gestão cultural estadual, há outros problemas latentes e estruturais advindos de um projeto de estado que não inclui a cultura como elemento central do desenvolvimento econômico e social. Sempre brinco com os amigos pernambucanos que os investimentos em cultura de lá coincidiram com o aparecimento dos tubarões nas praias recifenses. Talvez faltem tubarões em nossa orla para que as gestões entendam que a cultura de um território naturalmente lindo só potencializa o turismo, o desenvolvimento do estado, a geração de renda e identidade cultural.

É nessa falta de projeto para cultura inserido em um projeto de desenvolvimento para o estado que a atual gestão da Governadora Fátima Bezerra patina na pasta. Embora tenhamos, no último ano, visto alguns bons avanços na gestão cultural, como a criação da Secretaria Extraordinária de Cultura e uma mudança da direção da Fundação José Augusto, há uma carência estrutural na implementação do Sistema Estadual de Cultura, com a criação efetiva do Conselho Estadual de Políticas Culturais e funcionamento real do Fundo Estadual de Cultura. Sem resolver isso, não há como avançarmos enquanto sociedade rumo ao reposicionamento da cultura para o estado.

Soma-se a isso, no caso da aplicação da Lei Paulo Gustavo no RN, ao meu ver, falhas graves desde o princípio das “escutas” da lei, que mais pareciam aulas repetitivas, além da elaboração de um edital e linhas de fomento que pouco conversam com a realidade do setor cultural potiguar. Outro ponto é a aparente falta de articulação interna entre a Secretaria Extraordinária de Cultura recém criada e a própria Fundação José Augusto, que apesar dos seus problemas, possui um grande acúmulo técnico na aplicação da Lei Aldir Blanc, o qual parece não ter sido aproveitado na aplicação da Lei Paulo Gustavo.

Ou entendemos que gestão cultural se faz com esses acúmulos e com o diálogo político junto aos segmentos, na luta comum por investimentos e pela democratização dos recursos, ou não teremos êxito nos próximos capítulos dessa história. Que possamos aprender coletivamente com esses acúmulos, com as falhas e com as faltas para que, quem sabe um dia, possamos ter nossa cultura em sua potência máxima.

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