Eu te odeio, manga?
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Eu te odeio, manga?

24 de abril de 2021
Eu te odeio, manga?

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Fico me perguntando durante quanto tempo eu neguei a manga. Como eu te odiei, manga. Você com seus fiapos e mil tons de cheiros almiscarados, não me faziam te ver geniais. Passei a vida inteira te vendo ser devorada e escancarando em fluidos escorridos em cantos de bocas o desejo de quem te consumia.

Quantos sucos grossos eu neguei, mesmo com sede, ao ouvir o seu nome ser pronunciado pela boca daqueles que já sabiam de meu ranço por você, falavam “hoje tem suco de manga”, como se quisessem me provocar com olhares capciosos de quem quer ver a ânsia alheia, nesse caso, a minha ânsia.

Faz horas, dias ou meses que escrevi sobre os meus sonhos e angústias alimentares da última vez em que estive aqui? Sempre os tenho, só que me perdi em algum momento, entre pensamentos, trabalhos, travamentos, fechamentos de ciclos ou reflexões.

Achei que poderia viajar fisicamente para instaurar novamente meu ímpeto da escrita, mas a pandemia não deixa, ela me testa e me põe na berlinda de segunda a sábado às 20h30 com Alan Severiano na tevê. Qual das pandemias? Não sei. Minto. Sei. Mas prefiro continuar fingindo que não sei. Pensar demais sobre os motivos preside(existe)nciais tem me causado mais ódio do que resiliência.

Algum podcast me fala ao pé do ouvido que é normal se sentir assim em tempos como esse em que vivemos. A frase anterior em si já demonstra o nível que chegamos ao tentar sintetizar em palavras ou teorias um sentimento posto dos fatos, dos “ tempos em que vivemos”, dos tempos que causamos, dos tempos que escancaram a nossa maior fragilidade - que somos nós mesmos. Bradamos o “vai passar” a quanto tempo já? Não sei. Minto. Sei. Mas não quero pensar sobre isso.

Bidú foi embora e levou a televisão, Bruna me sugere pirarmos em comprar livros, e assim o faço. Me fecho um pouco, mas o faço. Livros, livros, livros. Primeiro, crônicas de cozinha e depois passo para a subjetividade da alimentação. Mas fiquemos por ora no primeiro tema. Anthony Bordain e Nina Horta me chamam para uma dança, quase igual à Dança de Estrasburgo, pois os consumi à exaustão.

E em dado momento, no meio dessa leitura quase obcecada, percebo quantas vezes ambos falam da manga. Ele, yanke, fala com certo exotismo. Ela, de uma brasilidade social muito definida, as recorda como sendo o sabor da infância. E eu me lembro com uma onomatopeia “Argh! ” que eu odeio manga.

Apesar de serem, em seus mais de cem tipos, indianas, filipinas e paquistanesas, centenas de milhares de toneladas são produzidas no Brasil para comercialização, chegou por aqui junto com as caravelas, porém é quase um consenso nacional. Mata fome de gente nos canteiros urbanos do Brasil adentro e afora.

Doce, gelada ou quente, é farta e tem cor de sol. Manga com leite no tempo da escravidão matava, hoje não mais. Manga quente causa dor na garganta, manga verde com sal causa reviramento de olhos e corta a boca de crianças peraltas, cada vez mais escassas, como as fileiras de mangueiras nas cidades, para não “sujar” preferem plantar Fícus ou Nin Indiano, ao invés das mangueiras indianas.

Causam um furor geral, mas daí me pergunto ou me perguntam “ Por que diabos você/eu não gosta(o) de manga?”, sinceramente eu não sei e o mais perturbador nisso tudo é que eu gosto, um dia não gostei, mas ao longo dos anos fui gostando e tive medo(?), vergonha (?) de voltar e admitir que gosto de manga depois de tantos anos a negando.

Gosto de mangás japoneses? Gosto. Gosto de blusa com mangas? Gosto. Gosto de mangar (rir)? Há quem não? Então de ondem vem a minha negação a manga? Não sei, e dessa vez não sei mesmo. Mas quero te pedir desculpas, manga.

Por que na verdade eu te amo, gosto de você sim, gosto de seu formato, gosto dos seus cheiros, gosto da viscosidade, amo seus doces, seus molhos, amo seus pokes, seus sushis, suas caldas para porco, e acima de tudo, te amo in natura com um pedaço de peixe frito. Me desculpa, manga, de verdade, te neguei como Pedro fizera com jesus e me arrependo como ele, acredite.

Sentimento perigoso esse de se negar prazeres e coisas que você sabe que gosta, mas não vai e não faz para não ter o ridículo desprazer de se contrariar.

Viver (engraçado, falo como se soubesse) é aceitar que não podemos ser altruístas sempre, que sentir ódio de vez em quando é normal, que você pode odiar não ter virado jacaré ainda, que você pode odiar a situação em que vivemos e quem a causou, alguns ódios nos tornam humanos, outros, como o meu, ódio a ideia da manga e não “a” manga, nos tornam tolos.

Segue uma receitinha que tirei do e-book “Receitas da Cesta Básica”, ajudei em sua elaboração, junto de Juliana e Carol, a convite de Mineiro e produzido pelo Governo do Estado.

Você vai precisar de: 4 unidades de polpa de manga, 1 punhado de folhas de hortelã, 1 lata de creme de leite, ½ lata de leite condensado, Castanhas de caju trituradas (opcional)

Lave as folhas de hortelã em água corrente e higienize. Leve as polpas, as folhas, o creme de leite e o leite condensado para o liquidificador e bata até obter um creme homogêneo. Transfira para um recipiente com tampa e leve para o congelador, mantendo por 12h ou até estar bem consistente. Sirva com as castanhas trituradas e não caia na besteira de negar algo que você gosta.

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