Quem tem mais de 45 anos lembra com exatidão da "Era Collor", espaço de tempo compreendido entre a eleição de 1989 - a primeira direta para presidente desde 1962, após 24 anos de ditadura militar - e o impeachment em 1992. Curto espaço de tempo onde muita coisa aconteceu e páginas importantes da História recente do Brasil foram escritas.
Eleito em 1989 com a alcunha de "Caçador de marajás", aquele que ia acabar com a corrupção e começar uma "nova política" (ops) começou ainda no primeiro ano de Governo a se desgastar com o Congresso e a ter atitudes pouco equilibradas.
Ficou ainda mais fácil lembrar disso tudo porque ontem o presidente Jair Bolsonaro pediu que os brasileiros usem verde-amarelo em defesa da Amazônia, no 7 de setembro.
Sim, Collor fez convocação em 1992 para que brasileiros usassem verde e amarelo. Os caras pintadas saíram de preto e impulsionaram o impeachment.
Bolsonaro, inclusive, se mostra mais desequilibrado e despreparado que Collor. Já enumeramos aqui as imbecilidades do "mito" (de postar vídeo de golden shower a respaldar ofensa à aparência da primeira dama francesa).
O presidente vem em queda livre nas pesquisas. Aprovação caindo vertiginosamente inclusive entre faixas etárias e eleitorados específicos que votaram nele.
Muita coisa liga Collor a Bolsonaro. E o 7 de setembro vai evidenciar esse fato ainda mais. O que difere um de outro é o maneira da oposição e da militância contra ele se posicionarem.
Em uma época sem internet, sem redes sociais e sem celular, mal Collor assumiu, a própria mídia que o ajudou a eleger se voltou contra ele (que era também dono de veículos de comunicação e tinha seus interesses pessoais) e em pouco tempo construiu-se uma onda social contra o "mauricinho das Alagoas", como era chamado. Sem se "cobrar" em quem a pessoa que o criticava havia votado. Sem patrulhamento de voto.
Lembro que nos movimentos caras-pintadas, que participei, havia muita gente que havia votado em Collor ou pelo menos os pais haviam feito isso. Mas, a percepção geral que era que a eleição havia passado. A prioridade era apear um louco do poder. Olhar para a frente, não para trás.
No Brasil 2019 de Bolsonaro, as redes ajudam a militância progressista a viver uma purgação que não passa. O patrulhamento de votos alheios afasta quem votou em Bolsonaro e deseja agora protestar contra ele. Aliás, protesto tão legítimo quanto o voto no "mito", democraticamente falando.
Prova disso é o patrulhamento feito quando perceberam a atriz Maitê Proença em protesto no Rio contra a queimada na Amazônia. Muita gente a atacando "porque ela votou no Bolsonaro" e não deveria estar lá. Ora, se ela votou no Bolsonaro e agora quer protestar contra uma política ambiental dele, por que não deveria ou poderia fazê-lo?
Onde a Esquerda acha que vai chegar policiando o protesto alheio? Se fizessem isso nos tempos do Collor, dificilmente ele teria sido apeado do poder.
Collor e Bolsonaro tem muito em comum (embora o capitão expulso do Exército seja bem pior em muitos aspectos). A diferença gritante está na percepção social dos que se voltam contra ele.
Lembro da sessão que votou pelo impeachment de Collor, em 1992, muitos deputados que o apoiaram, cinicamente votando "pelo meu país, minha família, voto pelo impeachment". Hoje, tem gente patrulhando se Ciro Gomes (sim, eu sei que é explosivo e pouco confiável, mas, ainda é do PDT e de esfera oposta a Bolsonaro) pode fazer parte de bloco com PT, PSOL e PC do B.
Em suma, tem chance de Bolsonaro cair? Tem, sim, com pressão popular. E essa pressão se faz com todos os que desejem estar nas ruas. Não contem comigo para patrulhar indignação nem voto de ninguém.
PS: O protesto contra o chamamento de Collor foi com camisas pretas, cor neutra e de luto. Chamar protesto com camisa que remete a partido político é tiro no pé, é querer "partidarizar" um movimento que só funciona se for amplo e, mais que muitlpartidário, se for multifacetado.