Julgamento do STF e PL 490/07; Especialista explica como Corte e Congresso podem criar “normaticídio” contra indígenas
O Supremo Tribunal Federal (STF) retoma, nesta quarta-feira, 30, a partir das 14h, julgamento cujo resultado servirá de diretriz para o futuro das demarcações das Terras Indígenas no Brasil. A Corte vai analisar o Recurso Especial 1.017.365, que trata de um pedido de reintegração de posse movido pelo Instituto do Meio a Ambiente de Santa Catarina (IMA) contra a Fundação Nacional do Índio (Funai) e indígenas do povo Xokleng, envolvendo uma área reivindicada como parte do território tradicional.
Na área, também vivem os povos Guarani e Kaingang. Em 2019, o plenário do STF reconheceu que o julgamento do parecer terá repercussão geral. Isso significa que a decisão nesse caso servirá para fixar uma tese de referência a todos os casos envolvendo terras indígenas, em todas as instâncias do judiciário.
Na mesma direção, passou pela Comissão de Constituição e Justiça nesta terça-feira, 29, a Proposta de Lei 490 de 2007. A PL também incide sobre o processo de demarcação de terras no país e pode abrir territórios já garantidos para o garimpo e agricultura comercial.
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De acordo com o professor Alvaro de Azevedo Gonzaga, da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, se aprovada a PL e a depender do resultado do julgamento no STF, será criado o que ele chama de “normaticídio” contra os povos indígenas. São normas que favorecem o extermínio dos povos originários em vez de protege-los.
“Venho sustentando uma tese jurídica de que isso tem um nome que deriva do etnocídio que é praticado contra alguns grupos. Eu chamo isso de normaticídio. São normas que subtraem direitos de pessoas vulneráveis. Isso não tem outro nome senão normaticídio em que eu acabo extirpando, extinguindo, matando aqueles que deveriam viver e ter melhores condições de vida. E não pioradas por meio de uma lei”, explica o docente.
Marco Temporal
Segundo Gonzaga, o julgamento incide sobre o que se entende por “tradicionalmente”, isso em relação a terras ocupadas por indígenas. A discussão parte do Artigo 231 da Constituição Federal, onde a expressão é utilizada para se referir a áreas habitadas pelos povos originários. A primeira tese e menos favorável a essa população, é a adoção do marco temporal, estabelecendo que povos remanescentes só teriam direito de obter demarcação de território que estivesse sob disputa física e judicial comprovada ou posse desde o dia 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Carta.
A medida desconsidera que o ano citado, os povos indígenas eram tutelados pelo Estado e poderiam entrar com medidas judiciais pela busca de seus direitos.
“[Em 5 de outubro de 1988] Nós acabávamos de sair do Regime Militar, período em que, o relatório Figueiredo deixou claro ter ocorrido perseguição aos povos originários. Nós temos aí um momento de retração de terras indígenas e que não dá para você debater após o regime militar qual vai ser o marco temporal para dizer quais são as terras tradicionalmente indígenas”, afirma.
A adoção do marco temporal a partir da Constituição reduziria a possibilidade de demarcação de novas terras indígenas, explica o docente. “Não me parece razoável para o STF tomar uma decisão nesse sentido que também petrifica a quantidade de terras indígenas no Brasil, porque é daqui para menos, e isso é péssimo”, salienta.
Indígenas lutam contra o tempo
Tanto o julgamento no STF quanto a tramitação da PL 490/07 exigem agora intensa mobilização dos povos indígenas. Por isso, desde o dia 8 de junho, centenas de representantes de todo o país se reúnem em Brasília, no acampamento Levante Pela Terra. Contudo, reforça o professor, o momento exige principalmente frentes jurídicas nos debates tanto do Supremo como no Congresso.
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“Antes de tudo, é preciso que exista espaço para o debate. Se não existe espaço para o debate, você tem imposições legislativas, normaticídios e os perigos mais variáveis possíveis. Penso eu que o objetivo agora é não permitir que o tempo avance rápido demais com tramites legislativos e decisões jurídicas que podem gerar efeitos irreversíveis a longo prazo”, destaca.
A pandemia, além da crise econômica e política no país deveriam ser fatores naturais de retardação desses tramites, explica o professor. Principalmente porque dizem respeito a populações vulneráveis, afirma.
“Não me parece um bom momento, pelos ânimos políticos que o país passa, pela pandemia que nós estamos postos, debater questões de terra, em especial quando nós temos esse cenário”.
Dessa forma, indígenas enfrentam uma “corrida contra o tempo”, pois precisam tentar retardar essas decisões diante de um governo que não tem intenção de proteger esses povos.
“Nós temos um governo que não é afeto aos povos originários, de enfrentamento aos povos originários. E eu digo luta contra o tempo na expectativa de que exista uma mudança, uma alternância e que essa nova força política que venha a surgir traga luzes para o debate”, destaca.