Desinformação e mentiras sobre vacinas e suas consequências
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Desinformação e mentiras sobre vacinas e suas consequências

8 de outubro de 2023
12min
Desinformação e mentiras sobre vacinas e suas consequências

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O prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia de 2023 foi para a cientista Katalin Karikó (nascida na Hungria e professora da Universidade de Pensilvânia) e o cientista norte- americano Drew Weissman (professor da mesma Universidade). A premiação foi dada em função das "descobertas relacionadas às modificações nas bases nucleotídicas que permitiram o desenvolvimento das vacinas de mRNA contra a covid-19".

Como todas as premiações desta e de outras áreas do Nobel, foi resultado de anos de pesquisa e que, no caso, resultou em beneficio para milhões de pessoas no mundo.

No entanto, há quem ainda duvide da eficácia das vacinas. Um artigo publicado em abril de 2019 na revista GalileuEpidemia de ignorância: movimento contra vacinas gera preocupação mundial” por Lucas Ferraz se refere a doenças como o sarampo que havia voltado em alguns países da Europa em meio a uma onda negacionista sobre a eficácia das vacinas que ameaçava (e ainda ameaça) à saúde pública

No artigo há referência a Massimiliano Fedriga, governador de Fruili-Venezia Giulia (norte da Itália) e membro da Liga, partido da extrema direita. Ele virou motivo de chacota não apenas na Itália em função de suas declarações contra as vacinas. Foi um dos expoentes do movimento que pregava a “liberdade da vacinação”.

A matéria informa que ele foi hospitalizado na época “vítima da doença cuja melhor maneira de prevenção é exatamente a vacina” Depois da internação se disse espantado com o ambiente “tóxico e extremista” sobre a questão, classificando como uma “guerra típica das torcidas organizadas”, afirmando ter sido “vítima do que é o principal motor contra as vacinas: a desinformação”. Uma sensata autocrítica.

Como afirma o relatório do UNICEF, órgão da ONU para a infância “A verdadeira infecção é a desinformação”.

Em 2019, a Organização Mundial da Saúde considerou que a resistência à vacinação era uma grande ameaça à saúde global, citando os surtos de sarampo, que tinha aumentado 300% no mundo nos primeiros três meses em comparação ao mesmo período do ano anterior (crescimento maior na África, 700% e na Europa, 300%).

Como diz Lucas Ferraz no citado artigo “Como acontece com os terraplanistas, os descrentes do aquecimento global e os que acreditam que o nazismo era de esquerda, o principal canal difusor das (des) informações é a internet, especialmente redes sociais, que contribuíram para o crescimento de doenças e a resistência de pessoas a se vacinarem”.

Possibilidades de informações a respeito da importância das vacinas é que não faltam. Entre muitos exemplos, pode ser citado o conjunto de estudos e pesquisas do Centro Europeu de Prevenção e Controle de Doenças (ECDC) que sempre defendeu a vacina “como o principal meio de prevenção de doenças e uma das medidas de saúde pública com melhor relação custo-eficácia” e a imunização como a melhor defesa contra doenças contagiosas graves e que podem ser fatais.

No início de 2020, chegou à pandemia global da covid-19. Com ela, os negacionistas continuaram a divulgar mentiras e desinformação. Ao longo do ano e no seguinte, uma série de teorias da conspiração e campanhas de desinformação ganhou impulso online em meio ao aumento das taxas de infecção e mortes de Covid-19 em todo o mundo.

No entanto, sem as vacinas, milhões de pessoas poderiam ter morrido como ocorreu com os que não se vacinaram, sendo alguns por (ainda) não haver vacinas e outros, por ignorância e desinformação. E o pior é que, passados três anos desde o início da pandemia e milhões de mortes, muitos ainda duvidam da eficácia das vacinas.

Segundo Paula Larsson, doutoranda no Centro de História da Ciência, Medicina e Tecnologia da Universidade de Oxford no artigo Movimentos anti-vacina usam argumentos do século 19 Sempre houve indivíduos que capitalizam em crises médicas para promover sua própria agenda e, na era moderna da mídia digital, estratégias de desinformação evoluíram e se expandiram” e que conforme se aproximava a produção e distribuição mundial da vacina contra a Covid-19 esperava-se “ver cada vez mais esses cruzados publicando argumentos contra a vacinação. Quebrar padrões de argumentos vistos repetidamente no passado pode fornecer uma lição útil para combatê-los no futuro”.

Um artigo publicado em 13 de outubro de 2020, Desmentindo as fake news sobre vacinas na revista Cultura e Sociedade da Unicamp, de autoria de Luiz Carlos Dias, Professor Titular do Instituto de Química e membro titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC), argumenta em defesa das vacinas e sobre a necessidade de se combater as fake news. É um artigo esclarecedor sobre a eficácia das vacinas e um libelo contra as noticias falsas sobre o tema.

Ele cita uma pesquisa do Instituto Ibope, publicada no dia 07/09/2020 que constatou que em torno de 20% da população brasileira poderia não se vacinar contra a Covid-19, quando uma vacina estivesse disponível e outra do Instituto Datafolha um mês depois, constou a mesma coisa em uma pesquisa realizada nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Recife: não iriam se vacinar ou ainda estavam em dúvida.

Uma das razões era justamente por acreditarem em notícias falsas, como entre muitas outras, que as vacinas não eram seguras; o receio de tomar a vacina e se contaminar com o novo coronavírus; que ela poderia alterar o DNA e causar outras doenças (como autismo) e até mesmo poderia ter um chip implantado para controle populacional.

Uma matéria publicada em 3 de dezembro de 2020 Vacina não altera DNA nem tem microchip: as mentiras sobre imunização contra o coronavírus de Flora Carmichael e Jack Goodman afirma que “uma equipe de repórteres da BBC analisou algumas das informações falsas sobre vacinas mais amplamente compartilhadas nas redes sociais, desde supostas tramas para colocar microchips em pessoas até a suposta reengenharia do código genético” mostrando que se tratava de mentiras intencionais, para engabelar incautos.

Em relação às mentiras sobre as alterações do DNA diz “Não existe possibilidade de que vacinas de DNA e de mRNA alterem nosso DNA, pois não são inseridos dentro do genoma humano e não vão nos tornar seres humanos geneticamente modificados”.

E a quem se deve tanta desinformação? Ela foi resultado de um articulado e influente nas redes sociais de um criminoso e irresponsável movimento antivacinas. Como combater as notícias falsas? Como fazer para que, através das redes sociais, chegar informação científica, confiáveis, como a de que elas servem para prevenir e não causar doenças? Houve e há um inegável impacto da infodemia (excesso de informação, que contribui para criar um cenário de dúvidas e incertezas de qual informação é confiável) e das teorias da conspiração na saúde pública. No caso da pandemia, contribuiu para o aumento do número de contaminação, internações e mortes pela Covid-19.

O problema da desinformação não é específica no Brasil. Luiz Carlos Dias no citado artigo se refere a um estudo do Avaaz mostrando que, entre 2019 e 2020, notícias falsas publicadas no Facebook, relacionadas à área de saúde, foram acessadas cerca de 3,8 bilhões de vezes apenas nos Estados Unidos, Reino Unido, França, Alemanha e Itália (...) cerca de quatro vezes maior quando comparado aos acessos de notícias confiáveis e seguras de contas de dez grandes instituições de saúde, entre elas a Organização Mundial da Saúde e o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA”.

A eficácia e importância das vacinas estão no fato de que milhões de vidas foram (e continuam sendo) salvas. A varíola, por exemplo, matou milhões de pessoas no mundo e graças às vacinas, foi erradicada, da mesma forma em relação à paralisia infantil (poliomielite), sarampo, catapora, caxumba, rubéola, tétano, difteria, coqueluche, meningite meningocócica, tuberculose, hepatites A e B, HPV, influenza, pneumonia, raiva, entre outras.

Embora existam algumas poucas contraindicações, em especial em pessoas que têm problemas de imunidade, ou que tem comorbidades, os benefícios são bem maiores do que eventuais riscos. Todas as vacinas são resultados de pesquisas, passam por um processo longo de desenvolvimento, de testes, antes de serem aprovadas e seguem inúmeros protocolos para garantir que sejam eficazes e seguras. Na investigação dos casos notificados de eventos adversos relacionados às vacinas contra covid-19 o Ministério da Saúde concluiu que as 510 milhões de doses aplicadas até março de 2023 foram responsáveis por apenas 50 óbitos.

E qual foi o comportamento do governo brasileiro durante a pandemia? De negação, da “gripizinha” à negativa de comprar vacinas. Uma matéria publicada em 6 de junho de 2021 por Fernando e Natália Canzian informou que o governo Jair Bolsonaro recusou vacinas da Pfizer em 2020 (70 milhões de doses) à metade do preço pago por Estados Unidos, Reino Unido e União Europeia. E diz que “A vacinação antecipada teria evitado mortes e os prejuízos bilionários provocados pelo fechamento da economia”

Sem vacina, como se sabe, a ocupação no trabalho caiu, aumentando a desigualdade e a pobreza extrema no país, levou a série histórica de desemprego do IBGE a um recorde: 14,7%, com 14,8 milhões de desocupados.

Com o atraso nos contratos, as primeiras doses da Pfizer só chegaram ao país em abril de 2021, oito meses entre a primeira oferta e a entrega. O vice-presidente da CPI da Covid, senador Randolfe Rodrigues, afirmou que houve 53 emails enviados pela Pfizer ao governo a partir de agosto cobrando resposta a oferta, que não foram respondidos.

Como se constatou durante a pandemia o presidente uniu sua descrença nas medidas de combate ao coronavírus – confinamento, máscara, vacina – com um boicote especialmente em relação às iniciativas do governador de São Paulo João Dória para combater a pandemia. No dia 11 de junho de 2020 quando o Instituto Butantã anunciou um acordo com a chinesa Sinovac e o país registrava 40.919 mortes e “os bolsonaristas promoveram um boicote nas redes sociais, pedindo que as pessoas não tomassem a “vacina chinesa do Doria” (e até uma hashtag “vacinachinesaNAO”. Pouco mais de um mês depois, em 30 de julho foram contabilizados 91.263 mortos.

Só em janeiro de 2021, quatro meses depois, o governo revelou que decidira não fechar negócio com a Pfizer porque ela exigia não ser responsabilizada juridicamente por eventuais efeitos adversos de sua vacina (exigência que também foi feita aos demais países e aceita), mas que o governo brasileiro considerou inaceitável.

Uma matéria publicada em 24 de setembro de 2023 por Vinícius Lisboa - Repórter da Agência Brasil - ao ouvir especialistas na Jornada Nacional de Imunizações, realizada em Florianópolis, organizada pela Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) ao avaliarem os impactos de fake news na vacinação, afirmam que “A enxurrada de desinformação que passou a circular na pandemia de covid-19 com mais força deixou sequelas, impactou serviços de saúde e se comporta como uma epidemia”.

Se contrapor ao movimento antivacina é de fundamental importância porque ele exerce influência em parcelas significativas da população, como atestam os dados, mesmo no auge da pandemia, em relação à vacinação. Os que criticavam a vacinação, defendiam o chamado “tratamento precoce” que incluía hidroxicloroquina, azitromicina, nitazoxanida e ivermectina, que conforme pesquisas como da Fiocruz, seu uso contra a Covid não tem qualquer comprovação científica de eficácia.

No artigo Não se combate pseudociência com pseudofilosofia – edição do mês de setembro de 2023 da revista Cult - Luiz Henrique de Lacerda Abrahão do Departamento de Educação do Cefet/MG e Patrícia Kauark-Leite do Departamento de Filosofia da UFMG se referem ao que chamaram de “tecnodesinformação” “ que muitos preferem denominar de fake news” – que foi “ uma estratégia utilizada pelo governo de extrema direita de Jair Bolsonaro com fins políticos e trouxe à tona uma onda de negacionismo científico, irracionalismo e fanatismo. Assim, em meio a campanhas midiáticas de contrainformação científica, muitos brasileiros acreditaram que o consumo de vitamina D, C ou água com limão poderia evitar o contágio do vírus; que ivermectina, eficaz no combate a pulgas e carrapatos, e cloroquina ou hidroxicloroquina, utilizados para tratamento de malária, atuariam como profilaxia, tratamento precoce ou tardio da doença, mesmo com a negativa das próprias farmacêuticas fabricantes dos medicamentos; e ainda que o mecanismo de ação desses antiparasitários fosse semelhante ao de antivirais” ().

Informar é o grande desafio. O Ministério da Saúde alega que a desinformação é a razão principal para a resistência à vacinação. Muitas pessoas são vítimas da desinformação, se desinformando por meio de grupos em redes sociais que colocam em dúvida a segurança e eficácia das vacinas. Hoje, o Sistema Único de Saúde (SUS) oferece gratuitamente à população 19 vacinas, responsáveis por prevenir mais de 40 doenças. Daí a importância da retomada das coberturas vacinais no país. Em Fevereiro de 2023 foi criado o Movimento Nacional pela Vacinação com foco não apenas contra a covid-19 e outras doenças, como prioridades para fortalecer o SUS e cultura de vacinação no país.

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