“Art 138 - Incumbe à União, aos Estados e aos Municípios, nos termos das leis respectivas:
- b) estimular a educação eugênica;“
Este, caro leitor e cara leitora, é o trecho de uma Constituição Federal desta bendita nação. E nem tão antiga assim. É a Constituição de 1934, que durou apenas três anos. Mas aí, com toda razão, você me pergunta: o que danado é “educação eugênica”?
A educação eugênica é filha da eugenia, a face mais visível, e ao mesmo tempo completamente varrida para debaixo do tapete, do projeto racista, de exclusão e extermínio do povo preto, a “teoria científica” que dividia a sociedade brasileira em “degenerados” e “sadios” e prometia branquear toda a sociedade em três gerações. Em suma, a eugenia é um dos pilares do sistema racista que encaramos hoje.
Em grego, eugenia significa algo como “bem-nascido” e surgiu como “teoria científica” na Europa, durante o século XIX, com a premissa de que deveria existir um controle social para “melhorar as futuras gerações”, o que significa: todos deveriam ser brancos, loiros, olhos claros, etc. E as formas de controle seriam as mais diversas possíveis, da miscigenação para “branqueamento” até o extermínio, passando pela esterilização e controle matrimonial.
O leitor já é esperto o bastante para saber a que e a quem serviu esse ideal, nos dois lados do Atlântico. Pois é, como sempre terminou sobrando para judeus e pretos, em suma. Nada melhor do que uma suposta teoria científica para cometer um genocídio, não é mesmo?
O Brasil foi a primeira nação da América Latina a ter um grupo destinado a discutir, desenvolver e difundir a eugenia. Era a Sociedade Eugênica de São Paulo, fundada em 1918. O movimento teve como um dos seus membros mais ativos, veja só você, o escritor Monteiro Lobato, o pai do Sítio do Pica-Pau Amarelo. As discussões foram crescendo nas primeiras décadas daquele século, envolvendo acadêmicos, gente da alta sociedade, e terminaram na criação da Comissão Central Brasileira de Eugenia, que auxiliou o Governo Federal e influenciou na colocação da eugenia na Constituição.
Essa turma toda de gente bem nascida, gente de bem, intelectuais cheirosos e bem vestidos tinham como objetivo exterminar o povo preto (mudou muita coisa?). E um dos pilares, o mais sutil, era pela educação, que é onde entra a citação inicial retirada da Constituição de 1934.
O projeto de educação eugenista amparava-se no ideal dos “bons costumes” com o objetivo de criar uma “raça nobre”, sem nenhum traço de gente preta. As pessoas brancas não deviam sequer chegar a casarem-se com quem não tivesse a mesma cor de pele. Tudo isso promovido e ensino pelo Estado, através do recém-criado Ministério da Educação, instituído por Getúlio Vargas em 1930.
Por três séculos o preto não era gente neste Brasil. Dada a abolição, o que a elite tentou fazer ao deparar-se com toda aquela massa populacional que em maio de 1888 “perdeu” a qualificação de bem material? Reduzir o preto a uma categoria abaixo do cidadão, que deveria ser exterminada do convívio social. Alguma semelhança com os dias de hoje, meu caro leitor e minha cara leitora?
E para ajudar no processo de extermínio do preto da sociedade, o Estado brasileiro decide abrir as portas para a imigração dos brancos europeus. Mas isso é assunto para a próxima coluna. Até semana que vem!