Arquitetos da UFRN dão parecer contrário à construção de trincheira pela Prefeitura e citam falta de transparência e estudos
Natal, RN 12 de mai 2024

Arquitetos da UFRN dão parecer contrário à construção de trincheira pela Prefeitura e citam falta de transparência e estudos

19 de outubro de 2023
9min
Arquitetos da UFRN dão parecer contrário à construção de trincheira pela Prefeitura e citam falta de transparência e estudos

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O projeto de construção de uma trincheira (tipo de túnel) no cruzamento das Avenidas Senador Salgado Filho/Hermes da Fonseca com Almirante Alexandrino de Alencar, no bairro do Tirol, área nobre da Zona Sul de Natal, foi elaborado pela Prefeitura do Natal antes mesmo da realização de qualquer estudo sobre a necessidade da obra e seus impactos. É o que aponta, entre outras coisas, o parecer elaborado pelos professores Emanuel Ramos Cavalcanti e Hélio Takashi Maciel de Farias, ambos Arquitetos e Urbanistas, professores doutores do quadro efetivo do Departamento de Arquitetura (DARQ) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

Os professores, que deram parecer técnico contrário à construção da trincheira, também demonstraram que a obra não segue o que foi definido pelo Plano de Mobilidade e pelo Plano Diretor de Natal, que indicam como devem ser realizadas as políticas públicas e projetos na cidade.

O estudo foi solicitado pela juíza Moniky Mayara Costa Fonseca, do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF 5), que tem jurisdição sobre os estados de Alagoas, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Sergipe e Rio Grande do Norte.

Em meados de junho vereador Daniel Valença (PT) ingressou na justiça com uma Ação Popular de pedido de tutela antecipada. No processo, a União e a Prefeitura do Natal são polo passivo, ou seja, devem responder aos questionamentos envolvidos no caso.

Outro agravante identificado pelos autores do parecer foi a falta de transparência e participação das pessoas diretamente afetadas pela obra.

Por causa da falta de transparência e exclusão das populações diretamente impactadas pela obra e reduzindo a confiança na adequação técnica da solução aos diversos e já citados condicionantes da área em questão (como os urbanísticos, ambientais, socioeconômicos, entre outros)”, traz um trecho do documento.

Em julho, a magistrada já havia suspendido a construção da trincheira para que fosse realizada uma audiência pública para discutir o projeto.

Durante esse período, descobriu-se que a intenção da Prefeitura do Natal, que tem Álvaro Dias (Republicanos) à frente, é de construir não apenas uma, mas cinco trincheiras ao longo da Avenida Senador Salgado Filho/Hermes da Fonseca, apesar de não haver recurso previsto no Plano Plurianual (PPA), que vai de 2022 a 2025.

Já no início de outubro, o próprio TRF 5 derrubou a liminar que havia sido emitida pelo Tribunal e afirmou que a Justiça Federal não tinha competência para julgar a ação e que caberia ao município de Natal decidir sobre a obra.

Nesta última segunda (16), o vereador Daniel Valença (PT) apresentou um recurso de Embargos de Declaração contra a decisão do TRF 5 de que a Justiça Federal não seria competente para julgar o processo.

A liminar que suspende a obra da trincheira continua válida até que, segundo Valença, uma nova decisão da vara competente venha em sentido contrário.

Diante de uma decisão que declara a incompetência de um determinado juízo, a consequência prática deve ser a remessa dos autos para o juízo competente, no caso, uma das varas da fazenda pública da Comarca de Natal. Além do que, permanecem válidas as decisões tomadas pela JF [Justiça Federal] até que, se for o caso, uma nova decisão da vara competente venha em sentido contrário. Tudo isso está claramente previsto nos §§3º e 4º do art. 64 do Código de Processo Civil”, comentou o vereador e autor da ação.

O processo ainda permite recursos ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ao Superior Tribunal Federal (STF).

No parecer técnico, os arquitetos e professores da UFRN relatam, ainda, que a redução de faixas de rolagem comuns e exclusivas, no caso de ônibus e bicicletas, prejudica o transporte coletivo e coloca em dúvida a eficiência do projeto. Além disso, no parecer também é citada uma Nota Técnica que já havia sido emitida por outro professor da UFRN, Rubens Ramos, engenheiro civil e especialista em trânsito, na qual conclui-se que os ganhos em fluidez, se realizada a obra, seriam irrisórios.

Moradores

Projeto de trincheira no cruzamento da Salgado Filho com Alexandrino de Alencar elaborado pela Prefeitura de Natal I Imagem: reprodução
Projeto de trincheira no cruzamento da Salgado Filho com Alexandrino de Alencar elaborado pela Prefeitura de Natal I Imagem: reprodução

Moradores e comerciantes da região não foram consultados e demonstraram preocupação com a falta de informação em torno do projeto. O síndico do Condomínio Tirol Way, que fica no cruzamento das avenidas onde a prefeitura planeja construir a trincheira, entrou na Justiça junto com moradores da região por meio da Lei de Acesso à Informação, para tentar saber detalhes do projeto.

Os pareceristas também concordaram com uma avaliação prévia que havia sido feita por Rubens Ramos que alertou que a obra tornaria a região num lugar agressivo, com o tráfego de veículos em alta velocidade, imprópria para o trânsito de pedestres e redução da vegetação, além do longo tempo de duração da obra, com alto impacto social, econômico e ambiental, que sequer foram calculados pelo município, e a um elevado custo (R$ 25 milhões do Ministério do Desenvolvimento Regional com contrapartida de R$ 88 mil da Prefeitura) e com pouco retorno prático.

Os professores ainda acrescentaram que a falta de detalhamento do projeto sequer permite avaliar se as árvores que serão plantadas serão suficientes para compensar aquelas que serão removidas com a retirada do canteiro central e cuja copa já produz sombra:

A perda deste canteiro em substituição pela trincheira asfaltada acarretaria prejuízos na apreciação da paisagem (com aumento da aridez visual causada pela supressão vegetal e introdução de elementos de concreto); no conforto ambiental (com redução de sombra e ajuste térmico por evapotranspiração); na permeabilidade à descarga pluvial (e mesmo considerando-se um projeto de drenagem artificial adequado, um aumento da carga enviada ao sistema de drenagem urbana); e na aprazibilidade aos seres humanos e à fauna local. O projeto apresentado não indica medidas de compensação à supressão vegetal: ainda que a imagem apresentada no Relatório de Controle Ambiental (RCA) inclua arborização pontual em parte do passeio público, esta não está descrita formalmente ou documentada em pranchas técnicas, sendo impossível julgar sua adequação”.

Fonte: parecer técnico sobre construção de trincheira

Recomendações

No parecer, é recomendado que a Prefeitura do Natal apresente estudos que justifiquem a proposta de construção da trincheira e apresente todas as possibilidades, inclusive de menor custo e impacto, que podem resolver a questão, já que a obra NÃO tem caráter emergencial.

Os professores também ressaltam que “os procedimentos de planejamento e projeto devem ser aplicados não apenas a esta situação, mas a todas as intervenções urbanas que possam impactar de forma ampla a sociedade. Reforçamos a importância de que propostas sejam apresentadas, ainda em etapa de planejamento, ao CONPLAM, e divulgadas para a sociedade em geral, para que possam ser discutidas e aprimoradas”.

Principais problemas identificados projeto de construção da trincheira, segundo o parecer técnico:

1) Ausência de soluções alternativas a obra e estudos que diminuíssem impactos e custos;

2) Supressão de faixas de rolagem, comuns e exclusivas, que fazem pairar dúvidas sobre a eficácia técnica da intervenção;

3) Prejuízo à mobilidade do transporte coletivo, considerada estratégia fundamental na melhoria do fluxo viário e da sustentabilidade do meio urbano;

4) Prejuízos nas ordens ambiental, urbana, econômica, comercial e imobiliária, cujos impactos estão insuficientemente avaliados;

5) Desenvolvimento sem a devida consulta à população potencialmente afetada, e sem a devida transparência nos processos de planejamento e projeto.

Resumo da obra

A construção da trincheira tinha início previsto para julho e conclusão programada para 2026. Nos cálculos da Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana (STTU), a obra deve absorver o fluxo de veículos dos próximos dez anos, que deve passar dos atuais 65 mil veículos para 95 mil veículos por dia.

Entre as justificativas, a empresa L. R. Engenharia e Consultoria, consultada pela Prefeitura do Natal, argumentou que a trincheira permitiria o funcionamento da via “sem semáforos”.

Para execução da obra ainda seria necessária a derrubada de todas as árvores localizadas no canteiro central da Alexandrino de Alencar, além daquelas na avenida Salgado Filho que ficam a até 500 metros do cruzamento, segundo o professor Rubens Ramos.

Em junho, a TCPAV Tecnologia em Construção e Pavimentação LTDA, que havia ficado em 2º lugar no edital de concorrência pública para a construção da trincheira, foi convocada para substituir a Potiguar Construtora LTDA, que desistiu de tocar o serviço.

Cruzamento da avenida Salgado Filho e Alexandrino de Alencar I Foto: Mirella Lopes
Canteiro central da Avenida Salgado Filho e prédio do Tirol Way à direita I Foto: Mirella Lopes

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