O mundo escolar visto como inimigo
Natal, RN 17 de mai 2024

O mundo escolar visto como inimigo

12 de abril de 2023
4min
O mundo escolar visto como inimigo

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A onda de violência nas escolas que vem sendo registrada no Brasil, como o trágico massacre de quatro bebês com uma machadinha em Blumenau e a professora que morreu esfaqueada por um aluno de treze anos em São Paulo, não são "casos isolados" nem "repetição do comportamento norte-americano". Na verdade, são o fruto (ou melhor dizer, o ovo chocado da serpente) de pelo menos dois fatores gerados e estimulados pelo bolsonarismo e pela extrema-direita (que podem ser a mesma coisa muitas vezes, mas são distintos): a fetichização das armas e da violência e o desprezo ao sistema educacional tradicional e seus símbolos.

Sobre o primeiro aspecto, quase tudo já foi falado. Bolsonaro, seus filhos e sua entourage passaram quatro anos glorificando o uso de armas de fogo (por extensão outras armas, sob prefixo de se usá-las para defesa ou objeto de coleção). Vimos Dudu Bananinha dezenas de vezes em clubes de tiro; vimos o "mito" sugerir "metralhar a petralhada" e simular ser um fuzil tudo que lhe parava nas mãos: violão, tripé de câmera, dedos (em forma de arminha). Não por acaso, sob a famigerada era Bolsonaro os números de mores por arma de fogo aumentaram, idem quanto a feminicídios, assassinatos de negros, periféricos e LGBQIA+. Era de se esperar que isso acontecesse com o Estado respaldando a cultura da violência.

Mas para além dessa necropolítica chama a atenção um aspecto específico da extrema-direita. O horror ao sistema educacional e a tudo que possa ser considerado como o mundo escolar. Para essa gente, alimentada e empoderada pelo bolsonarismo, educadores, que são "comunistas", são inimigos. Parte dos estudantes, também "comunistas", idem. As universidades, por promoverem questionamento e comportamentos libertários, são "balbúrdia", como disse o então ministro Abraham Weinraub, de triste memória, hoje cuspido pelo bolsonarismo depois de usado e desafeto do Jair. A linha auxiliar do bolsonarismo também fez seu estrago. Lembremos do MBL de criaturas como Fernando Holiday e Kim Kataguiri que ainda na campanha de 2018 invadiam escolas públicas para denunciar "doutrinamento de professores", em desrespeito aos profissionais da educação, à hierarquia e à comunidade escolar. Arrisco dizer que o ovo da serpente foi gerado nesta política de desqualificar professores e estimular alunos e pais a não aceitarem "ser doutrinados pela esquerda".

Esse somatório de fatores, unidos a outros mais, claro (desajuste familiar, falta de acompanhamento psicológico em escolas, bullying, etc) está gerando essa escalada de episódios violentos em escolas causados por alunos ou pessoas da comunidade escolar. Mas para se chegar a uma solução para o problema há que se entendê-lo. Investigações já detectaram que quem realizou atos de violência ou morte em escolas faz parte de grupos de estímulo à violência. São chamados de "chans",  fóruns anônimos na rede (e na deep web) que reúnem extremistas que defendem discursos de ódio. Mas quem são essas pessoas e como elas estão ligadas a massacres? Há algumas respostas, como as conseguidas pela jornalista e professora universitária Lola Aronovich (do blog Escreva, Lola, escreva) que de ano ser agredida e ameaçada pelos membros dos chans conseguiu identificar vários deles e levá-los à Justiça (e alguns à prisão). ano ela como especialistas em ódio na internet identificaram esses extremistas como em sua maioria homens brancos jovens, solitários, que se tornaram misóginos (e desenvolveram uma ideia chamada "masculinismo" de oposição violenta ao feminismo) e que odeiam, claro, minorias, LGBQIA+ e negros em geral. E claro, cultura  educação.

Para combater a violência nas escolas a solução não são vigias armados, policiais nos porões e muito menos professores e funcionários com armas. trata-se de um paliativo quase imbecil que não daria resultados e geraria, talvez, mais violência e tensão. O possível a fazer é identificar os chans, prender os líderes, desbaratar os grupos e iniciar campanhas de desaglamourizar a violência. Fazer isso é trabalhoso e lento, claro, mas é necessário. Enfrentar os extremistas com inteligência, impedir que os atentados aconteçam, desestimular o uso de armas. E tratar o bolsonarismo como o que ele é: um movimento não político mas comportamental de estímulo ao ódio e à violência. Eles veem o mundo escolar como inimigos, talvez seja a hora de os enxergarmos como inimigos da civilidade, da democracia e da educação.

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