Isso não é mais motivo pra fazer piada (nunca deveria ter sido)
Natal, RN 29 de jun 2024

Isso não é mais motivo pra fazer piada (nunca deveria ter sido)

22 de junho de 2024
5min
Isso não é mais motivo pra fazer piada (nunca deveria ter sido)

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Após um FDS bem romântico em que troquei beijos, abraços, afagos, carinhos e muita sacanagem, me deparo, de forma muito indignada, com uma postagem feita por um canal de notícias local que se utilizou de “transfobia recreativa” como ingrediente para provocar risos de seus seguidores.

Na postagem, a edição de um vídeo mostrava inicialmente um homem beijando uma Travesti. Corte de imagem e a edição se concluía com o rapaz dizendo que beijou porque não sabia. Que achava que ela era uma “mulher de verdade”. Motivo de riso?! Nenhum!! O que o vídeo trazia e estava sendo replicado pelo canal via Instagram era preconceito escancarado. E não se ri de preconceitos! Sobretudo quando eles configuram crimes.

Para quem não sabe o que é “transfobia recreativa”, vou esclarecer: é quando se utilizam de pessoas Trans/Travestis ou de situações vividas por elas para fazer chacota. Pois bem, pergunto novamente: Motivo de riso?! Nenhum!!

Até por que as Travestis desse Brasil varonil se beijam, e muuuuuuuuito com homens (beijam mulheres também, porque existem Travestis homossexuais e/ou bissexuais). Beijamos e não ficamos só nisso, acreditem! Mas por que o beijo de um homem cis e heterossexual com uma Travesti ainda suscita risos? Por que um veículo de informações posta uma cena assim com o intuito apenas e ainda de fazer deboche?!

Quem pensa que nos atracamos com homens vindos de Marte ou de outro planeta qualquer está redondamente enganado/a. Beijamos homens reais que transitam normalmente na sociedade. Beijamos avós, pais, maridos, filhos, sobrinhos, netos, namorados, noivos, irmãos, bisnetos, juniores a perder de vista. Beijamos comerciantes, taxistas, montadores, eletricistas, médicos, pedreiros, personais, coachings, ajudantes de pedreiro, dentistas, tatuadores, vendedores, agricultores, fazendeiros, vaqueiros, veterinários, encanadores, empresários, professores... Beijamos e fazemos muito mais.

Se espantem não! Nem se façam de desentendidos/as! A vida amorosa e sexual de uma Travesti é intensa e todo mundo sabe disso. (O Brasil é o país que mais consome nossos corpos através da indústria pornô). Fazem que não sabem, fazem que não veem, acham que nosso afeto, nossas manifestações de carinho, nossos amores e sexualidades devem ser proibidos, que não podem ser naturalizados, que precisam ser ridicularizados, questionados, escondidos... Continuem achando (só achando), mas não façam disso campanhas publicitárias do riso e do deboche: isso é crime. Isso é TRANFOBIA RECREATIVA.

E não! Não acreditem naqueles que dizem que beijou porque não sabiam. Se beijou foi por que sentiu tesão, atração, desejo, vontade. Na maioria das vezes, o “cabra macho” se esbalda na cama com a “boneca” e depois vem com essa historinha de que “comi enganado”. Beijou sim! Comeu também! (Muitas vezes foi comido!) E a desculpa de que não sabia não passa da famosa “conversa pra boi dormir.” 

Quem procura, beija, transa, enamora, namora, ama uma Travesti, faz tudo isso sabendo. Plena é sua consciência. Como também é plena a consciência de que, uma vez descoberto, precisa criar uma desculpa. Precisa sustentar o discurso de que foi enganado. Precisa alicerçar sua macheza com os insultos, com a cara de nojo, com o repúdio, com o asco e com a violência. (Disfarces que ainda funcionam para muitos!) 

Mas o que eles realmente escondem de si mesmos – muitas vezes –  e de seus ciclos familiares, fraternais ou em ambientes de trabalho – quase sempre – é a cara de satisfação, de prazer, de gozo, de deleite, de romantismo que só nós, as Travestis seremos as sabedoras. Quando revelam, (e se revelam) é por que pegaram uma morenaça, uma galegona, uma ruivona.

E sim! Nós temos direito a sermos beijadas, acariciadas, romantizadas e desejadas. E isso não deve ser motivo de piada nem de publicações pseudoengraçadas em páginas e sites de notícias. As sexualidades existem para além do “papai e mamãe”. Nós, seres humanos, gozamos de várias formas. Através do amor e do sexo desenvolvemos relacionamentos muito distintos, realizamos desejos, fetiches e prazeres de formas muito individuais – apesar de compartilharmos a cama com outro(s) corpo(s).

Então, propagadores de notícias e memes, parem de rir do que não têm graça! Parem de querer tirar sarro do que nunca deveria ter sido motivo de riso algum! Parem de divulgar o que nunca poderia ter sido entendido como vergonhoso ou passível de ridicularização: um beijo, uma relação entre um homem e uma Travesti. E homens, cuidado quando saem, por aí, a destilar, a torto e a direito, ódio e nojo contra nós, mulheres Trans/Travestis. “É pela boca que se morre o peixe”, já diz o ditado! E olhares de desejo, às vezes escapam.

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