O Homo delinques do Bolsonarismo: anocracia e contínuo mediático do ódio
Natal, RN 26 de abr 2024

O Homo delinques do Bolsonarismo: anocracia e contínuo mediático do ódio

18 de outubro de 2022
5min
O Homo delinques do Bolsonarismo: anocracia e contínuo mediático do ódio

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Por Alex Galeno, Ana Tázia e Patrícia Rilane*

O contínuo mediático atmosférico é constituído pelo espaço no qual ocorre a batalha (campo abstrato das ideias) e pelo movimento que se realiza nessa batalha. Criar essas atmosferas, ou a “ocupação da atmosfera mediática'”, explica Marcondes Filho (2018), tem como alvo a interferência política das “massas”, sobretudo em momentos de crise, nos quais, espera-se que a opinião pública, enquanto um fenômeno efêmero e influenciado pelos fatos noticiosos, seja cúmplice de uma mudança, total ou parcial no Estado. O paradigma comunicacional bolsonarista da desinformação e propagação do ódio remete, civilizatoriamente, à noção de massa de acossamento de Elias Canetti (1995). Esse tipo de massa tem comportamento violento, treinada para matar, ela tem como meta principal a eliminação ou o linchamento do adversário.[1]

Mas, nos meandros das plataformas digitais, esse tipo de massa adquire a forma e organização política do Homo delinquens, ou melhor, caracteriza-se pela proteção de uma opinião que, apesar de ser sustentada pelo contágio sem contato possibilitado pelos meios de comunicação digital, não são menos eficientes quando visam ofender, destruir e caluniar os seus adversários na batalha ideológica (Cardoso et al., 2022). Como uma malta, os Homo delinquens bolsonaristas se fecham ao diverso e usam símbolos e discursos histriônicos comprometendo o decoro do cargo de presidente e a democracia, a partir da combinação de infocracia e anocracia, quer dizer, utiliza-se da ameaça e de narrativas falsas para consolidar seu projeto de poder.

A consequência de uma política infocrática (Han, 2022) consiste na criação de uma sociedade anocrática, um regime baseado em instabilidades políticas e ambiguidades que combinam elementos da democracia e da autocracia. Bolsonaro oferece um exemplo dessa lógica, na medida em que foi eleito por meio do voto popular, mas, desrespeita as instituições democráticas e mais, usa as mesmas para minar a democracia. Aliás, Bolsonaro exemplifica tal ambiguidade, uma vez que foi eleito pelo voto direto em urnas eletrônicas e ataca este mesmo instrumento que o legitima. Trata-se de um panorama delicado, porque alerta para um afastamento da democracia, bem como afirma a estudiosa sobre guerras civis no mundo, Bárbara Walter (2022), governantes como Jair Bolsonaro no Brasil, Órban na Hungria, Erdogan na Turquia, são legítimos representantes do que ela denominou de anocracia:

"Os especialistas chamam países que estão nessa zona intermediária de “anocracias” — não são autocracias absolutas nem democracias plenas, mas alguma coisa no meio”.

Consequências das ações de um regime anocrático, podemos citar a perseguição às liberdades de imprensa e de opinião, o uso frequente das ferramentas informacionais e a propagação de desinformação nas plataformas digitais, como o WhatsApp e o Telegram, por exemplo. Assim, é que a infocracia respalda esse novo regime político. Especialmente por discursos e ações políticas emocionalizadas na esfera pública pelo enxame oclocrático[2], que se comporta como Stimmung (atmosfera) criada a partir da influência e atuação dos algoritmos. Corresponde a uma espécie de sujeito amorfo advindo dos esgotos da sociedade, conforme os termos de Erasmo de Roterdam (2004), em sua obra Elogio da Loucura. Esse sujeito amorfo é regido pelo fluxo contínuo da propagação de fake News, deep fakes, materializadas em postagens compartilhadas por grupos criados em plataformas digitais, as quais comprometem a verdade. Essas postagens se tornam, em conformidade com Han (2022), espectros manipulados pela força narrativa dos dark ads - anúncios sombrios. Isso significa o surgimento de uma massa oclocrática digital marcadamente fantasmagórica e dataísta. Para Han (2018), nem seria verdadeiramente uma massa, dado que, mesmo reunida, age mais como enxame digital seguidor de influencers. Configura-se, consequentemente, como um risco para a democracia.

Podemos afirmar que o governo Bolsonaro combina um regime anocrático com uma oclocracia midiática digital. O chefe de Estado prioriza a comunicação direta com a sociedade por meio de plataformas digitais, ao invés da comunicação vertical dos jornais, televisão e rádio. De maneira que, o enxame olocrático digital alimentado pelo contínuo do Homo delinques bolsonarista vai ao encontro de suas narrativas e ações. Seus seguidores são, assim, como gado eleitoral, fiéis defensores do seu governo e propagadores de desinformação e de ódio.

Neste momento, no qual a população brasileira vive o segundo turno para presidente, é possível mensurar os efeitos do contínuo mediático atmosférico. O sentimento de andar na rua, ir a um supermercado, ir a um bar ou fazer uma postagem em alguma plataforma digital: essas atitudes simples podem despertar a sensibilidade do olfato do Homo deliquens bolsonarista. Seja com a cor da roupa que se usa ou com uma simples palavra, podemos nos tornar alvo de suas agressões verbais e físicas, além disso, ele está armado e seu contínuo é de ódio.

Alex Galeno é professor da UFRN
Ana Tázia é professora de pós-graduação e pesquisadora da UFRN
Patrícia Rilane é doutoranda em Ciências Sociais da UFRN

________________________

[1] No primeiro turno da eleição presidencial, a lógica de atuação da massa de acossamento se materializou em episódios de assassinatos de apoiadores do candidato Lula. O caso de maior repercussão foi o da morte de um tesoureiro do Partido dos Trabalhadores-PT, Marcelo Arruda, por um policial apoiador do bolsonarismo, Jorge Guaranho, na cidade de Foz do Iguaçu, pertencente ao estado do Paraná-PR.

[2] Etimologicamente a palavra oclocracia tem uma configuração semântica originária da palavra grega okhlokratia, composto de ὄχλος - multidão, massa, turba» e -κρατία - poder, governo.

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