Arena do Morro: ativismo social, projeto urbano e combate à violência
Natal, RN 13 de mai 2024

Arena do Morro: ativismo social, projeto urbano e combate à violência

28 de abril de 2024
7min
Arena do Morro: ativismo social, projeto urbano e combate à violência
Imagem: Sarah de Andrade e Andrade

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Pedro Henrique Correia do Nascimento de Oliveira
Gestor de Políticas Públicas - Mestre em Estudos Urbanos e Regionais, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, pesquisador do Observatório das Metrópoles - Núcleo RM Natal
Claudio Roberto de Jesus
Sociólogo - Professor do Instituto de Políticas Públicas, Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Você sabia que Natal tem um equipamento público e coletivo com o projeto arquitetônico assinado pelo mesmo escritório de arquitetura que idealizou o Estádio Ninho de Pássaro, em Pequim, China, e o Allianz Arena, em Munique, Alemanha, estádio do time alemão Beyer de Munique? A Arena do Morro é um ginásio poliesportivo encravado no bairro de Mãe Luíza, zona Leste da Cidade do Natal. Por sinal, este ano é comemorado o seu décimo aniversário de funcionamento. Mas o que esse equipamento tem a ver com o título tão impactante, à primeira vista, que este artigo tem?

O Ginásio Arena do Morro é a construção comunitária de uma região com longa trajetória de ativismo que tem início desde a sua ocupação. Historicamente, a área que dá origem ao bairro de Mãe Luíza começou a ser ocupada lentamente entre as décadas de 1930 e 1950, sendo povoada inicialmente por alguns poucos pescadores e, nos anos seguintes, por migrantes do interior do estado que sofriam com a seca e buscavam melhores condições de vida na capital.

Entre os anos de 1970 e 1980, o bairro passou a ser visto pelo poder público como empecilho ao desenvolvimento turístico, sobretudo pela sua localização na orla marítima; na visão das elites locais, a presença da comunidade de baixa renda poderia desvalorizar a praia. Com isso, os moradores se uniram em um movimento de resistência para permanecer na localidade.

Em 1989, o bairro volta a se mobilizar para resistir à especulação imobiliária, contra a construção de edifícios verticais, ao lado do Farol de Mãe Luíza. Nos anos de 1990 ainda ocorreu a construção de motéis na entrada pela Via Costeira, bem como de hotéis na orla. Nesse sentido, muitos protestos da população foram realizados tendo como demanda o fato de que a praia é um bem coletivo e que os moradores não deveriam ser excluídos do seu uso.

Um reconhecido ator social nesse processo de mobilização popular, foi o padre Sabino Gentille, já falecido, no apoio à população em suas lutas sociais, deixando uma profunda lembrança de solidariedade e trabalho comunitário. A tônica do seu modo de atuação embasado na Teologia da Libertação, era a articulação de atores e recursos para enfrentamento de agendas comunitárias, visando a autonomia e emancipação cidadã dos moradores do bairro. Guiado por essa lógica, o padre contribuiu com o fortalecimento do associativismo comunitário ao criar estratégicas de incrementar o ativismo a articulação de demandas.

Uma das contribuições históricas desse movimento, foi a instituição do Centro Pastoral Nossa Senhora da Conceição, organização sem fins lucrativos, voltadas a ações como construção de espaços educacionais, de lazer e esportivos, apoio a iniciativas socioeducacionais, entre outras. O Ginásio Poliesportivo Arena do Morro é uma dessas realizações, a partir da articulação do Centro Pastoral em parcerias com atores internacionais, como a Paroquia de Penzberg, da Alemanha, e, a Fundação Ameropa, da Suíça.

O ginásio foi construído contando com a mobilização e participação ativa dos grupos da sociedade do bairro. Tem um design arquitetônico especial por ter sido projetado para que a sua cobertura seja mais permeável à iluminação e ventilação, além de contar com outros ambientes como salas de aula e mirante e ter sido construído rente a calçada. Esses elementos fazem com que o equipamento tenha renovado uma área do bairro que historicamente foi conhecida como a mais perigosa, o Barro Duro, favorecendo uma maior circulação e encontro de pessoas, visto que funciona nos três turnos do dia.

O impacto da construção pode ser visto também em relação a violência e criminalidade. Pesquisa desenvolvida no Observatório das Metrópoles - Núcleo Natal, mostra que lideranças do entorno da região onde foi instalado o ginásio perceberam mudanças positivas quando o assunto é segurança. Tal fato pode ser endossado através dos números trazidos pelo Observatório da Violência (OBVIO), entre os anos de 2015 e 2019, que apontam uma diminuição dos homicídios na área. Importante destacar que a partir de 2013 diversas regiões de Natal passaram pelo fenômeno do domínio de grupos criminosos denominados de facção. Mãe Luíza também conviveu com esse processo.

O bairro era conhecido por ter diversos grupos locais de tráfico de drogas, devido, dentre outros fatores, a sua posição geográfica privilegiada, numa área elevada que favorece a visualização da chegada da polícia. Com o estabelecimento da facção, o modo de operação do tráfico saiu das mãos dos grupos locais do bairro e concentrou-se sob o comando de uma única organização. Essa mudança reforçou o estigma de lugar perigoso, passando a ser alvo privilegiado de controle e repressão por parte do Estado. Quando os meios de comunicação e o Estado lançam luz apenas sobre uma das características do bairro, promovem a criminalização da pobreza. Essa ênfase coloca na penumbra as diversas relações sociais que foram construídas durante décadas e que dão vitalidade à comunidade.

A construção do Ginásio Arena do Morro é somente uma parte da rica história do bairro, mas é exemplar para se conhecer mais e melhor o cotidiano dos que lá vivem. A experiência que o ativismo de Mãe Luíza historicamente construiu para o bairro não deixou de impedir que organizações criminosas deixassem de existir na comunidade, mas muito possivelmente amortizou o tamanho das desigualdades vividas pelos seus moradores, contribuindo para diminuição da violência.

Acima de tudo, deve ser observado que o projeto ativista comunitário conseguiu produzir equipamentos de impacto para o bairro, entre os quais, o Arena do Morro, que é exemplo de um processo bem-sucedido de parcerias dentro e fora da comunidade. Estabelecer a presença do Estado (por meio de Políticas Públicas), ampliar as parecerias não-governamentais (como a que produziu o Arena do Morro), conectar Mãe Luiza às demais pautas do Planejamento Urbano – reforçando-a como Área Especial de Interesse Social (AEIS), instituir projetos criativos de fortalecimento socioeducacional, enfim, gerar vitalidade e oportunidades à sua população, são medidas que apostam em um desenvolvimento socioespacial e socioambiental para toda a região, inclusive como estratégia de combate à violência urbana.

Nesse item, é importante lembrar do contexto na qual a vereadora Marielle Franco foi brutalmente assassinada no Rio de Janeiro; agora, sabemos que as motivações possuem direta relação com a especulação fundiária em áreas de comunidades carentes, quando grupos milicianos utilizavam da apropriação de terrenos para gerar negócios ilegais. Pois bem, projetos como Arena do Morro (e outros) são a resposta mais efetiva para que tais territórios vulneráveis sejam mantidos longe de práticas violentas e ilegais, exatamente pela apropriação social da terra, das ruas, pela sua população que possui todo o Direito à Cidade.

Nossa torcida é que a comunidade de Mãe Luíza seja observada por meio da sua potência social, diversidade, trajetória de resistência e diversidade, mostrando como um projeto comunitário-participativo pode conviver com outras formas de apropriação do espaço, melhorando a situação das famílias, dos seus domicílios, do crescimento comunitário saudável e sustentável àqueles que tanto lutaram por este espaço desde os anos 1970.

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