Brasa no peito

Meu coração parece fruto maduro. Denso, macio. Ultimamente anda até mais pesado. Lamurioso, cheio de queixas. Queixa-se da chuva que já não cai há tempos. Do silêncio. Da gente quieta. Queixa-se até do que nunca conheceu. Meu coração pesado, quem diria, tem saudade de ser leve.

Por isso dou passos lentos. Administro o peso da vida e das horas intermináveis. Por sorte, ou distração, é consenso que o tempo passa rápido. Mas por aqui, vive-se em eterno horário comercial. Dão conta da queda da Bolsa de Valores, da alta do dólar, de toda sorte de Business. Isso que é importante. Desse coração pesado cuido eu.

Todo fim de ano eu tenho brasa no peito. Parece que junta a vida de meses apertada em vasilha estreita. E embora seja pessoa pequena, falta até espaço. Já tive medo. Chorei demais. Sorri de menos. Quase apaguei. Tem dias que a vida é só rastejo. Mas de novo eu tenho brasa no peito. Eu não morro. Deixem-me passar com essa quentura no peito. Isso é coisa que pede pressa.

Até a cerveja esquentando na mesa do bar pede pressa. Mas ainda é novembro. Depois vem dezembro, amanhã, janeiro. Mais tarde vem fevereiro, vem o carnaval e a gente esquece o mundo. Eu juro que resisto. Resistir pede pressa e não é coisa que se faz sozinha. O último a sair apaga a luz, mas eu tenho brasa no peito, escuridão não me assusta. Posso temer, mas também tenho teimado, ando cismada.

É que vai chegar o ano novo e eu não sei onde a gente vai chegar. Eu só sei que eu não morro. Por que eu tô bem, por que no meio de tanto sujeito oculto, me percebo gente. E em nós que somos gente, cabe um mundo de gente. Eu tenho brasa no peito, eu tenho meu mundo de gente. O coração pesa. Aperto o passo.

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