Minirreforma eleitoral: avanço ou retrocesso?
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Minirreforma eleitoral: avanço ou retrocesso?

1 de outubro de 2023
10min
Minirreforma eleitoral: avanço ou retrocesso?

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No dia 23 de agosto de 2023 foi criado pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), o Grupo de Trabalho (GT) para a elaboração de uma minirreforma eleitoral constituído por sete parlamentares, sendo coordenado pela deputada Dani Cunha (União-RJ) e como relator o deputado de Rubens Pereira Jr. (PT-MA).

O prazo para a elaboração de um relatório e votação no Congresso (Câmara dos Deputados e Senado) deve ser até o dia 5 de outubro de 2023 (A Constituição Federal determina que mudanças de regras eleitorais devam ser aprovadas pelo Congresso Nacional até um ano antes das próximas eleições. Trata-se do chamado “princípio da anualidade eleitoral”).

Em discussão na Câmara dos Deputados, no dia 13 de setembro de 2023 foi aprovado um conjunto de propostas (com 367 votos favoráveis, 86 contra e uma abstenção) e encaminhada para o Senado. Caso seja votada e não haja mudanças em relação à proposta da Câmara, será encaminhada para sanção do Presidente da República e assim as regras passam a valer nas eleições municipais de 2024. Se o prazo não for cumprido, as novas regras terão validade apenas nas eleições de 2026.

Essencialmente o que se propõe é o que chamaram de “a modernização das regras eleitorais”, mas é isso mesmo? O que consta no projeto aprovado? Entre outros aspectos, altera a Lei da Ficha Limpa, fragiliza a transparência eleitoral e a prestação de contas (proíbe que recursos dos partidos possam ser dados como garantia ou bloqueados) restringe a inelegibilidade por improbidade administrativa ao exigir que a ação seja intencional, com lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito simultaneamente e possibilita ainda que o candidato que (comprovadamente) comprar votos não seja cassado, desde que pague uma multa (a ser estipulada). Hoje, a legislação pune o crime com multa e cassação do mandato.

Também libera doações de pessoas físicas pelo PIX (em que apoiadores possam fazer doações de qualquer valor para as campanhas, o que não é permitido atualmente). Quem fizer doações a candidatos via Pix poderá fazer isso sem ser em uma chave Pix de CPF e os partidos terão que apresentar as informações do doador em até 72h.

Acaba também com as prestações de contas parciais feitas no meio da campanha eleitoral (atualmente são exigidas aos partidos, coligações e candidatos), flexibiliza o uso dos recursos para campanhas femininas, permitindo que o dinheiro seja usado em despesas de candidatos homens desde que "haja benefício para campanhas femininas e de pessoas negras".

E em relação às candidaturas femininas, estabelece uma data limite para o repasse de recursos obrigatórios às mulheres candidatas e evitar condutas que configuram fraude à cota de candidaturas femininas, além de definir melhor as condutas tipificadas como crime de violência política contra a mulher. O objetivo é o de “proteção de candidatas e das mulheres no exercício do mandato” e que se autorize o uso de recursos do Fundo Partidário para contratação de serviços de segurança pessoal das candidatas, detentora de mandato ou qualquer mulher em razão de atividade partidária política ou eleitoral que possam ser enquadradas como vítimas de violência política de gênero.

Quanto às Federações Partidárias (criadas em 2021 e valeu nas eleições de 2022) foram aprovados critérios diferentes possibilitando que partidos possam preencher a cota de gênero sem apresentar candidatas. Quando os partidos infringirem alguma regra, a sanção é individualizada, mas quando for necessário preencher a cota de 30% de candidaturas femininas, por exemplo, a conta é feita de forma global, de modo que uma sigla possa não apresentar nenhuma mulher candidata, contanto que os demais partidos compensem. Assim, o porcentual mínimo de candidaturas por gênero, previsto em 30%, deverá ser analisado na lista federação e não em cada partido. Isso significa afirmar que é possível cumprir a cota se houver 30% de candidaturas femininas no somatório geral das candidaturas apresentadas pelos partidos, ou seja, um partido pode não apresentar nenhuma mulher como candidata, desde que os demais consigam atingir a cota de 30% no somatório geral.

E aprovado ainda que os recursos do Fundo Eleitoral e do Fundo Partidário não poderão mais ser dados em garantia ou bloqueados, e veda a determinação judicial de bloqueio dos bens, exceção em casos de má administração dos bens.

Sobre as contas partidárias é para que sejam tratadas de forma isoladas, para evitar que se o diretório de um partido tiver pendências quanto à prestação de contas com a Justiça Eleitoral, não prejudique a federação e propõe ainda o fim da exigência de recibo eleitoral manual, a ser substituído pelo modelo eletrônico.

Quanto a financiamento da campanha (e regras para os gastos de pré-campanha) embora o tema tenha sido discutido, não foi proposta detalhamentos sobre mudanças pretendidas, como, por exemplo, como assegurar a igualdade de condições para os candidatos, houve apenas a intenção de "ajustes pontuais com vista a correções de aspectos controversos dessa matéria".

E em relação à propaganda eleitoral, foram aprovadas propostas de novas regras para a propaganda (como a propaganda conjunta, "dobradinhas" entre partidos e candidatos); propaganda na internet e impulsionamento nas redes sociais (como regulamentar a atuação de influenciadores digitais e dar maior transparência em relação aos financiamentos das propagandas). A proposta é de que as plataformas mantenham um cadastro público, atualizado em tempo real, que permita a identificação de todos os financiadores de campanha.

Entre o que pode ser considerados como retrocesso está à dispensa da apresentação de certidões judiciais de “nada consta” pelos candidatos. Esses documentos revelam a lista de processos quando o político responde a processos judiciais. Outro é a flexibilização na transparência, ao vetar aos candidatos apresentarem dados sobre subcontratados em caso de compra de serviço de empresa terceirizada. Nesse sentido, os órgãos de controle não saberão quem foi contratado, qual a função, quanto trabalharam etc., e ainda que os partidos podem não precisar destinar uma quantidade mínima de recursos para candidaturas negras (Desde 2020 os partidos são obrigados a distribuir os recursos de forma proporcional ao sexo e raça das pessoas que disputam cargos eletivos).

Foi aprovado também alterações em relação à Lei da Ficha Limpa, como a mudança do início do prazo de inelegibilidade de quem tiver o mandato cassado. Atualmente este prazo começa a correr “após o cumprimento da pena” e o projeto padroniza o cálculo dos oito anos de proibição de candidatura a partir da decisão que interrompeu o mandato, e não após o cumprimento de pena, em caso de condenação judicial. O mesmo valeria em relação aos parlamentares cassados nos Legislativos municipais, estaduais ou no Congresso Nacional.

O fato é que o que foi denominado de minirreforma eleitoral, ou seja, o conjunto das propostas que foram aprovadas teve um prazo muito curto para discussão no Congresso. Foi aprovada na Câmara dos Deputados em menos de um mês desde a constituição do Grupo de Trabalho, sem uma ampla discussão, inclusive com especialistas de fora do Congresso. Como afirmou Raul Pont no artigo A minirreforma eleitoral e outro atraso democrático (Revista Democracia e Socialismo/ setembro de 2022) “A Câmara Federal acaba de votar novas alterações sem nenhum conhecimento público, sem nenhuma participação dos cidadãos e da sociedade. Nem os filiados aos partidos políticos tiveram chance de conhecer, opinar e participar desse processo”.  Do início do GT ao prazo final da votação, são apenas um mês e 15 dias, com dois dias de realização de audiências públicas (29 e 30 de agosto).

Há temas relevantes não discutidos como o aumento significativo de recursos públicos destinados aos partidos políticos. Em 2022, foram quase R$ 6 bilhões. Vai ser mantido ou (mais provável), ampliado? Propostas como essas, de claros impactos nas eleições, deveriam ser feitas com mais transparência e controle social, essencialmente quanto à utilização de recursos dos partidos e não a aprovação de regras em beneficio dos próprios parlamentares, sem uma discussão mais ampla com a sociedade e especialistas.

E temas que não foram contemplados, como cota de gênero no lançamento de candidaturas e propostas para anistiar partidos pelo descumprimento do mínimo de recursos para candidaturas femininas, por exemplo, que não fazem parte da minirreforma e tramitam em separado no Congresso, sem prazo de votação.

Com um congresso majoritariamente de direita, caso aprovado, seria a reforma possível. Não se trata de uma reforma política, que é muito mais ampla e envolve o sistema político, partidário e eleitoral. Desde a promulgação da Constituição de 1988 houve várias tentativas, como as comissões especiais temporárias de reforma política nos governos de Fernando Henrique Cardoso (relatório final apresentado em 1998) e também nos dois governos de Lula e no de Dilma Rousseff, que embora amplamente discutidos, tanto no Congresso Nacional como com a participação de especialistas, audiências públicas etc., não foi aprovada no Congresso Nacional (a quem cabe) uma ampla e profunda reforma política – apenas algumas mudanças pontuais, como entre outras, a Lei da Ficha Limpa (2010), fim do financiamento privado de campanhas eleitorais, fidelidade partidária e proibição de coligações em eleições proporcionais. Importantes, mas ainda insuficientes quando se trata de uma ampla (e necessária) reforma política e não apenas uma minirreforma eleitoral.

Esta minirreforma, como disse Raul Pont no citado artigo “foi aprovada a ‘toque de caixa’, mudanças que favorecem interesses pessoais dos próprios parlamentares, fragilizam os partidos, fraudam cotas de gênero, prejudicando candidaturas femininas e deturpam a necessária coerência programática que os partidos e candidatos deveriam apresentar no debate democrático na sociedade”.

De qualquer forma, em função do tempo, talvez não seja votada no Senado. Uma matéria publicada por Igor Gadelha no site Metrópoles em 26 de setembro de 2023 tem como título Presidentes de partidos jogam a toalha da minirreforma eleitoral, informando que “Dirigentes partidários já admitem que minirreforma eleitoral não será aprovada a tempo de valer para as eleições municipais de 2024”. E , segundo a matéria, o “motivo, dizem, foi a decisão do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), de colocar a minirreforma para tramitar junto ao projeto do novo código eleitoral, proposta com quase mil artigos” (https://www.metropoles.com/colunas/igor-gadelha/presidentes-de-partidos-jogam-a-toalha-da-minirreforma-eleitoral).

Mas há um conjunto de propostas já aprovadas pela Câmara dos Deputados e para ser votada no Senado e mesmo não sendo aprovadas para as próximas eleições, poderá entrar em vigor para as eleições de 2026, e assim, ao contrário da modernização e avanços com que procuraram justificar sua aprovação na Câmara dos Deputados, a minirreforma eleitoral representará não avanços, mas retrocessos, pelas razões explicitadas.

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