Professora ganha prêmio LGBT por pesquisa desenvolvida no IFRN
Natal, RN 12 de mai 2024

Professora ganha prêmio LGBT por pesquisa desenvolvida no IFRN

20 de fevereiro de 2024
8min
Professora ganha prêmio LGBT por pesquisa desenvolvida no IFRN
Foto: divulgação/Prêmio LGBTI+ Pesquisa

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Falando sobre o êxito escolar de professoras trans e travestis, a professora Erikah Souza Alcântara foi a vencedora na categoria mestrado no Prêmio LGBTI+ Pesquisa, iniciativa que visa fomentar e dar visibilidade para produção de monografias de graduação e dissertações de mestrado que abordem a temática da Diversidade e Inclusão LGBTQIA+ nos ambientes educacionais ou de trabalho. A dissertação foi apresentada por meio do Programa de Pós-Graduação em Ensino (Posensino) do Instituto Federal do Rio Grande do Norte (IFRN) Campus Mossoró.

A entrega do prêmio foi em 8 de fevereiro. Originalmente, Erikah — que é professora de matemática — apresentou a dissertação em 2022. Mas, já naquela época, passou para o doutorado na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que está em andamento. A pesquisadora também já ganhou as telas: foi uma das cinco personagens do documentário "Transversais", disponível na Netflix. A obra acompanha pessoas trans, de diferentes origens, contextos e classes sociais, que compartilham histórias e perspectivas sobre autoaceitação.

À Agência SAIBA MAIS, a professora diz que o interesse pela temática surgiu de sua própria vivência — ela própria é uma mulher trans.

“Eu sou professora de matemática há 15 anos e queria de alguma forma narrar outras experiências de professoras trans e travestis, e aí surgiu a ideia, a partir dessa minha preocupação de ocupar esse lugar que também é nosso, e de saber como é que outras pessoas também ocupavam esse espaço”, diz. 

O projeto começou em 2020 e era inicialmente voltado para alunas trans e travestis. Mas, com o boom da pandemia e as aulas remotas, Alcântara precisou adaptar seu tema e resolveu falar sobre as trajetórias de êxito escolar de três professoras de Fortaleza (CE), já que é natural do estado vizinho e viveu a maior parte da vida em Pacatuba, município da região metropolitana de Fortaleza. As escolhidas foram Luana Ângelo, mulher travesti, à época do trabalho licencianda em matemática pelo IFCE e professora na rede federal de ensino; Sílvia Cavalleire, travesti, formada em Letras-Português/Literatura pela UFC e professora de reforço escolar; e Lucivânia Sousa, mulher trans, formada em Serviço Social pela Faculdade Terra Nordeste (FATENE) e professora do curso de Serviço Social. E por que falar do “êxito”?

“Isso não é apagar violências, porque a gente sofre violências sistemáticas durante todo o percurso escolar e também para além do percurso escolar, quando a gente vai, enquanto profissional, exercer nossa função”, descreve.

Atualmente, Erikah mora no RJ, onde faz doutorado no Instituto de Matemática da Universidade Federal do Rio de Janeiro | Foto: cedida

“Só que o objetivo era justamente mostrar que mesmo com essas violências, nós, por termos condições e sermos boas naquilo que a gente fazia, conseguimos ter êxito. Então o enfoque principal da dissertação é no êxito dessas trajetórias”, aponta a pesquisadora.

Erikah ainda diz que, mesmo ressaltando as violências, buscou tirar a narrativa das mulheres trans e travestis de um “lugar de superação”.

“A gente não tem que superar para estar em espaços que são nossos também. A gente não precisa estar superando, sofrendo, sendo melhores e a todo tempo nos desdobrando para poder estar sendo as melhores na sociedade, para que as pessoas possam nos respeitar”, ressalta.

Em cada uma das mulheres entrevistadas, Erikah foi identificando que o preconceito vivenciado por elas vinha desde a infância, no ensino fundamental, por meio dos signos: aquilo que a sociedade define como sendo de “homem” e de “mulher”.

“Elas sempre performaram identidades femininas e sofriam bastante, só que por conta de serem muito boas naquilo que se propunham a fazer, elas acabavam escapando dessa sequência de situações que potencializavam a discriminação e o preconceito por conta da identidade”, aponta.

Luana, a professora de matemática

O gosto de Luana pelas ciências exatas e pela matemática veio logo cedo; ela ainda ajudava outros alunos e alunas quando era estudante.

“Dessa forma ela não era excluída de forma tão potencial, porque as pessoas precisavam dela para poder tirar notas boas. Muitas vezes ela fazia os exercícios dos colegas e isso na etapa escolar, da educação básica, como também no ensino superior”, descreve Alcântara.

“Eu foco muito na questão da representatividade. Para mim ela é muito significativa. Ver que alguém como eu chegou, na docência em matemática e assim proporcionar que eles/elas possam chegar também. E é sempre bom pontuar que não vai ser fácil para ninguém. Mas que apesar de tudo, temos uma possibilidade de visualização. Quando lembro que há uns 10 anos atrás, não tínhamos professoras trans e hoje podemos visualizar essa possibilidade. Mesmo dentro de todos os contextos, de pobreza, segregação e violências é algo que temos que referenciar. Ser essa referência e possibilitar outros/as é compensador”; diz o relato de Luana na dissertação

Sílvia Cavalleire, a Silvinha, a professora de linguagens

“A Silvinha é professora de linguagens e era muito boa em escrever textos, em dramatizar, em fazer esquete com os colegas e as colegas de sala. Os textos da Silvinha eram utilizados em provas porque ela escrevia muito bem, então ela acabava também escapando dessas situações de preconceito por conta dessa capacidade de desenvolver textos que seriam muito bons”, comenta Erikah. 

“Estou sempre buscando ser docente em tudo o que faço. Faz cinco anos que estou no serviço público e estou sempre dando um jeito de ser docente. Seja na capacitação de servidores ou formação de jovens e adultos. Passei quatro anos trabalhando com a temática mulher, foram quatro anos trabalhando enfrentamento a violência doméstica e familiar contra a mulher, trabalhando a lei Maria da Penha, passei dois anos na caravana de combate a violência contra a mulher nas escolas, que era um projeto da assembleia legislativa do Ceará. E está com quatro meses que estou no Centro de Referência Estadual LGBT Thina Rodrigues, onde estou com a pauta LGBT+. Realizei várias capacitações com profissionais no interior do estado, depois que assumi a coordenação desse equipamento. Não importa onde eu esteja, sempre estou exercendo a docência e tenho muito orgulho disso”, falou Silvinha na pesquisa.

Lucivânia Sousa, a professora de Serviço Social

“A Lucivânia estava sempre preocupada em estar estudando sobre a questão dos direitos humanos, até porque ela é assistente social e professora do curso de serviço social. E então ela estava sempre tentando descobrir situações que pudessem promover justiça social, e isso fazia com que ela não sofresse tanto porque ela sabia os caminhos que ela precisava percorrer caso ela tivesse de alguma forma sofrendo discriminação ou preconceito. Claro que isso mais numa perspectiva da sala de aula do ensino superior. Na educação básica ela relata que era mais retida, mais calada, por conta também já dessa situação de performar uma feminilidade que aos olhos das outras crianças e adolescentes da época que ela estudava era vista com mais violência”, apontou Erikah Alcântara.

“No Ensino Médio, as pessoas estão namorando aquela coisa toda, e você se percebendo uma pessoa que não tem prazer, parece que seu corpo não existe. Que o afeto não é para você. Evidentemente eu tinha interesse nos meninos, mas eu tentei até me dizer uma pessoa que gostasse de mulheres, ainda que elas também fossem transfóbicas, dizer na minha cara que não ficariam comigo, que não tinha nada haver, que blá blá, aquela coisa bem perversa. E eu fui tapeando a sobrevivência num espaço que não era para mim. Eu odiava estar ali, no Ensino Médio foi onde eu mais planejei. Eu lutava cotidianamente contra o suicídio”, relatou Lucivânia para a dissertação.

Erikah já foi diretora geral e coordenadora de ensino em uma escola; sua trajetória a levou a ser personagem do documentário "Transversais", disponível na Netflix | Foto: divulgação
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