Cores de Amaro: Documentário rende homenagem a potiguar que atuou como maquiador em mais de 60 filmes do cinema nacional  
Natal, RN 11 de mai 2024

Cores de Amaro: Documentário rende homenagem a potiguar que atuou como maquiador em mais de 60 filmes do cinema nacional  

6 de agosto de 2023
8min
Cores de Amaro: Documentário rende homenagem a potiguar que atuou como maquiador em mais de 60 filmes do cinema nacional   

Ajude o Portal Saiba Mais a continuar produzindo jornalismo independente! Apoie com qualquer valor e faça parte dessa iniciativa.

Quero Apoiar

Walter Carvalho recebeu dicas de como melhorar a fotografia de algumas das cenas do filme Boi de Prata, em 1978. Cacá Diegues ganhou massagens para controlar a tensão durante as filmagens de Dias Melhores Virão, em 1989. Já Chico Diaz ouviu conselhos sobre a estética do marginal que incorporou no longa Barrela, em 1990.

Esses três momentos de intimidade tiveram um mesmo sujeito oculto: o ator e maquiador potiguar Amaro Bezerra.

Na sala de maquiagem trancada a chave ou no set de filmagem ao ar livre no sertão nordestino a intimidade é um valor caro. Tem sido assim desde 1978, quando Amaro foi convidado pelo diretor Augusto Ribeiro Júnior para assinar a maquiagem do longa-metragem Boi de Prata, rodado em Caicó, no interior do Rio Grande do Norte.

 Ao longo de 45 anos, foram mais de 60 filmes do cinema nacional e convivência, nos bastidores e na intimidade, com grandes estrelas do país. Entre os longas que contaram com a maquiagem de Amaro estão O Pagador de Promessas, dirigido por Anselmo Duarte e primeiro filme brasileiro indicado ao Oscar; Um Trem para as Estrelas, de Cacá Diegues; e Avaeté, de Zelito Viana.

Uma parte desta trajetória ainda desconhecida do público ganhou a luz, a câmera e a ação do cinema pelas mãos das diretoras Márcia Lohss e Priscila Vilela. Na equipe ainda participam Múcia Teixeira (pesquisa), Thalita Vaz (produção executiva), Pipa Dantas (montagem e edição), Vitória Real (direção de fotografia), Johann Jean (imagens de apoio), Marina de Lourdes (som direto), Ângela Castro e Tony Gregório (trilha sonora original).

Amaro Bezerra em cena no documentário "Cores de Amaro"/ foto: reprodução

Santo de casa: reconhecimento em vida

O documentário Cores de Amaro foi exibido pela primeira na sexta-feira (4), em sessão fechada para convidados, entre artistas, produtores, amigos, jornalistas e a presença da governadora do Estado Fátima Bezerra. Rodado durante a pandemia, o filme conta com depoimentos de diretores e artistas que passaram literalmente pelas mãos de Amaro.

Além do consagrado diretor de fotografia Walter Carvalho e do ator Chico Diaz, aparecem no filme a diretora Tzuka Yamasaki, a figurinista Maria Diaz, a produtora Maria Sena, o diretor de arte Silveira, além dos potiguares André Santos (cineasta), Fafá Fialho (atriz) e Mirabô Dantas (compositor).

- Você ser reconhecido na sua terra é muito importante porque ninguém conhece meu trabalho. A nova geração não conhece meu trabalho. Quem viu Boi de Prata ? Quem viu Dias Melhores Virão ? Quem viu O Pagador de Promessa ou Um Trem para as Estrelas ? Então, fiquei muito emocionado e feliz por essa homenagem, esse reconhecimento ao meu trabalho”.

Amaro se emocionou ao entrar no Teatro Alberto Maranhão / foto: reprodução

O público terá que aguardar mais um pouco para a assistir ao documentário. Como o filme está vinculado ao edital do SESC, as diretoras Márcia e Priscila aguardam o lançamento dos projetos patrocinados pela instituição para exibí-lo novamente:

- Depois que fizermos a exibição pelo Sesc o filme vai rodar por festivais e depois vamos disponibilizar no youtube”, conta Lohss.

Além do Sesc, o filme contou com apoio financeiro da Potigás e do edital Aldir Blanc em 2021.

Do contato com Walter Carvalho durante o processo de produção do filme, Amaro ganhou do amigo os negativos das imagens registradas pelo fotógrafo durante as filmagens do longa Boi de Prata. As fotografias foram reveladas e estão expostas na Pinacoteca do Estado, com acesso gratuito ao público.

- Quero levar essa exposição para outros lugares, como Caicó, por exemplo. Devemos isso a Caicó, cidade que nos recebeu e onde Boi de Prata foi filmado”, conta.

Boi de Prata: "Era como se os marcianos estivessem chegando na Terra"

Amaro Bezerra ao lado do boi que virou o Boi de Prata no filme de Augusto Ribeiro Jr. / foto: reprodução

Sobre o filme de Augusto Ribeiro Júnior, Amaro lembra no documentário que a chegada dos artistas e da equipe parou a cidade.

- Quando Augusto Ribeiro Jr. me chamou para fazer o filme eu achei que fosse piada porque eu nunca havia feito cinema. Mas ele insistiu e disse que confiava no meu taco. Estava todo mundo começando. Foi um filme turbulento. A primeira visão que eu tive era como se os marcianos estivessem chegando na Terra. Imagine Caicó em 1978. A cidade parou para a chegada da gente. E aconteceu de tudo durante as filmagens, teve até polícia. Tem alguns pecados na minha maquiagem, mas ali, começando, eu fiz o melhor que pude. Foi um trabalho muito visceral, verdadeiro”.

 O teatro e a fragilidade humana

Antes de apresentar Amaro Bezerra como maquiador do cinema brasileiro, o documentário margeia o início da carreira dele como ator. Em um Teatro Alberto Maranhão ainda em reforma como cenário, o potiguar recita poemas e lembra histórias de antigamente, como a relação conturbada com o pai:

- O que mais me emocionou nesse documentário foi entrar no teatro. Quando entrei no TAM o portal da minha vida abriu. Veio tudo: textos, memórias... fiquei completamente emocionado. A memória do meu pai, porque a gente se bateu muito. E ele foi me assistir. Me viu, gostou, eu chorei bastante caladinho vendo o filme. Meu pai queria que eu fosse médico, mas meu coração dizia faça teatro, olha as artes. Estar no palco era, pra mim, estar em estado de graça. Fui até as últimas consequências”, conta orgulhoso.

Amaro maquiando ator Chico Diaz / foto: reprodução

A experiência no teatro, segundo Amaro, foi fundamental para a relação que manteve com os atores que passaram por suas mãos. No documentário, o ator Chico Diaz chega a se emocionar ao falar do amigo e dos conselhos que recebeu enquanto era maquiado:

- Essa coisa de ter sido ator me ajudou muito. Os atores do cinema são muito frágeis, e eles prestam muita atenção quando você fala: ‘olha, essa cena que você fez ficou incrível’. E Chico, por exemplo, sempre me pediu opinião. Ele sempre perguntava o que eu havia achado da cena que ele tinha acabado de filmar. Então eu troco muito com os atores. Nunca trabalho de maquiador para ator, é sempre de ator para ator. Estou ali para dar suporte a eles, dar a cara do personagem. Tem todo um lado psicológico, você trabalha com o ego dos artistas. Quem é que quer aparecer feio ? Ninguém”.

A história da eternidade

Cartaz do filme Avaeté, experiência que transformou a visão de mundo de Amaro / foto: divulgação

Amaro é fascinado pela eternidade do cinema. Mas diz que não consegue separar as linguagens, quando questionado sobre o artista sobressai mais, o ator ou maquiador.

- Não dá pra separar porque tudo é arte, só as linguagens são diferentes. Maquiagem é arte. O artista de forma geral é frágil, mas no cinema é uma coisa aqui e agora. No teatro você ensaio dois, três meses. Já no cinema você não tem esse tempo, é naquele momento. O que me fascina no cinema é essa eternidade, de registrar e ficar para o resto da vida, diz.

O primeiro filme rodado fora do Rio Grande do Norte que Amaro participou como maquiador foi, também, o mais inesquecível. Avaeté, de Zelito Viana, mudou a visão de mundo do artista potiguar:

- Avaeté foi um filme inesquecível para mim. Foi meu primeiro longa-metragem no Rio de Janeiro. Viajamos, ficamos três meses no meio da mata com os indígenas. É um filme que trata do massacre contra a aldeia dos Cinta-larga, no Mato Grosso. Ali mudou a minha visão de mundo. Os índios têm uma harmonia que nós não temos. Perdemos o elo com a natureza que eles têm. Perdemos o respeito, eles vivem o dia-a-dia e são pessoas muito generosas. O cacique Roque, inclusive, me convidou para morar com eles e eu só não fiquei porque já tinha família”, lembra.

Artista em constante processo criativo

Walter Carvalho trabalhou com Amaro em vários filmes e conta no filme, em depoimento emocionado, como o amigo o ajudou a entender que o caminho do cinema não tinha volta.

- Em Boi de Prata, ninguém sabia o que a gente estava fazendo. Mas havia uma vontade imensa de fazer. Naquela época era fácil identificar na multidão quem era artista. E você olhava para o Amaro e via que se tratava de um artista, que tinha reflexos de quem estava no processo criativo. A gente queria mudar o mundo, mas não era através das armas, e sim da arte”, disse.

Apoiar Saiba Mais

Pra quem deseja ajudar a fortalecer o debate público

QR Code

Ajude-nos a continuar produzindo jornalismo independente! Apoie com qualquer valor e faça parte dessa iniciativa.

Quero Apoiar

Este site utiliza cookies e solicita seus dados pessoais para melhorar sua experiência de navegação.