Feminicídio contra mulheres negras cresceu 166% em três anos no Rio Grande do Norte  
Natal, RN 4 de dez 2023

Feminicídio contra mulheres negras cresceu 166% em três anos no Rio Grande do Norte  

12 de dezembro de 2017
Feminicídio contra mulheres negras cresceu 166% em três anos no Rio Grande do Norte  

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Toda vez que uma mulher jovem negra sai de casa no Rio Grande do Norte, o risco dela morrer assassinada é oito vezes maior que o de uma jovem branca. O dado que revela o abismo racial e social entre brancas e negras no Estado está publicado no Índice de Vulnerabilidade Juvenil à Violência e Desigualdade Racial 2017, lançado nesta segunda-feira (11), pelo Governo Federal em parceria com a Unesco. O relatório analisou números de 2015 e coloca o Rio Grande do Norte no topo da desigualdade do país entre as taxas de homicídios de mulheres com idade entre 15 e 29 anos. Levando em conta somente a mortalidade de mulheres jovens negras, o Rio Grande do Norte fica em 5º lugar no país, com 11,7 por 100 mil habitantes. No topo está Goiás (13,8), seguido da Paraíba (13), Rondônia (12,8), Mato Grosso (12,4) e Amazonas (12,3). Se o quadro já era grave há três anos, a situação piorou em 2017. A agência Saiba Mais teve acesso aos dados atualizados entre 1º de janeiro e 10 de dezembro deste ano pelo Observatório da Violência Letal Intencional (Obvio). O relatório aponta que o número de mulheres negras mortas no Estado, sem distinção de idade, cresceu 166% se comparado a 2015. Foram 120 feminicídios em 2017 contra 72, em 2015. No mesmo período, o número de mortes de mulheres brancas caiu 9,4%, o que reforça a constatação do relatório da Unesco: a mulher negra continua correndo muito mais risco de ser assassinada do que a mulher branca no Estado potiguar.     No geral, o crescimento do feminicídio no Estado foi de 44,2%, contabilizando mulheres negras, pardas e brancas. Foram 104 assassinatos em 2015, contra 150 registrados este ano. Segundo o coordenador de pesquisa do Instituto Óbvio Ivênio Hemes, a questão passa pela gestão da Segurança Pública. Para ele, os gestores criam estratégias pensando no resultado político midiático de resultados eleitores, quando deveriam se basear em dados técnicos. - No Brasil se tornou um bom negócio matar, pois as chances de ser preso em uma investigação é menor que 8%. É como se em cada mil homicídios somente 80 homicidas fossem presos. As mulheres, bem como outras minorias, continuarão sendo as vítimas oportunas para qualquer criminoso que não sente a presença do Estado. O pesquisador potiguar não vê boas perspectivas a curto prazo para reduzir a violência contra as mulheres, especialmente sob o peso da PEC do Teto dos Gastos, que congelou por 20 anos os gastos sociais, entre eles os investimentos em segurança pública. - O futuro se apresenta tenebroso para a sociedade brasileira, pois o congelamento por 20 anos de investimentos em áreas que são pilares de sustentação, e entre elas está a segurança pública. O que vemos hoje é apenas um vislumbre de uma realidade que está piorando. Sem investimento em políticas sociais e de segurança, sem um olhar sensível para o problema enfrentado pelas mulheres, estaremos negativamente presentes em rankings de estudos que cada vez mais mostrarão ao mundo que o Brasil vive em estado de guerra e de retorno à barbárie. Indicadores O relatório elaborado pela Unesco em parceria com o Governo Federal conclui que “os dados apresentados pelo IVJ-Violência e Desigualdade Racial, com destaque para os riscos relativos de mortalidade entre jovens e entre jovens do sexo feminino, evidenciam a brutal desigualdade que atinge negros e negras até na hora da morte”. A desigualdade é evidenciada nos indicadores socioeconômicos, além da vulnerabilidade e o racismo naturalizado no país. - Não à toa, negros e negras ainda sofrem com enormes disparidades salariais no mercado de trabalho: dados recentes divulgados pelo IBGE mostram que negros ganham 59% dos rendimentos de brancos (2016). Negros representam 70% da população que vive em situação de extrema pobreza, concentram maiores taxas de analfabetismo do que brancos - 11% entre negros e 5% entre brancos – (PNAD, 2016), além de constituírem mais de 61% da população encarcerada (DEPEN, 2014), embora representem 54% da população (IBGE).  

Coletivos criticam políticas públicas e negação de direitos no Estado

O risco de homicídios entre jovens negras registrado no relatório é de 11,7 por 100 mil habitantes, enquanto a taxa de assassinatos de jovens brancas anotou 1,4 levando em consideração o mesmo número de pessoas residentes no Estado. No comparativo, o risco de mulheres jovens negras serem mortas é 8,11 maior que o de jovens brancas. O Amazonas é o segundo estado com a taxa mais alta (6,97), à frente da Paraíba, onde as chances de uma jovem negra ser assassinada é 5,65 vezes maior que o de uma jovem branca. Considerando a mesma faixa etária de jovens, a taxa de homicídios é maior entre as mulheres negras nos 26 estados do país. Membro do coletivo de mulheres negras As Carolinas e membro do Observatório Infantojuvenil em Contextos de Violência da UFRN, Jenair Alves destaca que os números do feminicídio divulgados pela Unesco vão além do registro de homicídios, mas revelam a negação de direitos sociais às jovens negras potiguares. - Na verdade esse é apenas mais um índice que vem comprovar o que sentimos na pele, literalmente. A perspectiva de morte que uma jovem negra tem no RN ser mais de 8 vezes maior que de uma jovem branca vem confirmar as nossas denúncias sobre racismo, desigualdades, sexismo, violência, lesbofobia e todas as outras questões que estão implicadas nesses dados. Não é só uma questão de homicídios. Antes de morrer, a negação de direitos à educação, saúde, moradia, trabalho e renda, segurança, entre outros, nos colocam em condições de vulnerabilidade e risco eminente.   [caption id="attachment_2229" align="aligncenter" width="638"] Jenair Alves, do coletivo As Carolinas, afirma que relatório da Unesco é reflexo do racismo, vulnerabilidade, sexismo, machismo e lesbofobia[/caption]   Os estados das regiões Norte e Nordeste ocupam os primeiros lugares do ranking. Um detalhe que chama a atenção no relatório é que em Alagoas e Roraima não foi possível calcular a razão entre as duas taxas por não ter ocorrido nenhum homicídio de mulher branca nessa faixa etária. No entanto, as taxas de mortalidade entre jovens negras foram altas, com 10,7 e 9,5 mortes por 100 mil habitantes, respectivamente, na mesma faixa etária e composição racial. Diretoria do Núcleo de Estudos e Pesquisas de Gênero e Diversidade (Negêdi), ligado ao IFRN, a professora Socorro Silva também não se surpreendeu com os dados do relatório da Unesco. Ela defende que toda e qualquer saída para reduzir os números da violência contra a juventude negra passa pela inclusão desse segmento em políticas públicas e investimento na educação. Ainda assim, segundo a professora do IFRN, a única política pública criada nos últimos anos com foco juventude negra do país foi o acesso às universidades por meio de cotas. - As cotas de acesso às universidades representam um pouco, mas esse projeto precisa ser ampliado. O Estado também precisa fazer um trabalho específico de combate ao racismo, além de incentivar a juventude negra aos estudos. Sem política de inclusão e investimento em Educação não há saída. E não reagirmos vamos retroceder ainda mais porque o Governo que está no poder representa um retrocesso. Os próprios Institutos Federais precisam debater a criação de políticas de inclusão, o que ainda não acontece. Esses números de homicídios contra a juventude negra não surpreendem porque já constatávamos através de pesquisas.   [caption id="attachment_2230" align="aligncenter" width="521"] Professora Maria do Socorro da Silva (Negêdi) aponta política de cotas como única ação voltada para juventude negra[/caption]    

Governo cria comissão focada em mulheres negras

Diante de mais uma exposição negativa para o Estado na área de segurança pública após a divulgação do relatório Índice de Vulnerabilidade Juvenil à Violência e Desigualdade Racial, o Governo criou uma comissão para analisar o relatório da Unesco e focar políticas públicas voltadas para a juventude negra do Rio Grande do Norte. A secretária de Políticas Públicas para as Mulheres Flávia Lisboa adiantou que a comissão contará com a participação de membros do conselho de Direitos da Mulher, secretaria de Juventude e conselho de Igualdade Racial. As primeiras reuniões foram marcadas para 18 e 19 de dezembro. - A secretaria é nova e ainda está se estruturando. Até então não tínhamos esses dados divulgados pelo relatório. Agora vamos analisá-los numa comissão onde estarão o conselho do Direito da Mulher, a secretaria de Juventude e o conselho de Igualdade Racial. O objetivo da comissão é criar diretrizes para combater e minimizar esses números de violência contra a juventude negra, criar políticas de inclusão. Já vínhamos fazendo um pouco esse tralho com mulheres quilombolas e indígenas, muitas desconhecem até mesmo a lei Maria da Penha. Flávia Lisboa credita os números que apontam o Rio Grande do Norte como o estado mais desigual do país em relação à taxa de homicídios entre jovens negras e brancas à desigualdade social. - Os números apresentados pelo relatório são fruto da desigualdade social, do racismo naturalizado, da discriminação racial, da intolerância, da xenofobia e da vulnerabilidade social a que são submetidas as mulheres. Existe um sistema de opressão naturalizado na sociedade. Se você é mulher, sofre um tipo de opressão por ser mulher. Quando é mulher e negra, sofre dois tipos de opressão por ser mulher e negra. E se você for mulher, negra e lésbica, sobre três tipos de opressão por ser mulher, negra e lésbica. É um preconceito naturalizado que leva à morte.   [caption id="attachment_2231" align="aligncenter" width="1600"] Secretária de Estado de Políticas Públicas para Mulheres, Flávia Lisboa anunciou criação de comissão para analisar relatório da Unesco[/caption]            
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