Pandemia dificulta acesso de população trans a tratamentos hormonais no RN
Natal, RN 15 de mai 2024

Pandemia dificulta acesso de população trans a tratamentos hormonais no RN

8 de maio de 2020
Pandemia dificulta acesso de população trans a tratamentos hormonais no RN

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"Meu corpo está estressado, sente falta do estrogênio, já estou desde janeiro sem tomar o hormônio". A angústia vem da professora Rebecka de França, de 35 anos, que desde os 17 faz tratamento hormonal para transsexualização por conta própria e começou a ser atendida pelo Ambulatório de Saúde Integral de Transexuais e Travestis do Rio Grande do Norte. O tratamento dela, que iria começar a acontecer com acompanhamento médico, foi interrompido em razão da pandemia do novo Coronavírus, já que o ambulatório funciona no hospital Giselda Trigueiro, uma das principais referências no atendimento a pacientes de Covid-19 no Estado.

O ambulatório teve suas atividades paralisadas e, de acordo com a subsecretária de Diversidade Sexual do Governo do Estado, Janaína Lima, o funcionamento da unidade tinha a possibilidade de ser transferido para o Instituto de Medicina Tropical na UFRN, o que não aconteceu ainda.

"O serviço clínico com a equipe do ambulatório está suspenso já que o Giselda tem esse fluxo de pacientes da Covid e outros ambulatórios também tiveram seus serviços suspensos. Já internações e atendimentos urgentes seguem funcionando. O processo de transferência para o IMT foi quebrado pela pandemia e precisamos esperar isso passar para continuar, até porque todos os serviços de saúde precisaram se reorganizar para dar conta das demandas do coronavírus, principalmente no Giselda, onde mudaram os esquemas de atendimento", explica a subsecretária.

Ainda de acordo com Janaína, mesmo com as consultas suspensas, ainda é possível pegar receitas com profissionais.

"Tanto homens quanto mulheres trans podem retirar suas receitas para comprar sua medicação para não paralisar o tratamento. Os atendimentos clínicos estão suspensos até que a gente passe por essa pandemia", explica.

O ambulatório especializado em saúde trans vinha sendo reivindicado pelos movimentos LGBTQI+ locais desde 2013 e foi inaugurado no final de janeiro deste ano.

Mesmo com a disponibilização das receitas, muitos pacientes transsexuais têm hoje a dificuldade de dar andamento ao tratamento hormonal, seja por não terem conseguido ter acesso a exames, seja pela vulnerabilidade inerente à crise do novo Coronavírus. Rebecka, por exemplo, começou seu atendimento clínico, foram passados exames para checar a saúde dela antes de iniciar a medicação e o processo, então, estagnou.

"Não consegui fazer esses exames porque estavam atendendo apenas casos de maior necessidade, mas a gente se pergunta 'será que a população trans não tem necessidade, nosso tratamento não é essencial?' Não fui encaminhada ainda para receber a receita e fazer o  tratamento por isso, além do mais, também temos medo de ir até o Giselda, pelo risco de contaminação do local. Entendo que é importante a gente esperar um pouco para voltar a ser atendido, mas também é muito difícil ficar sem tratamento", relata Rebecka.

Rebecka de França é geógrafa formada pelo IFRN e mestranda em ensino de geografia. Foto: Reprodução/Facebook Atransparência.

Os tratamentos transexualizadores podem ser ambulatoriais, com atendimento clínico e consultas para uso de hormônio, ou hospitalares, com as intervenções cirúrgicas transexualizadoras.

Uma situação semelhante é vivenciada por Anderson Kaique, de 26 anos. Antes da pandemia começar, ainda em 2019, ele tinha acompanhamento em uma Unidade Básica de Saúde, em que teve acesso a exames e receita para os hormônios. Em fevereiro, foi à primeira consulta no ambulatório voltado para trans e travestis, teve acesso aos profissionais, inclusive a ginecologista, especialidade que nunca havia visitado antes.

"A gente arrisca nossas vidas fazendo um tratamento por conta própria e é muito importante que exista um espaço como o ambulatório, porém, depois que foi decretada a pandemia eu não consegui fazer os exames necessários e não sei como será daqui pra frente, estou sem receita para continuar o tratamento que fazia antes e até sem condições financeiras mesmo que estivesse sendo atendido, pois trabalhava em um bar que fechou por causa das restrições de isolamento", conta Anderson.

Outra realidade é vivenciada pela psicóloga Emilly Mel Fernandes, que faz a hormonioterapia no Centro de Saúde Anita Garibaldi, em Macaíba. Por ter dado início ao acompanhamento do seu tratamento ainda em dezembro de 2019, Emilly conseguiu começar e tem dado andamento à hormonização mesmo durante a pandemia.

"Antes de tudo isso, eu conheci a médica que me acompanha hoje e ela me deu toda a assistência. Quando a situação começou a se agravar eu passei a ter os atendimentos marcados de dois em dois meses, para evitar a exposição indo até o hospital. Mesmo assim, continuo tendo acesso às receitas e consegui comprar a medicação para os próximos meses. Não tive tratamento hormonal por oito anos, fazia por conta própria e ter esse acompanhamento, fazer o tratamento direitinho, era um dos meus maiores sonhos, que hoje está sendo real", disse Mel.

Emilly Mel é mestra em Psicologia pela UFRN e, na academia, tem trabalhos voltados para as questões de gênero. Foto: reprodução/Instagram

Tratamento gratuito pelo SUS é garantido aos pacientes transexuais desde 2013

Todos os procedimentos vigentes para a população trans no SUS são fruto da portaria 2.803/2013. O documento define as diretrizes para acesso no sistema e busca garantir a integralidade dos processos. Foi a partir deste documento que o SUS ampliou os procedimentos. Desde 2014, foram disponibilizados os dados de terapia hormonal e procedimentos cirúrgicos, com números mais específicos.

De acordo com dados do DataSus, do Ministério da Saúde, apenas em janeiro de 2020 o SUS realizou 307 procedimentos ambulatoriais de processos transexualizadores. Somando nos meses de janeiro e fevereiro, os atendimentos hospitalares foram 24. Nenhum desses aconteceu no Rio Grande do Norte, que ainda não possui o serviço no sistema de saúde.

Em todo o ano de 2019, esses números foram de 13.255 e 88, respectivamente. Números parciais sugeriam um aumento de cirurgias do processo transexualizador no SUS, até a chegada da pandemia.

No Nordeste, os procedimentos voltados para a população trans estão concentrados em Pernambuco, entre estes terapia hormonal, cirurgias de redesignação de sexo, mastectomia e plástica mamária.

Implantes de próteses mamárias em mulheres trans, por exemplo, já haviam sido realizados mais vezes (12 procedimentos) nos dois primeiros meses de 2020 do que em todo o ano de 2019 (11 procedimentos).

Vulnerabilidade 

Além da dificuldade encontrada por muitas pessoas transexuais e travestis no quesito atendimentos clínicos, a vulnerabilidade sócio econômica também está presente não apenas no contexto de pandemia.

No caso da população trans e travesti, a situação de crise que tem feito milhares de brasileiros ficarem sem renda, se agrava para um público que é excluído do mercado de trabalho formal e não tem acesso à grande parte das políticas de assistência social. No RN, o movimento Atransparência deu início a um cadastro virtual para mapeamento de pessoas em vulnerabilidade a fim de arrecadar e repassar doações.

Das 50 pessoas que responderam o formulário, 26 são travestis, 22 são transexuais e 2 se identificaram como pessoa não binária, com idades de 18 a 64 anos. Entre as profissões apontadas pelo levantamento, 20% tem a prostituição como fonte de renda. Cabeleireiros, diaristas, trabalhadores autônomos e estudantes também preencheram o cadastro.

Alimentos, materiais de higiene pessoal ou doações em dinheiro podem ser entregues.

Veja onde deixar as doações::

Atransparência RN

: Av. Bernardo Vieira, 1487, Alecrim/Natal

Atrevida RN

Rua Manoel Vitorino, 950 B, Alecrim/Natal ou Rua Nova Jerusalém, 26, El Shaday/Extremoz

Dados bancários - Banco do Brasil
Agência: 2847-6
Conta: 224979-0
Contato: 84 98861-1763 - Rebecka de França

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