“Criança não é mãe! Estuprador não é pai!”
Natal, RN 26 de jun 2024

“Criança não é mãe! Estuprador não é pai!”

16 de junho de 2024
6min

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Primeiramente peço licença à todas as mulheres de nossa sociedade para tratar de um tema tão sensível e tão importante para vocês, mesmo sendo um homem, e que jamais irei conseguir me empoderar 100% dessa pauta. Mas me coloco na responsabilidade de estudar um pouco sobre e dialogar com todos e todas, no meu papel de homem que não coaduna com tamanho retrocesso na legislação brasileira, que está para acontecer. É totalmente absurdo o que homens, brancos e ricos, em sua maioria, estão prestes a votar e decidir sobre uma pauta tão sensível. Afinal, em muitos casos, homens com esse perfil são exatamente os algozes de nossas mulheres e crianças.

Em segundo lugar, gostaria de pedir permissão a quem criou esse título, que não é meu. Mas não vejo frase melhor para descrever esse tema.

Bem, tenho que iniciar dizendo sobre minha repulsa à sociedade ter que discutir questões tão absurdas como essa. Num país com parlamentares sérios e comprometidos com o avanço de seu país, essa pauta certamente já estaria apaziguada, resguardando a saúde e os direitos das mulheres e meninas. Com tantos assuntos importantes ao desenvolvimento de nosso país ainda pendentes de serem discutidos, recorrem à essa questão de maneira tão mesquinha e apequenada, querendo criminalizar mulheres vítimas de violência sexual, uma das mais brutais que existe.

Precisamos que nosso parlamento atue para definir o imposto sobre grandes fortunas, a recomposição do orçamento das universidades, a valorização da ciência e a retomada nas campanhas de vacinação (que foram duramente atacadas pelo governo do inominável), legislações ambientais mais duras e severas com os que destroem o meio ambiente, ampliação dos atendimentos no Sistema Único de Saúde, dentre outras pautas necessárias…

Mas não, os parlamentares, em especial os ditos conservadores e fundamentalistas religiosos, se apegam ao falso discurso cristão, para tentar criminalizar as vítimas. Achando que a solução para tudo e jogar as pessoas na cadeia, como se nossos presídios já não fossem totalmente sucateados e lotados, muitos inclusive sem sentença jugada.

São muitas as nuances sobre isso… Vou tentar iniciar pela mais simples, que já é complicada. Primeiro que a solução de problemas de uma sociedade não passam só pelo aprisionamento de pessoas. Pois essa mesma bancada parlamentar dos ditos conservadores, querem igualar usuário de droga a traficante, prender vítimas de estupro, prender menores de 18 anos. De nada adianta sair prendendo e prendendo, sem ao mínimo discutirmos a reestruturação de todo o nosso sistema prisional do país, não só a questão de estrutura física, mas sobretudo das formas de dignidade humana e ressocialização das pessoas à sociedade. Só prender pessoas não irá adiantar em nada, nem fará nosso país melhorar, muito menos torná-lo mais seguro. Mas esse é um debate bem mais amplo, quem sabe fazemos em outro momento específico para isso.

Outra nuance sobre o tema em questão é sobre a educação sexual desde a infância até a adolescência. Primordial para que nossas crianças consigam identificar desde cedo o que são sinais de abuso, que na maioria dos casos são sofridos dentro do ambiente familiar. Antes que me crucifiquem, já deixo claro que Educação Sexual não é ensinar criança a transar. Mas sim uma orientação adequada sobre seu corpo e situações que estão relacionadas. Cada etapa da infância precede um tipo de abordagem específica.

Seguimos com a questão mais delicada a meu ver que é a do aborto propriamente dita, muitos que veem a gente que defende o direito da mulher de realizar esse procedimento, acha que somos insensíveis, cruéis, assassinos, e muito mais… Porém desconhecem estudos e estatísticas a respeito da legalização do aborto em países que já possuem tal legislação. Quando o Estado tem o controle sobre tal situação, ele consegue agir da melhor maneira e proteger todos os entes envolvidos. Agora quando se está na clandestinidade, nada se sabe, nada se controla, nada se evita.

A legalização não é a liberação geral de maneira banalizada. Pelo contrário, é que o Estado Brasileiro faça parte desse processo, oferecendo desde a educação sexual, métodos contraceptivos, apoio psicológico, e políticas de assistência e saúde. Dessa maneira, reduz o número de casos de abortos realizados, bem como o número de mulheres que veem a óbito após a tentativa /prática de aborto.

Um estudo da Organização Mundial de Saúde (OMS), mostra que países com leis que proíbem o aborto não conseguiram frear a prática e que, hoje, contam com taxas acima daqueles locais onde o aborto é legalizado. Agora por outro lado, nos países onde a prática é autorizada, ela foi acompanhada por uma ampla estratégia de planejamento familiar e acesso à saúde que levaram a uma queda substancial no número de abortos realizados. Isso que o estudo se baseou apenas nos números de abortos registrados, fora os clandestinos que nunca foram notificados e são desconhecidos dos governos e não passíveis de análise nos estudos.

Sem falar que as mulheres ricas, compram sua passagem para países onde o aborto é legalizado, realiza tranquilamente seu procedimento e retorna ao Brasil livremente e sem julgamentos. Já a mulher pobre, no desespero, recorre à diversos métodos, inclusive muitos subumanos, que colocam em risco sua própria vida, e evitam irem ao hospital com medo de retaliações criminais. Ora, que luta pela vida é essa? Que prioriza os que tem condições, em detrimento dos mais pobres.

Vejam só esses dados da pesquisa citada: “em 2014, um quarto de todas as gestações terminaram em aborto no mundo. A taxa caiu de 39% para 28% nos países ricos. Mas ela sofreu um salto na América Latina, passando de 23% para 32%. Na América do Sul, onde o Brasil tem um peso ainda maior, a taxa passou de 25% em 1990 para 34% em 2014”. Logo, não basta proibir, nem tampouco criminalizar, é preciso criar políticas públicas de proteção à mulher e consequentemente, ao feto. Principalmente se essa for vítima de estupro. É uma aberração o estuprador ter uma pena menor que sua vítima. Isso não existe. Ou melhor, nem deveria existir essa discussão em nosso parlamento.

Contudo, basta a gente se despir do fundamentalismo religioso, da falsa moral e entender que quando defendemos a legalização do aborto, nós estamos sim defendendo a vida. Tanto do feto, quando da mulher. De maneira ampla, justa e eficaz.

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