A letalidade Infanto-Juvenil no Brasil
Natal, RN 17 de mai 2024

A letalidade Infanto-Juvenil no Brasil

12 de agosto de 2023
5min
A letalidade Infanto-Juvenil no Brasil

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Por Patrícia Santiago*

A segurança pública é uma questão crucial em qualquer sociedade e a atuação das forças policiais desempenha um papel fundamental na manutenção da ordem e proteção da população. No entanto, quando a segurança se transforma em perigo e na principal ameaça à vida, sobretudo para os mais jovens, uma preocupação profunda emerge. A letalidade infanto-juvenil, em especial a que acontece pelas mãos da Polícia Militar no Brasil, é um tema que exige atenção urgente.

O cenário é mais que preocupante. Dados coletados de diversos estados brasileiros revelam uma tendência alarmante da letalidade infanto-juvenil, onde jovens e adolescentes têm sido recorrentemente vítimas fatais de intervenções policiais. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2021, o Brasil registrou mais de 4.600 mortes de jovens entre 12 e 29 anos em decorrência de ações policiais. Desses, cerca de 81% eram negros. Esses números apontam para uma preocupante disparidade racial, refletindo um padrão de discriminação e desigualdade que permeia o imaginário policial e o sistema de justiça criminal brasileiro.

A letalidade infanto-juvenil pelas mãos da Polícia Militar no Brasil está enraizada em fatores multifacetados. Primeiramente, a falta de treinamento adequado e de protocolos claros para abordagens policiais é um ponto crítico. Muitas vezes, policiais enfrentam situações tensas sem as habilidades necessárias para lidar com elas de maneira proporcional e não violenta. Além disso, a impunidade corporativa também contribui para essa problemática. A falta de responsabilização efetiva em casos de abusos policiais perpetua um ciclo de violência.

Mais um exemplo disso foi o que aconteceu na madrugada da última segunda-feira, 07/08, na Cidade de Deus no Rio de Janeiro, onde um adolescente de 13 anos, Thiago Faustino, morreu vítima de uma ação da Polícia Militar. O caso tem repercutido por todo país e a Polícia Civil e o Ministério Público do Rio têm prometido investigar mais a fundo o que de fato aconteceu que provocou a morte do adolescente, pois a PM aponta 3 versões diferentes do que realmente ocorreu e a família de Thiago cobra justiça.

O fato é que o caso de Thiago aponta para a repetição desse padrão de extermínio da juventude negra e pobre, que tem pautado a atuação das PMs pelo Brasil todo. São casos e mais casos que acontecem e não apenas nas comunidades do Rio de Janeiro ou São Paulo. Vivemos essa realidade mais próxima do que imaginamos.

Na última semana na Bahia aconteceram várias operações policiais espalhadas em três municípios do estado que deixaram 20 pessoas mortas, dentre esses três adolescentes, um de 13 anos e dois de 17 anos. A grande mídia divulgou essas mortes afirmando que os adolescentes faziam parte de um grupo de criminosos foragidos.

Também na última semana, dois adolescentes de 17 anos foram encontrados mortos na região oeste do Rio Grande do Norte em dois municípios vizinhos, Alto do Rodrigues e Carnaubais.

Só no início do mês de julho deste ano outros dois adolescentes de 16 e 17 anos foram assassinados em Mossoró.

Em 2019 o Rio Grande do Norte foi considerado por organismos nacionais e internacionais como o pior estado da federação para ser jovem no Brasil. Desde 2017 o RN já havia sido declarado como o estado mais violento do país. Essa afirmação é baseada nos dados estatísticos sobre a violência que apontam que o RN é o estado onde mais morrem jovens de forma violenta no Brasil, proporcionalmente, e onde um jovem negro tem oito vezes mais chances de morrer por causas violentas do que um jovem branco.

O caso mais emblemático é o do jovem Giovanne Gabriel, de 18 anos, que foi morto pela PM/RN em junho de 2020. Gabriel ficou desaparecido por nove dias até que seu corpo foi encontrado num matagal em avançado estado de decomposição em São José de Mipibu, município da região metropolitana de Natal. Os quatro policiais militares acusados pela morte seguem em liberdade aguardando o julgamento.

Esta é uma realidade estarrecedora, mas que parece que não choca mais ninguém. Crianças e adolescentes são reconhecidos como sujeitos de direitos e como indivíduos em situação peculiar de desenvolvimento pela Constituição Federal de 1988 e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). O papel do Estado deveria ser assegurar a doutrina de proteção integral prevista pelo ECA desde 1990. Entretanto, o que acontece é o contrário, o Estado negligencia seu papel de garantir direitos básicos que possam prevenir e mitigar os efeitos da violência, mas acha que com o uso da força armada está cumprindo sua função.

A letalidade infanto-juvenil no Brasil é um fato e se trata de um problema complexo que exige ação imediata e coordenada por parte das instituições do poder público, além de uma mobilização de toda sociedade que deve se unir para buscar soluções que garantam a segurança de todos os cidadãos, independentemente da idade, raça ou origem, mas especialmente desta população que se encontra em maior situação de vulnerabilidade e risco social. Com a implementação de treinamento adequado, transparência nas investigações e reformas institucionais, é possível promover uma mudança significativa no tratamento das questões de segurança pública, garantindo um ambiente mais seguro, com a garantia de construção de um futuro justo para os jovens brasileiros.

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Patrícia Santiago é Cientista Social formada pela UFRN e estudante de Gestão de Políticas Públicas; Subcoordenadora de Políticas de Ações Afirmativas (SEMJIDH)

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