Santa Rita e seu Pernambuco
Natal, RN 26 de abr 2024

Santa Rita e seu Pernambuco

19 de junho de 2021
Santa Rita e seu Pernambuco

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Eu gosto de Santa Rita, da praia, da minha bisavó e também da santa, padroeira das causas impossíveis. Cresci no meio do catolicismo clássico do interior do RN, a gente meio que absorve de certa forma algumas coisas, nem eu sei qual minha religião, mas tem alguns santos que me afeiçoei devido à insistência de vovoinha em levar eu e Michel nas missas de domingo da catedral de Mossoró, onde monsenhor Américo era o líder.

Um dia, a festa de Santa Luzia será tema de texto meu, tem muita coisa a ser dita, desde as bolas gigantes, passando por sorvetes de chiclete, algodão doce, parque, jogos de azar, malandros e a procissão, que minha tribo também insistia em me levar todos os anos. Coisa bonita de se ver e de ser.

Voltemos à praia de Santa Rita, frequento-a bastante, quando dá, eu e Bruna fugimos para lá, pertinho e ao mesmo tempo isolada, com ares e construções veranistas dos anos 80, creio que ela, a praia, guarde seu charme, envolto no bucólico ostracismo em que se encontra. Na altura da barraca do Nogueirão, dá para ver Jenipabú, a ponte, as praias urbanas e o Morro do Careca. Geralmente vazia, me sinto em casa.

Dia desses fomos com os pais dela, e na volta, Eriberto, conhecido também como meu sogro, insistiu em nos levar até a famosa barraca de Seu Pernambuco no Canto do Mangue. Era final de tarde do domingo, achava que o estabelecimento não estaria aberto, afinal já tinha ouvido falar que o dono era um senhor de idade avançada, não tinha condições dele ainda estar aberto naquele dia e horário. Me enganei, para alegria do meu estômago e papilas gustativas.

Fomos recebidos pelo Potengi em pleno céu de fogo, final de tarde que encantou holandês, inglês, espanhol, português, Cascudo e obviamente esse matuto que vos escreve. Esse é o horário que o rio se confunde com o céu e explica a paixão de Mineiro em querer preservar a nascente em Cerro Corá. Estava lá, o lume d’agua e o velho Pernambuco, que logo veio nos atender.

Um ser humano que beira um século de existência, com seus 94 anos de idade, 60 de Natal, 30 de barraca. Seu Pernambuco, como o nome já diz, é pernambucano, da cidade de Goiana, ex agente da Policia Civil, avô de 80 netos (isso mesmo) e um hospitaleiro de mão cheia, sabe receber as pessoas e acima de tudo, Seu Pernambuco é um grande cozinheiro e se enche de orgulho disso, daqueles cozinheiros dignos de aparecer em documentário na Netflix ou ser personagem de Anthony Bourdain.

Eu, bisneto de Dona Rita, tinha que ter nascido curioso, observei que Seu Pernambuco ia em todas as mesas fazer uma espécie de vistoria e receber feedback’s, coisa que o setor de hospitalidade ensina a pouco tempo, quando veio até a gente pegar nosso pedido, fez questão de explicar as singularidades dos peixes que vendia.

Entrada: tapiocas e gingas, o clássico. “Mas não é todo mundo que sabe fazer, viu? Não se engane. ”, me disse. E de fato a tapioca do velho é uma coisa incrível e a ginga é super crocante, comi revirando os olhos. Mal deu tempo de terminar a entrada e ele me aparece com uma posta de peixe que nem cabia na travessa, com a clássica cebola e o tomate de beira de praia, mais tapioca e o auge, o pirão de ova.

“Esse pirão de ova eu cobro R$15,00, mas eu não vou cobrar pra vocês não”, ele havia sido cliente assíduo dos pães de Eriberto, fiquei encabulado mas entendi o gesto. Depois de finalizar os pedidos que ele mesmo prepara na cozinha vem sentar à mesa conosco, me traz um coca-cola e me fala com muito orgulho de sua história. Me mostra a identidade para me provar que nasceu em 1927. Um navio atraca no porto. Ele me diz que os capitães geralmente comem lá. Me traz outra coca e outro pirão de ova. Eu estou estufado e estupefato.

Me conta que faz lagosta, camarão, caldo de vísceras de cioba, caranguejo. “Cozinho o que mar me traz”. Me emociono. Estava conversando com um arquivo vivo da cozinha nordestina. Um pedaço de jangada em forma de gente. Com as mãos calejadas do tempo e do fogo alto de óleo quente, que me mostra também com o orgulho que só os cozinheiros sentem ao mostrar suas cicatrizes da guerra cotidiana deliciosa.

“Meu filho, as vezes eu gasto R$ 180,00 para fazer um panelão de pirão desses” e me ensina tranquilamente sem receio algum a receita do pirão. Me ensina olhando para o Potengi, agora iluminado apenas pelas luzes da ponte e do navio que estava no porto.

“10 cabeças de pimenta preta, 2 kg de ova de peixe do mar, 2 cebolas, 2 tomates, e mói de coentro, coloral, sal e muito cozimento”. Como me disse muitas vezes meu querido amigo e professor Warirson, “na cozinha, na maioria das vezes, o menos é mais”.

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