RN mantém liderança entre os maiores desertos de notícias do Brasil
Natal, RN 16 de mai 2024

RN mantém liderança entre os maiores desertos de notícias do Brasil

12 de agosto de 2023
4min
RN mantém liderança entre os maiores desertos de notícias do Brasil

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O Rio Grande do Norte continua sendo, proporcionalmente, o principal deserto de notícias do Brasil. Na prática, o território potiguar lidera o ranking entre os estados onde há o menor percentual de veículos produzindo jornalismo local, ou seja, com cobertura do que acontece nas cidades.

Dos 167 municípios do RN, não há cobertura local de notícias em 128 cidades, o equivalente a 76,6%.

O Piauí, segundo colocado do ranking, conta com 171 municípios considerados desertos de notícias, mas aparece abaixo dos potiguares em proporção, já que o número equivale a 76,3% das cidades daquele estado.

As capitais dos estados concentram mais meios jornalísticos do que as cidades do interior, com destaque para São Luís (MA), onde foram mapeados 127 veículos. Por outro lado, Natal aparece em último lugar nesse ranking, com 52 organizações de mídia local catalogadas na região.

Os dados foram divulgados na quarta-feira (9) pelo Atlas da Notícia, organização sem fins lucrativos que realiza esse mapeamento desde 2017.

Na 6ª edição do Atlas, 80% dos veículos mapeados são nativos digitais (nasceram na internet) ou rádios. A pesquisa registrou 2.728 veículos jornalísticos em atividade no Nordeste. Do total, 1300 são online, 1.011 são rádios, 213 impressos e 204 TVs.

Confira aqui mapeamento do Atlas da Notícias com dados de todas as cinco regiões do país.

A tragédia dos números

Pesquisadora e professora do Departamento de Comunicação Social da UFRN, Socorro Veloso classifica como “tragédia” os dados apresentados no Atlas e chama a atenção para o fato de que os desertos de notícias são áreas propícias para a propagação de notícias falsas:

- Nos preocupa, no caso dessa pesquisa, pensar que mais do que desertos informacionais, essas localidades estão se transformando possivelmente em ecossistemas de desinformação, a partir da proliferação de informações falsas por meios como o whats app, instagram e facebook. A ausência de qualquer forma de jornalismo local, de prestação de serviço à comunidade, de espaço para a pluralidade de opiniões, para a nossa infelicidade, é um ambiente para ecossistemas de desinformação, o que resulta em imensos prejuízos para a democracia e para a vida em comunidade, em particular. E nós sabemos que a proliferação de boatos pode resultar em agressões, linchamentos, que já vimos acontecer até em cidades que não representam desertos, como o Guarujá, por exemplo”.

A professora chama a responsabilidade e reforça o papel das universidades no debate sobre o problema.

- No Rio Grande do Norte me preocupa que, por mais que tenhamos boas faculdades de jornalismo, não conseguimos atuar na ocupação desses desertos por meio de profissionais qualificados e dispostos a produzir bom jornalismo local. E afora esses desertos representados por 76% de localidades listadas na pesquisa, fico pensando também nos 24% de semidesertos, ou bosques de notícias, para usar a classificação do Fórum de Noticias da Argentina. Porque mesmo onde se produz jornalismo local, as condições de produção são precaríssimas com muita pressão das elites político-econômica, com uma tremenda precarização de mão de obra por meio de acúmulo de tarefas e baixos salários. Está na hora dos cursos de jornalismo do RN discutirem de forma mais frontal essa questão. Precisamos compreender a tragédia desses números”.

Nordeste

Na região Nordeste, 56,74% dos municípios são vazios noticiosos, a maior proporção entre as cinco regiões do país. No período mapeado, 11 empresas de mídia fecharam, todas iniciativas digitais, como blogs e portais de notícias.

Ainda assim, em comparação ao mapeamento realizado em 2022, houve uma redução de 9%. Ao todo, 87 municípios nordestinos deixaram de ser desertos de notícias.

Saiba Mais: Desertos de notícias e as novas fronteiras do jornalismo

A mudança está sendo creditada a dois fatores: o surgimento de iniciativas online e de rádios comunitárias.

Bahia, Ceará e Pernambuco são, proporcionalmente, os estados com menos desertos de notícias. Somente na Bahia, o Atlas mapeou 830 veículos, sendo 274 rádios, 449 online, 76 impressos e 31 TVs.

“Ecossistema digital não transformou radicalmente concentração de poder”, avalia membro do Intervozes

André Pasti é geógrafo, professor da UFABC e membro do Intervozes

O novo ecossistema digital brasileiro não conseguiu transformar a concentração de poder da comunicação no país. A avaliação é do pesquisador, geógrafo e membro do coletivo Intervozes de Comunicação André Pasti. Ele é professor da Universidade Federal do ABC e, a pedido da agência SAIBA MAIS, avaliou os dados do mais novo mapeamento do Atlas da Notícia sobre os desertos de informação do Brasil.

Segundo Pasti, a pesquisa mostra que a internet segue sendo um espaço de monopólio dos grandes meios de comunicação:

- O ecossistema digital não transformou radicalmente a concentração de poder. A concentração do poder comunicacional continua bastante centralizada nos grupos dominantes. Quando a gente fala da audiência, o (ecossistema) digital também é bastante concentrado nos grandes grupos de mídia brasileira, que passam a ter um comando desse digital. A pesquisa mostra que é um comando bastante concentrado, especialmente no Rio de Janeiro e na região metropolitana de São Paulo, com 73% das sedes dos grandes grupos de mídia do Brasil. Então a circulação de grande alcance no Brasil parte muito desse lugar, desses lugares que impõe uma certa lógica. E funciona para a questão global. Também no digital, a tendência da produção de noticias é mais forte nas agencias internacionais, transnacionais, as grandes atacadistas de notícias que passam a fornecer mais notícias, até para os veículos pequenos, inclusive sobre o próprio Brasil.

Essa concentração midiática, opina Pasti, tem grande impacto no tipo de conteúdo oferecido ao público. E que, em certa medida, mesmo veículos que produzem jornalismo local estão atrelados a grandes grupos de mídia:

- Isso tem um impacto gigantesco para a diversidade regional de ideias, mas cabe dizer que municípios que têm um jornal local, muitas vezes são jornais veiculados a elites regionais e locais, às vezes retransmissores de grandes grupos. Ter um jornal local não é sinônimo de boa comunicação. Mas, sem dúvida, a ausência da mídia regional e local em sua diversidade ameaça a diversidade de ideias e, sem diversidade de ideias, não há democracia. Então, a ameaça à democracia está baseada no entendimento de que só há democracia com diversidade e pluralidade de ideias e circulação. E isso não é apenas de pontos de vistas gerais do Brasil. É entender que as diversas regiões têm culturas próprias, situações, dinâmicas próprias, problemas particulares que precisam ser compreendidos e tratados com suas abordagens”.

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