Cagões
Natal, RN 8 de mai 2024

Cagões

14 de fevereiro de 2024
3min
Cagões
Foto: Reprodução Instagram

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O veraneio e o carnaval despedem-se do calendário tendo a merda por signo derradeiro. Em vez de esperar pelas águas límpidas de março, brotando das imagens líricas e oníricas da canção clássica, o verão já se recolhe com as redes e os guarda-sóis que coloriram as varandas e as resenhas. A estação solar e perfumosa cede à maré de excrementos que o bolsonarismo, momentaneamente redivivo com sua linguagem degradada e seus costumes antirrepublicanos, despeja na orla da operação policial Hora da Verdade, que atingiu mais um bando de golpistas na corte do já ido.

A operação é um passo adiante na esperança de que a punição não se restrinja aos idiotas úteis, que vestem fantasias de patriotários e mitificam espertalhões. Ela tem, contudo, efeito colateral maléfico: empesteia outra vez a retórico cotidiana da política, que, após a posse de Lula, atingira níveis de higidez inéditos nos quatro anos anteriores. A derrota da besta livrara-nos da sua coprolalia diária, agora reprisada à farta. Os vídeos e as transcrições de conversas por aplicativos apresentados como evidências da trama estão cheios de merda e outros correlatos – cagada, cagão, cagar, cuzão.

O timbre escatológico infiltrou-se no carnaval pelas vozes das divas Ivete Sangalo e Daniela Mercury, em episódios distintos. Ivete reagiu em modo excrementício aos pipocos provocados pelo vazamento do gás usado em efeitos especiais no seu trio elétrico: “Que susto da porra! Pensei que era a Caverna do Dragão. Deus o livre! Pense que eu estou toda cagada!” Antes, Daniela já havia ‘feito’ na cabeça de um folião que tentou, aos gritos, impedi-la de falar durante uma parada do trio. Irritado, o macho gritou que ela voltasse a cantar. Empoderada, a cantora tacou bosta na criatura do pântano: “Vai te lascar, porra! Vá à merda!”

Mercury e Sangalo não são bolsonaristas, nem fazem da coprolalia padrão de linguagem. Nelas, os palavrões fétidos têm função interjetiva, circunstancial, de desabafo. São, portanto, um recurso de expressão excepcional e saudável, não o doentio hábito de quem vive no mundo plano do Bolsoverso, a excretar estupidez.

A coincidência dos incidentes com o repique da barbárie talvez se explique pelo caso de Daniela. A tentativa de calá-la deve ter sido obra de bolsonarista, pois a misoginia – tal como o racismo, a homofobia, a burrice e outras modalidades de rebaixamento do humano em nós – é componente da matéria fecal que constitui e retroalimenta essa primitiva forma de vida. 

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