Megaron Txucarramãe acompanha acampamentos em Brasília desde antes da promulgação da Constituição Federal, em 1988. Conhece bem tanto o gramado da Esplanada dos Ministérios quanto os corredores verdes e azuis do Congresso. E, assim como outras lideranças, vê com muita preocupação a intensa movimentação dos parlamentares favoráveis ao “pacote da destruição”.
“Para os brancos, a riqueza do Brasil é pedra”
Megaron Txucarramãe, liderança indígena
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Embora não seja o único projeto de lei que tramita no Congresso ameaçando direitos indígenas e fragilizando a manutenção das florestas amazônicas, o PL 191/2020 virou o foco das manifestações dentro do ATL. O acampamento levanta a bandeira da demarcação de terras como principal foco em seus 18 anos de luta, mas desta vez os indígenas decidiram reagir a essa ameaça direta e frontal aos direitos dos povos originários.
Um dos momentos mais importantes da plenária na terça-feira (5) foi o lançamento da Carta Aberta contra o PL 191, o projeto que foi proposto pelo Executivo e teve requerimento de urgência aprovado na Câmara dos Deputados, a pedido do líder do governo, Ricardo Barros (Progressistas-PR), em 9 de março.
Mas quase um mês depois de aprovada a urgência, ainda não foi constituído o Grupo de Trabalho (GT) que deveria tratar do assunto em 30 dias, conforme foi anunciado pelo presidente da Câmara, o agropecuarista Arthur Lira (Progressistas-AL). Cabe à Mesa Diretora a criação da comissão temporária.
Até o momento não foram definidos os nomes de 13 deputados da base do governo e 7 da oposição que deveriam compor o GT. A aprovação do requerimento por 279 votos favoráveis, 180 contra e 3 abstenções passou como um rolo compressor por sobre o apelo popular de milhares de jovens que estavam em frente ao Congresso, no Ato pela Terra, convocados por Caetano Veloso e uma dezena de artistas.
Ainda não está claro se houve um recuo ou uma ação de desmobilização para voltar com o rolo compressor no Congresso a qualquer momento. O deputado Nilto Tatto (PT-SP), membro da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, disse acreditar que os governistas vão esperar outro momento para discutir o PL 191, e que esse debate não ocorrerá por meio de um GT.
“Eu acredito que o próprio Lira está desistindo de criar o GT porque sentiu, com o Ato pela Terra e agora com o ATL, que chamam muito a atenção não só da sociedade brasileira, mas também da comunidade internacional. Parte da base do governo Bolsonaro não quer manchar mais ainda a imagem do Brasil, que já está manchada, e a do setor da agropecuária”, disse Tatto à Amazônia Real.
A Carta Aberta contra o PL 191

Pela manhã, Tatto e os integrantes da Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Povos Indígenas da Câmara e Senado estiveram na plenária do ATL para o lançamento da Carta Aberta contra o PL 191. Cada um deles leu parte do documento, que está aberto para assinaturas online.
A Carta Aberta, escrita em português, inglês e espanhol, denuncia que o PL 191 pretende premiar grileiros com a regularização de terras invadidas, apresentando “evidentes problemas jurídicos e de inconstitucionalidade”, desconsiderando tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário.
“O povo brasileiro tem o dever de conhecer os graves impactos econômicos, sociais e ambientais que poderão decorrer da aprovação do Projeto de Lei (PL) nº 191/2020, não somente para os povos indígenas, mas para todos nós”, enfatiza o texto.
Ao meio-dia, um documentarista de Madri (Espanha) conseguiu que Alessandra Korep Munduruku lhe concedesse uma entrevista. O cineasta perguntou qual o apoio internacional que ela esperava para a Amazônia. Sentada, olhando para a câmera, ela falou.
“Esperamos que os estrangeiros se informem sobre o que seus países compram de ouro, soja, carne, madeira, que saem dos territórios indígenas. Muitos países falam em sustentabilidade, mas vocês não sabem o que mata o nosso povo. Vocês precisam levar informações para as suas escolas e comunidades”, disse a líder do Médio Tapajós, uma das regiões de rios mais destruídos por garimpos e de águas contaminadas por mercúrio.
Arnaldo Munduruku, cacique geral do povo que vive no Médio Tapajós, falou ao público que pretende voltar em junho com 5 ônibus apenas com pessoas de seu povo, para um novo acampamento do movimento indígena nacional. No dia 23 de junho, está agendado a continuação do julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 1.017.365, que trata do marco temporal.
“A situação de nossas aldeias é muito triste, o garimpo está cada vez mais invadindo nossas terras”, lamenta o cacique. Ele relata que são cerca de 19 mil indígenas em cerca de 140 aldeias, cada vez mais afetados por doenças como diabetes, diarreia, malária e principalmente pelas consequências das contaminações por mercúrio, usado como amálgama de ouro. Os Munduruku denunciam que criminosos escondem armas e drogas em seu território e muitas vezes disparam tiros e ameaçam pessoas de morte.
6 mil indígenas no ATL

Durante todo o dia os povos fizeram apresentações culturais, demonstrando a cada ano mais organização nos acampamentos e também mais beleza nas pinturas corporais, nas vestes enfeitadas com miçangas e na arte plumária tradicional. Mas mesmo em rituais espirituais que dão força para a luta e oferecem um pouco de relaxamento para o cansaço de tantas horas acampados e em compromissos de trabalho, os indígenas ficaram sempre atentos aos assuntos da plenária.
No início da noite da terça, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) fechou o levantamento das credenciais de participação do 18º ATL. São cerca de 6 mil indígenas de 176 povos que já chegaram a Brasília, onde permanecem até o dia 14. Eles são o centro de atenções das cidades e das aldeias onde as notícias da mobilização chegam em tempo real pelos celulares dos próprios indígenas. Comunicadores estrangeiros literalmente estão correndo atrás de lideranças para entenderem o que os motiva a ocupar em número tão expressivo o canteiro central do Eixo Monumental. A imponente avenida de 12 pistas chega e parte da Praça dos Três Poderes – onde estão o Palácio do Planalto, o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal, a cerca de 5 quilômetros.
É no ATL, nos próximos dias, que se poderá ouvir histórias como a de Alfredo Marubo, do Vale do Javari, no Amazonas.
“Temos 30 povos sem contato. Nossas terras são invadidas por madeireiros, fazendeiros, mesmo em territórios já demarcados”, afirmou.
Ele denuncia que desde a posse de Jair Bolsonaro na Presidência da República a fiscalização das Frentes de Contato dos dois mais importantes postos da Fundação Nacional do Índio (Funai), Ituí e Curuça, nos limites do território indígena, deixou de existir. “Invasores entram inclusive armados na nossa terra. Não tem fiscalização. Fazemos a nossa parte, colocando os próprios índios para fiscalizar.”