Não é só calor, é ameaça ao meio ambiente
Natal, RN 8 de mai 2024

Não é só calor, é ameaça ao meio ambiente

18 de fevereiro de 2024
7min
Não é só calor, é ameaça ao meio ambiente
Foto: Capa Reprodução Internet e Agência Brasil

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É notório o fato de que o mundo inteiro vivencia o aumento das temperaturas do planeta. O observatório europeu anunciou recentemente que o mês de janeiro de 2024 apresentou a mais alta temperatura global já registrada no mês. A média de 12 meses ficou acima de 1,5°C, se comparado a níveis pré-industriais. As mudanças climáticas são sentidas, literalmente, na pele. Mas também nos alagamentos, nas enxurradas, nas fortes secas, ventanias e deslizamentos que, nem sempre as pessoas conseguem associar esses efeitos à causa.

Não é alarmismo ou filme de ficção. Aliás, há muito tempo os pesquisadores e cientistas vem falando sobre as causas das mudanças climáticas e seus efeitos. E alguns dos maiores desafios, apontado por eles são, primeiro, acabar com a onda negacionista que ganhou força na última década e, juntamente a isso, engajar a sociedade - por meio das instituições sérias de ensino e de pesquisa e a mídia para que formem um corpo consistente - para cobrar ações efetivas dos políticos e gestores mundiais. A mensagem é clara: não dá mais para esperar, nem só "mitigar" os efeitos do clima. Lembrando que o significado dessa palavra é "abrandar", "suavizar" e são verbos que não combinam mais com a situação em que o planeta vive.

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A Agência Saiba Mais conversou com o professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências Climáticas - PPGCC (UFRN), Cristiano Prestrelo, pesquisador do INCT Klimapolis e do Núcleo de Apoio à pesquisas em Mudanças Climáticas (INCLINE - INterdisciplinary CLimate INvEstigation Center - USP). Ele fez parte da equipe de profissionais convidados da UFRN para subsidiar com sugestões técnicas a construção da Minuta do Projeto de Lei que vai instituir a Política Estadual Sobre Mudanças Climáticas no Estado do Rio Grande do Norte (PEM), encabeçada pela Secretaria do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos (Semarh).

Segundo ele, as reuniões entre as equipes da Semarh e UFRN, aconteceram ainda na época da pandemia e já existia um esqueleto do projeto "muito simples" em que faltavam informações básicas sobre as vulnerabilidades das cidades, regiões e do Estado como um todo.

"Porque para a gente pensar em mitigar mudança climática, a gente primeiro precisa saber quais são as áreas e a quais tipos de mudanças climática elas são vulneráveis. Por exemplo, as regiões de costas, qual parte da nossa costa é vulnerável ao aumento do nível médio do mar? Outra exemplo, temos regiões que sofrem com alagamento, que sofrem com deslizamento, eventos de seca, quais são essas regiões? Então isso precisava ser identificado. E na lei precisa constar que nós teremos planos para nos adaptar a essas situações", explica Prestrelo.

Ele também lembra que foi debatido e cobrado que constasse na lei a construção de uma rede de coleta e monitoramento de dados, porque segundo seu entendimento, não se pode construir um plano de mitigação e adaptação sem ter uma rede de estações meteorológicas, de medição de nível médio do mar, dentre outras ferramentas.

"E analisando hoje o contexto da lei, de como está agora, a Lei foi bastante mexida e atualizada e melhorou bastante em termos de texto. Então eu acredito que a gente já tem ali um documento melhor do que ele se encontrava antes", avalia.

Negacionismo

Indagado sobre a espécie de letargia e da falta de engajamento das pessoas a respeito do que pode ser feito com relação à ameaça global dos efeitos climáticos, o professor que possui doutorado em Meteorologia pelo Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG/USP) faz das reflexões:

"A gente, infelizmente, teve um impacto gigante na opinião pública produzido por negacionistas. Então, os negacionistas climáticos, há 10, 12 anos atrás, tiveram espaço muito grande na mídia, no Jô Soares, por exemplo. Pessoas que eram professores de universidades brasileiras, dizendo que mudança climática era coisa de comunista, que era coisa que não existia. E isso produziu um impacto muito grande na descrença da população, e a gente não conseguiu ocupar os mesmos espaços para falar o contrário, ou seja, os cientistas sérios que trabalham com mudanças climáticas não tiveram o mesmo espaço".

Faltam coletas seletivas em todo o mundo para frear poluição de rios e mares

A partir desse negacionismo, fortaleceu-se a horda de pessoas desmatando florestas, inclusive com apoio governamental brasileiro, sobretudo no governo do ex-presidente e agora inelegível, Jair Bolsonaro.

Têm pessoas que trabalham com o agronegócio que não cumprem as suas obrigações ambientais; tem fazendeiros, indústrias que poluem, não existe uma coleta seletiva de lixo e etc. Porque se no imaginário das pessoas mudança climática é ficção, então eu ver um rio sendo poluído, o mar sendo poluído, isso não me causa o impacto que deveria causar.

A segunda reflexão que o professor faz é o fato de que já existem as chamadas "Cops" há mais de 30 anos, com especialistas falando sobre as ameaças climáticas e tentando convencer os políticos, e esses sempre tentam distorcer a realidade e não querem se comprometer com nada. Citando o Acordo de Paris, por exemplo, ele lembra que nos últimos quatro anos, países como os Estados Unidos disseram que iam sair do acordo.

"Então não há esforço individual suficiente para mitigar mudanças climáticas. Plantar uma árvore, fazer a sua coleta seletiva de lixo não vai evitar que o planeta não aqueça. Mas uma ação de país, uma ação de continente, uma ação de mundo, isso sim vai evitar que o planeta aqueça. E aí, se eu não tenho um político que tem voz, que tem expressão, que está defendendo esse tipo de coisa, a população não se engaja".

Cristiano Prestrelo lembra que a primeira lei de mudança climática do Nordeste é de Pernambuco, e ela é de 2010. Isso coloca o RN num atraso de, pelo menos, 13 anos, por isso, defende ele, a necessidade de haver uma lei mais moderna. Naquela época, evitar que o planeta aquecesse fazia muito mais sentido, do que agora, já que o planeta já aqueceu, então, o verbo não é mais "mitigar".

"Falar em evitar que o planeta aqueça em uma lei de 2023, 2024, é um atraso. A gente precisa ter como foco principal dessas leis a adaptação à mudança climática. Porque o planeta já está quente, e ele continua aquecendo. Então, a gente vai precisar, com uma lei que vislumbra efeitos para a população no futuro, em que ela esteja clara como o estado vai promover a adaptação do seu povo aos impactos de mudanças climáticas. E, infelizmente, essa é a maior deficiência dessa e das demais leis", avalia.

Acrescentando que mesmo com mudanças já significativas o atual projeto de lei da PEM trata muito sobre mitigação e pouco sobre adaptação.

"E o que a gente vai precisar no futuro é adaptar a população, adaptar aos eventos de secas mais severos e frequentes, adaptar o avanço do nível médio do mar, as encostas vão sofrer com o impacto de ondas, a gente vai ter eventos extremos de chuva, como teve no final do ano passado, etc. Então, isso é adaptação. Evitar esse tipo de coisa vai ser muito mais doloroso e muito mais difícil de se fazer. Se adaptar a ele, é muito mais urgente e necessário", alerta.

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