Abril Azul: como é viver com autismo no RN
Natal, RN 12 de mai 2024

Abril Azul: como é viver com autismo no RN

7 de abril de 2024
7min
Abril Azul: como é viver com autismo no RN
Dia Mundial da Conscientização ao Autismo é celebrado no dia 2 de Abril | Foto:: iStock

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O Abril Azul é o mês dedicado à conscientização sobre o autismo. Mas é no dia 2 que a data é comemorada mundialmente. O Dia Mundial da Conscientização sobre o Autismo, foi criado em 2007 pela Organização das Nações Unidas (ONU), tendo o objetivo de aumentar informações sobre essa condição do neurodesenvolvimento humano e também reduzir o preconceito que cerca as pessoas afetadas pelo Transtorno do Espectro Autista (TEA). 

Segundo a Sociedade Brasileira de Pediatria, o TEA é um transtorno de desenvolvimento neurológico, que se caracteriza pela dificuldade de comunicação ou interação social e também algumas outras características como comportamentos repetitivos, interesses restritos, problemas em lidar com estímulos sensoriais excessivos (som alto, cheiro forte, multidões), dificuldade de aprendizagem e adoção de rotinas muito específicas. Já de acordo com a Organização Mundial da Saúde, o autismo afeta uma em cada 100 crianças em todo o mundo. Mas ainda assim, o preconceito e os estigmas que cercam o TEA afetam brasileiros que vivem no Espectro diariamente. 

Joana Mercedes é advogada e jornalista e recebeu o diagnóstico de TEA depois de adulta. Na verdade, ainda criança, os médicos já desconfiavam dela devido ao seu jeito de andar. No entanto, por ter aprendido a falar, ler e escrever muito cedo, as desconfianças foram descartadas. Mercedes, está no nível 1 do Espectro, e por muito tempo achou que era apenas “diferente” das demais pessoas. 

“Sempre fui muito comunicativa e gostava de socializar com os mais velhos. Meus amigos de infância eram poucos. Eu lembro que sempre chegava em casa ‘surrada’ e meu pai perguntava o porque não ‘descontar a surra’ e eu sempre respondia: ‘não acho justo, pois vejo como uma covardia, pois sou maior que elas [outras meninas] e consequentemente tenho mais forças’. Além disso, eu tinha outras dificuldades de interesses e assuntos e bem como dificuldade de conversar mesmo.”, lembrou. “Antigamente, o autismo era bem estereotipado. Então, se você falasse ou se comunicasse bem, logo esse diagnóstico seria descartado. Entretanto, sempre tive dificuldade com a sociabilidade, os meus amigos sempre foram os de sempre.”, completa. 

Joana Mercedes é jornalista e advogada e recebeu seu diagnóstico de TEA depois de adulta | Foto: cedida

Na adolescência, Joana era mais sociável e foi só quando entrou nas aulas de teatro que conseguiu socializar mais com as pessoas. Além das artes cênicas, a jornalista sempre gostou de música e hoje toca violino e faz aulas de piano. “Entrei na faculdade muito cedo. Com 16 anos eu já estava cursando ciências biológicas, curso que não terminei. Depois tranquei, pois sempre fui de humanas. Fui cursar direito, terminei e tirei a Carteira de Ordem. Mais na frente fui fazer jornalismo, feito recentemente, pois sempre carrego comigo, a ilusão ou não, que minha felicidade profissional estaria na escrita.”, relembra Joana. 

Durante sua vida, Joana sempre foi considerada esquisita, limitada e se sentia excluída em diversas situações. Na realidade, ela só tinha uma rotina diferente das demais pessoas, mas os estigmas e preconceitos que cercam o autismo impactavam a sua vida. A advogada gosta de rotinas e dificilmente foge delas. Ouvir música, ler, acordar cedo e escrever poesias são só alguns dos hobbies da jornalista que também é budista. 

“O diagnóstico veio após meu divorcio. A pessoa com quem eu me relacionei depois disse que não teria como se relacionar com alguém tão ‘limitada’”, comentou Joana lembrando que esse foi um dos preconceitos mais notáveis que enfrentou. “Então, só aos 30 anos fui atrás do que poderia se passar comigo. Porém, eu não encontrei em Natal muitos profissionais que conseguissem me ajudar na época e fui à Recife/PE compreender o que se passava comigo”. , completou. 

Depois do diagnóstico, Joana aprendeu e entendeu como os Espectros e os níveis de suporte e até a razão para algumas “manias” que ela possuía durante toda sua vida e que era considerada “esquisita” para as demais pessoas. “Posso dizer que hoje aprendi a regular meu humor, mesmo tendo dificuldades e sendo retratada como misteriosa e intensa por pessoas que preferem ficar no julgamento ou mesmo na pretensão de achar o que penso e faço no mundo.”, pontua. 

Hoje, Joana vive tranquilamente, faz tratamentos e leva uma vida comum. Embora os preconceitos ainda a cerquem, a potiguar consegue driblá-los em certos momentos. “O preconceito, também, existe quando nos invalidam, quando não respeitam a nossa subjetividade e modo de se apresentar no mundo, independente das estereotipias que possamos carregar ou não. A discriminação, também, ocorre quando invalidam o nosso diagnóstico e dizem que não parecemos autistas ou não temos esse e tal espectro.”, desabafa. 

Mercedes também falou da importância das cotas para autistas. “No começo eu pensava que as cotas para autistas de suporte 1, não eram necessárias, pois acredito que o hiperfoco nos ajuda de certo modo, porém, não temos hiperfoco em todas as disciplinas, coisas e atividades. Ademais, esta não é a nossa maior dificuldade, pois a nossa maior dificuldade é a sociabilidade, ao menos a minha. Quando somos muitos, essa quantidade não pode se resumir a uma única voz ou padrões preestabelecidos. Todavia, imagino que é importante as cotas para todos os suportes, pois é necessário que as pessoas entendam um pouco mais que existem pessoas autistas e que somos muitos e temos muitos modos de nos colocarmos nesse mundo. Não há apenas uma maneira de ser autista.”, relata

Direitos 

O TEA pode se manifestar em três níveis diferentes, que são definidos pelo grau de suporte que a pessoa necessita. O nível 1 (suporte leve); nível 2 (suporte moderado) e nível 3 (suporte elevado). Atualmente no Brasil, já existe uma Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, que é conhecida como a Lei Berenice Piana.

A lei foi criada em 2012 e garante aos autistas o diagnóstico precoce, o direito a tratamento, as terapias e os medicamentos pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Além disso, a lei assegura o acesso à educação, à proteção social e o direito ao trabalho. Outro fator importante é que, essa política nacional, considera o autista Pessoa com Deficiência para todos os efeitos legais. Também vale mencionar que, em 2020, a Lei Romeo Mion, criou a Carteira de Identificação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (Ciptea). 

A carteira pode ser emitida gratuitamente por estados e municípios e é uma resposta à impossibilidade de identificar o autismo visualmente. Isso facilita a ele, o acesso a atendimentos prioritários e a serviços a que a pessoa que vive no Espectro tem direito, como estacionar em uma vaga para pessoas com deficiência, por exemplo. A pessoa com TEA também tem direito a receber um salário mínimo (R$ 1.412) por mês, por causa do Benefício de Prestação Continuada (BPC), caso seja incapaz de se manter sozinha e a renda per capita da família for inferior a um quarto do salário mínimo, que equivale a R$ 353. 

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