Atentado contra democracia foi resquício da ditadura, diz ex-juiz
Natal, RN 17 de mai 2024

Atentado contra democracia foi resquício da ditadura, diz ex-juiz

9 de janeiro de 2024
10min
Atentado contra democracia foi resquício da ditadura, diz ex-juiz
Ato golpista do dia 8 de janeiro em Brasília | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

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Os atos golpistas do 8 de janeiro de 2023 completaram um ano nesta segunda-feira (8). Entre os mais de 2,1 mil presos, estavam ao menos oito potiguares, que já passaram pelo Complexo Penitenciário da Papuda e atualmente estão em liberdade, mas monitorados por tornozeleiras eletrônicas.

Dentro deste grupo, apenas um está em julgamento no momento. É Cleodon Oliveira Costa, de 61 anos. Ele faz parte da lista dos 29 réus que passam pelo plenário virtual do Supremo Tribunal Federal (STF). A sessão iniciou em 15 de dezembro e segue até 5 de fevereiro. 

Até o momento, Moraes e Gilmar Mendes já votaram pela condenação dos réus pelos crimes de associação criminosa armada, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.

Para o advogado e ex-juiz eleitoral Wlademir Capistrano, os mais de 20 anos em que o Brasil viveu uma ditadura militar, de 1964 a 1985, guardam relação com as tentativas golpistas que o país ainda enfrenta até hoje.

A abertura “lenta, gradual e segura” do regime democrático, que foi o slogan cunhado durante o governo Geisel, lembra Capistrano, foi mediada por meio de uma saída “negociada” da ditadura.

“‘Negociada’ porque, na verdade, ela foi imposta por quem estava governando na época da ditadura. A oposição não tinha o que fazer, não tinha como negociar. Ou aceitava daquele jeito ou não tinha outra opção”, afirma. 

“Isso implicou numa ideia de esquecimento dos crimes que foram praticados durante a ditadura: a tortura, a perseguição política”, conta. 

A anistia ampla, geral e irrestrita beneficiou inclusive os torturadores. O Brasil depois vivenciou a Assembleia Nacional Constituinte de 1987 e a formação de uma nova Constituição no ano seguinte.

“E, em nenhum momento pós-ditadura, a gente conseguiu levar para os tribunais, para a Justiça, os crimes que foram praticados pelos agentes da ditadura. E isso deixou o Brasil, sem nenhuma dúvida, numa situação em que a impunidade dos agentes do Estado foi premiada. Isso tudo de 1985 em diante”, aponta.

De acordo com Capistrano, esse processo ficou “mascarado” por décadas, eclodindo de vez com a eleição de Jair Bolsonaro (PL) à presidência em 2018.

“Foram quatro anos em que foi cultuado esse saudosismo das pessoas com o regime militar”, registra.

“Isso tudo, claro, resquício da impunidade que vem da época da ditadura. E o 8 de janeiro de 2023 foi o ponto alto disso tudo, quando o ex-presidente Jair Bolsonaro perde a eleição e os seguidores dele não aceitam o resultado e começam a partir para essa ideia [de ruptura institucional]”.

Segundo o ex-juiz eleitoral, o 8 de janeiro é o resultado do saudosismo pelo regime militar e da sensação de impunidade que restou da ditadura.

“Como o Brasil nunca puniu esses agentes que praticaram esses crimes, ficou na população essa ideia de que o militar resolve tudo, de que a tortura pode sim ser um instrumento de investigação, e isso infelizmente corre ainda, permeia a sociedade. E eclodiu no 8 de janeiro que é resultado dessa não punição dos crimes da ditadura”, aponta.

Punição para não esquecer

Wlademir Capistrano elogia a atuação firme do Poder Judiciário, principalmente do STF, na condução do inquérito sobre os atos antidemocráticos. 

“O Supremo tem punido essas pessoas e essa punição é uma sinalização importante para que esse tipo de crime não volte a ser cometido. Pedir o golpe militar, pedir a interrupção do funcionamento das instituições democráticas é crime no Brasil, está tipificado no Código Penal. Isso não é direito à liberdade de expressão. Ao contrário, é crime”, afirma.

Ele, porém, faz uma ressalva: é preciso avançar contra os mentores intelectuais e os financiadores.

“É importante sim as punições que estão sendo empreendidas pelo Supremo Tribunal Federal, mas é importante também que isso avance para alcançar os financiadores e para alcançar os autores intelectuais dos atos de 8 de janeiro.”

Cleodon Oliveira Costa, o primeiro potiguar que pode ser condenado 

Costa foi preso em flagrante pela Polícia Militar do Distrito Federal no interior do Palácio do Planalto, no instante em que ocorriam as depredações golpistas.

Ele chegou a tirar fotos durante a invasão à Praça dos Três Poderes e ainda se feriu, tendo deixado vestígios de DNA em um lenço com sangue e em um boné, segundo mostra o documento do voto do ministro Alexandre de Moraes, relator do caso no STF.

Também por estar passando por julgamento, é o único dos potiguares que teve até o momento sua conduta golpista destrinchada em sessão virtual do STF. Os demais potiguares, que passaram pelo último julgo ainda no primeiro semestre do ano passado para saber se iriam ter ações penais abertas contra si ou não, receberam, no geral, denúncias genéricas, próximas umas às outras. 

E os outros?

Os demais potiguares que aguardam o julgamento ser marcado no STF são:

ANTONIO FIDELIS DA SILVA FILHO 13.06.1978

DAYWYDY DA SILVA FIRMINO 27.08.1992

MAXWELL GUEDES DE ARAUJO 19.02.1979

FRANCISCA IVANI GOMES 10.04.1987

FRANCISCO OLIVEIRA GERMANO 30.11.1973

JANE KEL PINHEIRO BORGES 11.05.1969

THIAGO DE LIMA PINHEIRO 21.5.1985

Esse número já chegou a 10, mas depois sofreu alterações após a Secretaria de Administração Penitenciária do Distrito Federal (Seape-DF) retificar os locais de origem dos presos.

Antonio Fidelis da Silva Filho

Em abril, alguns dos potiguares participaram de um primeiro julgamento no STF para saber se seriam confirmados como réus ou não. No dia 24 daquele mês, três potiguares participaram juntos de um julgamento: Antonio Fidelis da Silva Filho, Cleodon Oliveira Costa e Daywydy da Silva Firmino.

Na defesa, os réus são apresentados como “pessoas comuns”, sendo um deles com “residência fixa e emprego fixo, sem ter qualquer atitude que desabone a sua conduta”. A defesa é de responsabilidade da Defensoria Pública da União (DPU), que ainda questionou a prerrogativa do STF para julgar as ações.

Dos três, apenas Antonio Fidelis da Silva Filho ainda morava no Rio Grande do Norte à época, com residência no bairro Dix-Sept Rosado, zona Oeste de Natal. Em seu relatório, o ministro Alexandre de Moraes afirmou que Filho estava no acampamento golpista em Brasília ciente dos objetivos criminosos do grupo, embora não haja comprovação que o potiguar estava entre a “turba violenta” que invadiu as sedes dos Três Poderes.

A prisão do homem aconteceu no dia seguinte, na manhã de 9 de janeiro de 2023, quando foi preso em flagrante em frente ao Quartel General do Exército em Brasília, em cumprimento a ordem de Moraes, que determinou a desocupação e dissolução total, em 24 horas, dos acampamentos realizados nas imediações dos Quartéis Generais.

Naquela ocasião, a defesa, feita pela advogada e defensora pública Geovana Scatolino, ainda disse que o STF não tem competência para julgar a ação, pois são pessoas comuns, sem foro privilegiado. 

Daywydy da Silva Firmino 

A Agência SAIBA MAIS mostrou ainda em janeiro que Firmino chegou a publicar dois vídeos de dentro da Academia da Polícia Federal logo após ser preso. 

Ele possui residência em São Paulo, mas estava no acampamento golpista da capital federal. Antes disso, viveu em Natal e estudou na capital. Segundo uma publicação em sua própria rede social, Dayvydy se formou em 2016 no curso de comissário de bordo na Fly Natal, uma escola de aviação localizada na zona Sul da cidade.

Firmino foi preso em flagrante em 9 de janeiro de 2023, em frente ao Quartel General do Exército, “local onde incitava, publicamente, a animosidade das Forças Armadas contra os poderes constituídos”, segundo aponta uma petição assinada pelo ministro Alexandre de Moraes. Ele ganhou a liberdade provisória em 4 de maio.

Maxwell Guedes de Araújo

Segundo Moraes, o denunciado associou-se, por intermédio de uma estável e permanente estrutura montada em frente ao Quartel General do Exército Brasileiro, sediado na capital do País, aos outros criminosos no intuito de modificar abruptamente o regime vigente e o Estado de Direito, a insuflar “a população e as Forças Armadas à tomada do poder”, à subversão da ordem política e social, gerando, ainda, animosidades entre as Forças Armadas e as instituições republicanas. 

Francisca Ivani Gomes

Já como integrante da associação criminosa, a mulher participou das manifestações e gritos de ordem dentro do movimento para incitar a animosidade das Forças Armadas contra os Poderes Constitucionais à tomada do poder. 

“No dia 8 de janeiro de 2023, alguns dos acampados, embora não se tenha notícia até o presente momento de que a denunciada estivesse entre eles, participaram dos atos de depredação ocorridos na Praça dos Três Poderes, quando uma turba violenta e antidemocrática avançou contra os prédios do Congresso Nacional, do Palácio do Planalto e do Supremo Tribunal Federal”, aponta o voto do relator.

Francisco Oliveira Germano

No Portal da Transparência, está associado ao município de Itu, no interior de São Paulo. O site informa que ele recebeu R$ 8.850,00 de auxílio emergencial durante a pandemia.

Jane Kel Pinheiro Borges

Apesar de ser potiguar, Jane Kel Pinheiro Borges possui residência em Palmas, no Tocantins. Ela foi mais uma presa somente no dia seguinte (9 de janeiro) no acampamento golpista de Brasília, onde estava, segundo Moraes, “incitando publicamente animosidade das Forças Armadas contra os Poderes Constitucionais.”

Em seu voto, que a fez se tornar réu em junho do ano passado, Moraes afirmou que Borges estava “plenamente ciente dos objetivos delituosos de quem ali se encontrava”. 

“A denunciada, com absoluta consciência e vontade, até porque as manifestações, faixas, gritos de ordem, marchas e outras formas de expressão eram públicas e ostensivas, aderiu ao grupo de acampados e aos seus dolosos fins ilícitos, passando a integrar a associação criminosa que estavelmente se instalou em frente ao Quartel General do Exército”, afirmou.

Thiago de Lima Pinheiro

Nascido em 21/05/1985, seus dados no Portal da Transparência estão associados a Natal. A plataforma mostra ainda que durante a pandemia, ele recebeu R$ 8.850,00 de auxílio emergencial ao longo de 16 parcelas. A última foi paga em outubro de 2021.

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