Direitos Humanos e Segurança pós-Bolsonaro
Natal, RN 8 de mai 2024

Direitos Humanos e Segurança pós-Bolsonaro

17 de dezembro de 2022
8min
Direitos Humanos e Segurança pós-Bolsonaro

Ajude o Portal Saiba Mais a continuar produzindo jornalismo independente! Apoie com qualquer valor e faça parte dessa iniciativa.

Quero Apoiar

Por Pedro Levi e Luis Lucas

É preciso repensar a segurança pública. Pelo fim da tortura, militarização da polícia e da política de encarceramento no país!

Em 1948, a criação e amparo da Declaração Universal dos Direitos Humanos pela Assembleia Geral das Nações Unidas, diante de um cenário internacional devastado pelo pós-guerra, foi uma expressão importante de como é possível transformar lutas em conquistas normativas que materializam verdadeiros avanços humanitários. Mais de 70 anos depois, o Brasil está diante de um contexto desafiador no que se refere à elaboração de objetivos e prioridades para a reconstrução do país nos marcos dos Direitos Humanos, da vida digna e da justiça social.

A eleição de um projeto político neoliberal, nacionalista, conservador, que flerta com ideias fascistas, e com personificações narcisistas de Jair Bolsonaro, em 2018, trouxe um cenário alarmante de desenvestimento e desmonte das políticas públicas, com consequentes perdas de direitos e de avanços políticos e sociais. Ataques à imprensa e à liberdade de expressão, o significativo aumento do desmatamento e do racismo ambiental, as ameaças ao Estado de Direito, o estímulo à violência policial e a deliberada criação de obstáculos para o acesso aos serviços de saúde sexual e reprodutiva, dentre muitos outros retrocessos, tornam a atual conjuntura brasileira um dos piores cenários desde a redemocratização do país.

Entre contextos de aprofundamento das desigualdades de classe, gênero e raça, a política do Governo Bolsonaro tentou centralizar o debate da Segurança Pública como prioritário. Na contramão da elaboração de políticas públicas que protejam nossos direitos, o Governo Bolsonaro priorizou - e se elegeu a partir de - propostas que fomentam a violência e a insegurança no país, incentivando a utilização de armas pela população e fortalecendo o sistema de repressão estatal por via da militarização descontrolada das polícias e da perseguição aos que lutam por direitos.

Esse debate vem sendo construído a partir da defesa da militarização, no enfrentamento da “guerra às drogas” e na ampliação do Poder Punitivo do Estado. Esses elementos são instrumentos qualificadores do fenômeno chamado por Batista (2016) como “O Grande Encarceramento”, colocando o Brasil na posição de terceira maior população carcerária do mundo em que, desse total, mais de 60% são de pessoas negras, de maioria jovem e pobre.

Como fruto também dessa agenda e cultura de repressão, a violência policial, a tortura e os maus tratos fazem parte da cruel rotina de unidades prisionais, de abrigos e instituições de todo país. No Rio Grande do Norte, por exemplo, conforme relatórios construídos pelo Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Rio Grande do Norte (CEPCT/RN) em 2021 e 2022, foi constatada uma situação de violação generalizada de direitos fundamentais das pessoas em privação de liberdade.

Com a eleição do Presidente Lula, o desafio de reconstruir o país requer estabelecer a segurança pública por via do princípio da transversalidade, ou seja, que a temática seja tratada em diversas perspectivas e pastas, sejam elas o Ministério das Cidades, da Educação, do Desenvolvimento, da Saúde e do Planejamento; para assim pensar estrategicamente formas de superar o binômio repressão-prisão que tanto aprofunda as desigualdades e aumenta a sensação de insegurança.

A partir desse debate, diante dos desafios para o novo governo e para a retomada democrática dos próximos anos, elencamos 20 compromissos que são imprescindíveis de serem firmados para recuperarmos e avançarmos, institucional e socialmente, nos marcos dos Direitos Humanos. Assim, é preciso:

Firmar compromisso com o posicionamento dos Direitos Humanos no centro da concepção de Segurança Pública e de demais políticas sociais, a fim de garantir a Proteção de Direitos;

Firmar compromisso com a inclusão e valorização da Participação Popular e formas de auto-organização da sociedade, a fim de concretizar princípios democráticos e avançar na perspectiva da Proteção de Direitos;

Firmar compromisso com políticas antimachistas, a fim de fomentar o protagonismo de mulheres, considerando o enfrentamento à violência contra as mulheres como prioridade, bem como a outras violências de gênero, sendo essa uma questão primordial à garantia dos direitos humanos e segurança pública;

Firmar compromisso com políticas antirracistas, a fim de incentivar o aumento das políticas de cotas e outras ações afirmativas, diminuição dos índices de seletividade policial em zonas urbanas contra o povo preto e pardo, assim como combate à perseguição policial de povos ciganos, indígenas e quilombolas;

Firmar compromisso com a garantia de direitos humanos e diversidade sexual e de gênero, combatendo à crescente corrente fundamentalista da “Ideologia de Gênero” e de projetos como o “Escola sem Partido” no campo da educação, e de promover ações de prevenção à violência LGBTIfóbica e assistência às pessoas já vítimas desses crimes;

Firmar o compromisso com o mapeamento da população LGBTI+, inclusive encarcerada, e com a proposição de políticas públicas para o combate à violência cometida contra essa população;

Promover políticas que garantam a liberdade religiosa e a proteção das expressões e diversidades étnico/raciais.

Promover políticas de proteção integral à infância e à adolescência, atendendo ao que melhor definem o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8069/90) e a Convenção sobre os Direitos da Criança, de 1989, compreendendo sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento;

Lutar pela limitação máxima das prisões cautelares, pela redução de penas e descriminalização de condutas, em especial aquelas relacionadas à política de drogas;

Lutar pelo desencarceramento e a pela proibição absoluta da privatização do sistema prisional;

Proteger os direitos dos povos originários, indígenas, quilombolas e ribeirinhos, na defesa de suas terras e modos de vida, com a impugnação definitiva da tese do marco temporal. Compromisso com o fim da impunidade das/os que assassinam indígenas e defensoras/es do meio ambiente, de modo próprio ou a mando de terceiras/os, também responsáveis por tais crimes;

Proteger as defensoras e os defensores de Direitos Humanos, firmando compromisso com políticas para retirar o Brasil do 3º lugar no ranking global da ONU de assassinatos de pessoas defensoras dos direitos humanos;

Firmar compromisso com o desarmamento e com políticas de controle de armas, compreendendo que a facilitação ao acesso a grandes quantidades de armas de fogo e munições é uma ameaça à democracia e tem relação direta com o aumento da violência;

Defender as ocupações por moradias populares e a defesa de uma reforma urbana que democratize o acesso à cidade, garantido o bem viver a todas as pessoas.

Firmar compromisso com a garantia de uma mídia livre e democrática, defendendo o combate às políticas de censura e fake news assumidas pelo atual governo;

Firmar compromisso com os princípios da gestão democrática e ampliação da política de transparência de informações governamentais;

Defender a melhoria de condições de trabalho das/os profissionais de segurança pública, transicionando sua atuação para a centralidade dos Direitos Humanos;

Articular e defender a construção de políticas de prevenção social do crime e da violência;

Combater as atuais estratégias de criminalização das drogas e seletividade racista do sistema penal, em defesa da descriminalização das drogas e da garantia dos direitos humanos das/os usuárias/os; incluir a saúde pública e a assistência social nas políticas públicas sobre drogas, retirando-as do âmbito do enfrentamento policial e penal;

Defender a prevenção e combate à tortura, instituindo o Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura (MEPCT) em todo território nacional, conforme as disposições da Lei Federal no 12.847/2013 e do Protocolo Facultativo à Convenção das Nações Unidas contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes.

Diante da realidade apresentada, é nosso papel e dos movimentos sociais, coletivos, partidos e agendas pressionar o novo governo a pautar discussões públicas e participativas sobre o reforço aos instrumentos de garantia de direitos, em especial, ampliar e problematizar o debate quanto à segurança pública. A nossa tarefa é, também, olhar para o acúmulo das lutas do passado e construções coletivas, especialmente quanto aos exemplos da Pastoral do Cárcere e da Agenda pelo Desencarceramento, além das várias redes de apoio, grupos de pesquisas, movimentos e institutos que refletem profundamente o tamanho do problema da Segurança no Brasil.

É na organização e na participação coletiva que construiremos um Brasil socialmente igualitário, seguro, culturalmente valorizado, politicamente justo, plural e com os direitos de seus povos garantidos.

++++++++++++++++++++++++++

*Pedro Levi é advogado do CRDHMD e pesquisador
*Luis Lucas é estagiário de direito do CRDHMD

REFERÊNCIAS

BATISTA, Vera Malaguti. A questão criminal no Brasil contemporâneo. Margem Esquerda, n. 8, p. 37-41, 2016.

Apoiar Saiba Mais

Pra quem deseja ajudar a fortalecer o debate público

QR Code

Ajude-nos a continuar produzindo jornalismo independente! Apoie com qualquer valor e faça parte dessa iniciativa.

Quero Apoiar

Este site utiliza cookies e solicita seus dados pessoais para melhorar sua experiência de navegação.