Edital da Assembleia Legislativa para compra de livros
Natal, RN 26 de abr 2024

Edital da Assembleia Legislativa para compra de livros

13 de fevereiro de 2023
4min
Edital da Assembleia Legislativa para compra de livros

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Por Ana Claudia Trigueiro

Preciso dizer da minha surpresa quando li o edital publicado pela Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte para aquisição de livros infantis e juvenis. Não querendo faltar com o devido respeito aos escritores selecionados, afirmo que a lista de escolhidos é regular, não mais do que isso.

Infelizmente, a relação é inadequada em pelo menos dois quesitos que a tornam, sob o meu ponto de vista, desrespeitosa com quem escreve e defende a produção literária local e com quem tem revolucionado a prosa e a poesia voltada para a juventude.

Antiquada e pouco representativa (com honrosas exceções) a lista termina por evidenciar muito mais o que lhe falta, do que o que oferece aos leitores. Ao lê-la, tive a impressão de que ainda vivia na década de 1970. Que nada de novo aconteceu no Brasil desde essa época e que o RN, apesar da sua riqueza natural, é pobre em literatura (só isso justifica a ausência de títulos locais).

Pelo visto, o estado nada tem a oferecer ao curador ou aos curadores da lista, pois não há nela um único livro feito na terra ou escrito por autor potiguar. Nenhuma editora daqui foi contemplada e sabemos que têm produzido obras de qualidade, apesar de todas as dificuldades econômicas.

Sobre o aspecto “sebastianista” da relação, faço quatro perguntas, que se bem respondidas calarão minha boca:

O que explica a recomendação de “Pollyanna Moça” neste século XXI pós-pandêmico? Já não lemos o suficiente de “o jogo do contente” desde 1915?

Com tantos contos indígenas e africanos disponíveis no mercado, por que somente o paulista Lobato e o grego Esopo foram lembrados no quesito “fábulas”? (Inclusive é a primeira vez que vejo um tipo de composição literária tão valorizada em um edital voltado à literatura. A categoria foi contemplada com nada menos do que 200 exemplares, a mesma quantidade do gênero poesia).

Carlos Drummond de Andrade, Henriqueta Lisboa e Mario Quintana nunca serão obsoletos e certamente farão bem aos jovens que receberão suas obras, mas, não deveriam vir acompanhados de novos nomes e estilos tão geniais quanto eles? Cadê o Slam? Sergio Vaz? Cadê Antônio Francisco? Madu Costa? Graça Graúna? Vivos e produtivos como nunca, eles trariam ao edital da ALRN, a diversidade e a contemporaneidade de que necessita.

Minha curiosidade sobre quem elaborou esse rol é enorme. Pareceu-me um daqueles leitores que só leram no tempo de escola e por obrigação. O resultado foi ter ficado refém do saudosismo que parece pensar que, depois dos grandes nomes, ninguém talentoso publicou. Quem ama ler termina por saber das mudanças de paradigmas, das inovações, do que está revolucionando a escrita etc.

Posso estar redondamente enganada sobre esses curadores, mas eles causaram má impressão a quem respira literatura. Inclusive, porque nomearam o autor de “O meu pé de laranja lima” como “João” Mauro de Vasconcelos. Um leitor apaixonado (e experimentado) jamais cometeria esse equívoco.

Nota dez pela escolha de Bráulio Bessa, Adriana Carranca e André Neves e uma chamada de atenção pelo esquecimento da maravilhosa Salizete Freire, que nos deixou há poucos meses e é símbolo da literatura infantil no RN. Em “Mundo pra que te quero”, ela escreveu:

Amigo sol, eu posso ficar grande antes do tempo?

Ninguém a convencia de que o tempo

era o encarregado direto de fazer esta mudança naturalmente.

Insistia em não esperar o tempo chegar para poder crescer.

Na vontade crescida, ela queria antecipar as coisas

e chegar antes mesmo de o tempo alcançar-lhe o rastro...

Infelizmente, as crianças e os adolescentes potiguares contemplados pelo projeto Varal Literário (a que se destina o edital da ALRN) não terão a oportunidade de ler esta e outros ótimos escritores da sua terra natal: José de Castro, Clotilde Tavares, Araceli Sobreira, Paula Belmino, Manoel Cavalcante, Ana Paula Campos, Adriano Gomes, Tereza Custódio, Bia Madruga, José Acaci, Drika Duarte, Anchella Monte, R.M. Paiva, Robson Renato, Andreia Braz, Gabriela Barbalho, Ana Catarina Fernandes, Milena Azevedo, Cristal Moura, Denise Martins, Izabel Cristina, Ivan Cabral, Ilustralu, Júlio Lima, Lili Pacheco, Janine Galvão, Bia Crispim, Gilvânia Machado, Beth Milanez, Anny Baltar, Anna Celina, Jania Souza, Sheila Dourado, entre outros.

Os nomes de todos não caberiam neste manifesto, mas sintam-se representados com um Autores potiguares presentes! Para lembrar àqueles que detém o poder de promover valorização ou apagamento que, nós, editoras e escritores norte-rio-grandenses existimos e resistimos.

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