Após ATL, indígenas do RN seguem na luta contra marco temporal
Natal, RN 16 de mai 2024

Após ATL, indígenas do RN seguem na luta contra marco temporal

29 de abril de 2024
6min
Após ATL, indígenas do RN seguem na luta contra marco temporal
Foto: @julia_guarani / @karaiguarani

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Os indígenas do Rio Grande do Norte encerraram na última semana a participação no Acampamento Terra Livre (ATL) 2024, a maior mobilização indígena do Brasil. Entre os desafios, continua a exigência pela demarcação de terras no estado — único do país sem terras demarcadas — e a derrubada de uma recente decisão do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), sobre o marco temporal. 

Neste ano, o RN levou mais de 80 pessoas. Foram dois ônibus com representantes de 15 aldeias e três povos, entre crianças, jovens, mulheres e lideranças. Logo no primeiro dia do ATL, Gilmar Mendes determinou a suspensão, em todo o país, dos processos judiciais que discutem a constitucionalidade da Lei do Marco Temporal (Lei 14.701/2023) até que o Tribunal se manifeste definitivamente sobre o tema. Para o ministro, a medida visa evitar o surgimento de decisões judiciais conflitantes que possam causar graves prejuízos às partes envolvidas (comunidades indígenas, entes federativos ou particulares).

Na mesma decisão, Gilmar Mendes também deu início ao processo de mediação e conciliação no âmbito do STF, de forma a buscar uma solução sobre o reconhecimento, demarcação, uso e gestão de terras indígenas.

SAIBA MAIS: Mais de 80 indígenas do RN vão à Acampamento Terra Livre

“Uma câmara envolvendo o movimento indígena, botando o agronegócio dentro também, botando os partidos políticos. O que ele está querendo na verdade é validar a lei do marco temporal”, critica a cacica Francisca Bezerra, da aldeia Lagoa do Tapará em Macaíba.

A liminar foi concedida pelo relator nos autos da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 87, das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 7582, 7583 e 7586 e da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 86, nas quais partidos políticos e entidades da sociedade civil questionam a Lei do Marco Temporal.

No último dia do ATL, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e suas organizações regionais ainda lançaram uma declaração em que chamam a ação de suspender a demarcação das terras indígenas e de aplicar a lei 14.701, chamada pelas entidades de Lei do Genocídio Indígena, equivale a uma “declaração de guerra” contra os povos e territórios. 

“Isso representa uma quebra no pacto estabelecido entre o Estado brasileiro e nossos povos desde a promulgação da Constituição de 1988, que reconheceu exclusivamente nossos direitos originários, anteriores à própria formação do Estado brasileiro”, diz um trecho.

Ainda de acordo com o documento, essa “ruptura intencional” resultará no aumento das violências e das políticas e práticas de genocídio historicamente promovidas tanto pela sociedade quanto pelo próprio Estado contra os povos indígenas. 

“No primeiro dia de mobilização do ATL, uma decisão do Ministro Gilmar Mendes, relator de ações sobre a Lei do Genocídio Indígena (14.701), evidenciou mais uma vez sua parcialidade favorável aos ruralistas e historicamente anti-indígena. Apesar de reconhecer que a Lei contraria decisões feitas pelo STF sobre terras indígenas, Mendes, ao invés de anular a Lei, suspendeu todas as ações que visam garantir a manutenção dos direitos indígenas. Além disso, ele submeteu ao núcleo de conciliação do Tribunal a questão dos direitos fundamentais dos povos indígenas”, aponta a declaração.

“Nós não vamos nos calar, ele [Gilmar Mendes] sabe disso. Vamos continuar lutando. Jamais vamos aceitar dar mais nenhum passo pra trás”, ressalta Francisca Tapará.

Carta aos três poderes

Ainda no ATL, o movimento indígena lançou uma carta endereçada aos três poderes do Estado – Executivo, Legislativo e Judiciário –, carregando as exigências e urgências do movimento.

São, ao todo, 25 pontos. Dentre eles, a APIB reivindica a demarcação imediata das terras Indígenas Morro dos Cavalos (SC), Toldo Imbu (SC), Xucuru Kariri (AL) e Potiguara de Monte-Mor (PB), anunciadas entre as terras indígenas que seriam homologadas nos primeiros 100 dias de mandato, conforme indicado no relatório do Governo de Transição. Também pede a finalização do processo de demarcação das 23 terras cujos processos administrativos de demarcação aguardam apenas a portaria declaratória, e que estão na relação enviada pelo Ministério dos Povos Indígenas (MPI) ao Ministério da Justiça à época da reforma ministerial de 2023. 

A carta ainda reivindica dotação orçamentária robusta para as pastas e entidades governamentais ligadas ao movimento indígena — como o próprio ministério e a FUNAI —, e maior empenho do Governo Federal para interromper a agenda anti-indígena no Congresso Nacional.

Mesmo com os desafios pela frente, Francisca Tapará comemorou o ATL deste ano.

“Foi um momento muito importante, muito produtivo para os povos indígenas do estado que continuam sem terra demarcada”, disse.

Ela participou de diferentes agendas, incluindo uma reunião com o próprio presidente Lula (PT) na última quinta-feira (25). O presidente afirmou que dentro de duas semanas uma Força-Tarefa liderada pelo MPI, em conjunto com a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), a Secretaria-Geral da Presidência de República, a Advocacia-Geral da União (AGU), o Ministério da Justiça (MJ) — responsável por emitir portarias declaratórias —, e o Ministério do Desenvolvimento Agrário, por meio do INCRA, dará início ao processo de resolução para assinar as homologações localizadas em Santa Catarina, Paraíba e Alagoas.

Marco temporal: entenda

Em setembro do ano passado, o STF concluiu a apreciação do marco temporal e fixou, entre outras teses, que “a proteção constitucional aos direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam independe da existência de um marco temporal em 05 de outubro de 1988 ou da configuração do renitente esbulho, como conflito físico ou controvérsia judicial persistente à data da promulgação da Constituição”.

Porém, antes de a decisão do STF ser publicada, o Congresso Nacional editou a Lei 14.701/2023, regulamentando diversos aspectos do artigo 231 da Constituição Federal, e restabeleceu o marco temporal para incidir somente sobre as terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas brasileiros e por eles habitadas em 5/10/1988, salvo as hipóteses de persistente conflito devidamente comprovado.

A lei teve diversos de seus dispositivos vetados pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, mas o veto foi derrubado pelo Congresso Nacional, com promulgação das partes vetadas. Diante desse cenário, diversos partidos políticos e entidades de defesa dos direitos dos povos indígenas acionaram o Supremo.

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