Sociedade secreta do tênis de mesa
Natal, RN 26 de abr 2024

Sociedade secreta do tênis de mesa

8 de janeiro de 2019
Sociedade secreta do tênis de mesa

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No coração de Brasília, bem debaixo de uma oficina mecânica no final da Asa Sul, batem (e sonham) os pulsos fortes de mais de 200 atletas, dos 4 aos 80 anos, apaixonados pela brincadeira que há muito tempo virou coisa séria: o ping...ops, perdão...o tênis de mesa.

Unidos pelo vício que os transforma em uma família, quase todos os dias da semana, ali, dão ritmo e ânimo à vida de quem faz parte dessa sociedade secreta. Minha filha, Marina, é uma dessas pessoas.. Ela me diz que o tênis de mesa é o seu ponto de paz. Que pode estar muito triste ou angustiada, sentimentos próprios da adolescência, mas encontra ali uma força pra superar qualquer obstáculo.

A paixão é antiga. Começou aos 11 anos, ainda em Natal. Um professor muito dedicado a converteu para essa "religião", que ensina muito mais do que rebater ou sacar bolas com uma raquete de madeira, revestida de borracha, de um canto pro outro da mesa, vencendo a rede e desafiando os reflexos e sua coordenação motora.

No início, quando perguntavam que esporte ela fazia, ninguém acreditava que era tênis de mesa. "Pela sua altura, pensei que era basquete, vôlei", comentavam. Talvez esse pouco caso que o resto do mundo faz do tênis de mesa, é que esse esporte olímpico cresceu dentro dela, como um desafio de torná-lo mais forte. A verdade é que devo a esse subestimado esporte boa parte da formação do caráter dela.

Já quis largar, quando começou mesmo a competir, e a perder. Eu disse, de pronto, que tudo bem, podia largar, no mesmo dia em que me pediu. Na mesma hora, chorou de novo pedindo para não tirá-la do tênis de mesa. Entendi que era apenas mais um drama pré-adolescente e pedi pra ela escolher qual drama era melhor: insistir em largar o tênis de mesa, ou insistir em continuar. Ela foi se acalmando e nunca mais pediu pra sair.

As melhores lições são nos instantes em que nada do que a gente quer sai como gostaríamos. Afinal, perder faz parte da vida e acontece também nessa sociedade secreta. Mas até mesmo para perder, é preciso honra, dignidade, coragem, caráter. Saber que tentou de tudo e deu o melhor possível conforta o coração de quem está ali com o objetivo de aprender, simplesmente.

E assim, perder vai ensinando qualquer coisa que não pode ser perdida, que precisa estar ali a cada partida, lembrando ao atleta do que não se deve fazer. Porque aprender a viver é ter dias bons e dias ruins, entender suas fraquezas e seus pontos fortes, para explorar seu potencial e melhorar o que imagina impossível de ser feito. E que, de repente, quando menos espera, você consegue fazer, e percebe que ir além é só uma questão de acreditar em si.

E não, eu não jogo nem entendo bulhufas. Sou apenas uma espiã infiltrada que incentiva, torce, e sofre, a cada campeonato. Mas sim, todos insistem que eu deveria me render ao jogo, ou melhor, a esse esporte. Argumento que não tenho nenhuma coordenação motora. Me dizem que por isso mesmo é que eu deveria seguir a seita. Eu insisto que se melhorar minha coordenação motora, perderei todo o meu charme, conquistado com anos de nenhuma prática.

Mesmo assim, sinto que faço parte também dessa sociedade secreta. Não apenas porque sei que ela existe, o que muita gente não faz ideia em Brasília. Mas porque sigo, apoio, admiro, vivo e respiro esse sonho da minha menina, que ganha ainda mais sentido e vida nesse espaço de paz, escondido embaixo de uma oficina mecânica no final da Asa Sul, na capital do país...

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