José Bonifácio de Andrada e Silva, o Ecologista do Império
Natal, RN 16 de mai 2024

José Bonifácio de Andrada e Silva, o Ecologista do Império

29 de abril de 2024
7min
José Bonifácio de Andrada e Silva, o Ecologista do Império

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Ele foi um pioneiro. Filho do Iluminismo, acreditava no progresso por meio da ciência. Viveu 36 anos na Europa, falava e escrevia em seis idiomas e lia em onze. Um erudito, ávido leitor de estudos das diferentes áreas do pensamento.

Foi membro das principais academias de ciências do planeta, mas acabou mais conhecido na história do Brasil como o “Patriarca da Independência”. Defendeu a reversão das terras não cultivadas à Coroa. Pediu reflorestamento obrigatório e preservação de um sexto das matas originais de toda propriedade.

Se vivesse hoje, o naturalista e político José Bonifácio de Andrada e Silva (1763-1838), provavelmente ficaria abalado com as enormes e constantes queimadas na Amazônia, no Cerrado e no Pantanal. Dois séculos antes das imagens da vegetação em chamas e animais carbonizados que correm o mundo, o Patriarca da Independência já manifestava indignação contra a degradação ambiental inaugurada no Brasil Colônia, baseada no extrativismo predatório.

“Destruir matos virgens, como até agora se tem praticado no Brasil, é extravagância insofrível, crime horrendo e grande insulto feito à natureza”, escreveu em 1821, um ano antes de participar do movimento da Independência, ao lado de dom Pedro I.

O texto, de 1821, um ano antes da Independência do Brasil, mostra que a preocupação com a destruição de florestas no território nacional é mais antiga do que o próprio Estado brasileiro.

Uma de suas marcas, segundo biógrafos e historiadores, foi estender sua visão além da exploração econômica e contemplar o progresso social dentro de um projeto de desenvolvimento.

Aí também desponta a faceta hoje vista como de protoecologista. Defende em escritos, o plantio de novos bosques em Portugal como parte do que hoje poderia ser entendido como sustentabilidade.

"José Bonifácio era um cientista com a preocupação de dar aplicação prática a seus conhecimentos científicos. Ainda em Portugal, esteve a cargo de administração e conservação de bosques e escreveu a respeito. Foi sem dúvida um pioneiro na preocupação com o que hoje se chama ecologia", diz o historiador e membro da Academia Brasileira de Letras José Murilo de Carvalho. "Autoritário e defensor da ecologia, se hoje vivesse, estaria pondo na cadeia os responsáveis pelos crimes ecológicos", complementa.

Embora não possa ser considerado um ambientalista no sentido moderno, José Bonifácio contribuiu para a introdução de temas ecológicos no país, embalados por uma preocupação ambiental que permanece atual. “Ele fazia parte de um grupo de intelectuais que, na virada do século XVIII para o XIX, passou a criticar a exploração descuidada dos recursos naturais”, explica o historiador José Augusto Pádua, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), pesquisador do tema. José Bonifácio estudou leis e filosofia natural na Universidade de Coimbra.

“Ele teve contato direto com o processo de construção do conhecimento ilustrado sobre o que chamavam de ‘sistema da natureza’. De volta ao Brasil, Bonifácio amadureceu a ideia de que o progresso econômico não poderia depender da destruição das florestas”, conta Pádua. “Na época, começou-se a teorizar que a perda das florestas acabaria por prejudicar a produção rural, porque diminuiria as chuvas, degradaria os solos e, no limite, provocaria desertificação”, ressalva o pesquisador. As preocupações que atravessavam José Bonifácio, portanto, referiam-se ao uso mais eficaz e racional da natureza para garantir o melhoramento da economia – uma ideia hoje associada ao conceito de desenvolvimento sustentável.

Nasceu em 1763, em Santos, filho de família rica. Seu pai era importante funcionário da Coroa portuguesa. Estudou em São Paulo e no Rio de Janeiro. Com 20 anos, foi cursar Direito, Filosofia, e Ciências Naturais na Universidade de Coimbra. Poucos anos depois, em 1789, entrou para a Academia de Ciências de Lisboa.

Um de seus professores em Portugal foi o italiano Domênico Vandelli, especialista em História Natural e Botânica, que exerceu forte influência sobre o estudante brasileiro, o qual se tornou pesquisador naturalista, mineralogista e professor em Portugal durante muitos anos, além de exercer cargos públicos no governo português. Entre eles, a direção dos bosques nacionais.

No ano seguinte, foi mandado para estudar na França e Alemanha, onde se dedicou à mineralogia e silvicultura. Foi o primeiro cientista brasileiro a fazer pós-graduação no exterior. Depois de 36 anos na Europa, voltou ao Brasil em 1819, aos 56 anos, pensando em se aposentar.

Na Alemanha, conheceu as melhores cabeças da época, como Humboldt, curiosamente também conhecido como o primeiro ambientalista, e teve aulas com ninguém menos que Kant. Visitou as minas da Boêmia e fez pesquisas na Dinamarca e Suécia.

Mas, no retorno, em vez do ócio abraçou a política. Foi Ministro do Reino e dos Negócios Estrangeiros, entre 1822 e 1823. Teve papel decisivo na Independência do Brasil. Acabou brigando com o Imperador, que o demitiu. Banido, exilou-se na França durante seis anos. E deu a volta por cima outra vez.

Voltou ao Brasil, reconciliou-se com o Imperador e acabou como tutor de seu filho, Pedro II, até 1833, quando foi novamente demitido, dessa vez pelo governo da Regência. Em 6 de abril de 1838, morreu em casa, na Ilha de Paquetá, Rio de Janeiro.

"Ele explicava com detalhes sobre a importância de preservar os bosques do Reino. Isso não era nada comum nos tempos dele", explica o historiador Jorge Caldeira, organizador da biografia José Bonifácio de Andrada e Silva, da Coleção Formadores do Brasil. "Era um ecologista prático, bastante apurado para os dias de hoje. Tanto é que seu primeiro trabalho científico foi em defesa da preservação das baleias", completa Caldeira.

O texto citado por Caldeira foi publicado por José Bonifácio em 1790. Trata-se do “Memória sobre a pesca da baleia e a extração do seu azeite”, publicado pela Academia das Ciências de Lisboa. No texto, o político e estudioso alertava para o pouco retorno econômico da atividade de caça à baleia para extração do óleo, frente ao poder destrutivo do meio ambiente e a consequente redução do número de baleias na costa brasileira.

Um ano depois de voltar ao Brasil, em 1820, fez uma viagem com um de seus irmãos, Martim Francisco, pelo sertão paulista, local de origem da Mata Atlântica. O que era para ser uma viagem mineralógica deixou profunda impressão. Lamentou o “miserável estado em que se acham os rios Tietê e Tamanduateí, sem margens nem leitos fixos, sangrados em toda parte por sarjetas que formam lagos que inundam essa bela planície”. E, nos arredores de Itu, observa que “todas as antigas matas foram barbaramente destruídas com fogo e machado”.

“Apreciador das matas e madeiras brasileiras, alinhava-se com estudiosos que, desde a fundação dos primeiros jardins botânicos no século 18, valorizavam o plantio de espécies raras", explica a historiadora Mary Del Priore, autora do livro “As Vidas de José Bonifácio” (Estação Brasil), que retrata a vida do Patriarca da Independência. "Ele era também favorável à inserção de índios e negros na sociedade depois de 'civilizados'", completa a historiadora.

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