Grupo criado para intervir em crises do sistema socioeducativo no RN é acusado de maus-tratos; comitê de combate à tortura pede extinção
Natal, RN 16 de mai 2024

Grupo criado para intervir em crises do sistema socioeducativo no RN é acusado de maus-tratos; comitê de combate à tortura pede extinção

25 de abril de 2022
13min
Grupo criado para intervir em crises do sistema socioeducativo no RN é acusado de maus-tratos; comitê de combate à tortura pede extinção

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Uma visita de inspeção realizada pelo Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Rio Grande do Norte ao Centro de Atendimento Socioeducativo - CASE Pitimbu, localizado em Parnamirim, região metropolitana de Natal, apontou uma série de problemas, além de denúncias de maus tratos aos adolescentes que cumprem medidas socioeducativas na unidade.

O Comitê, formado por um colegiado de 10 membros titulares e seiu auxiliares provenientes do poder público e sociedade civil, fez a inspeção na unidade em novembro de 2021, mas apenas em março o relatório da visita ficou pronto e foi divulgado nesta segunda (25).

O documento tem 43 páginas com avaliações da estrutura física, dos atendimentos prestados aos adolescentes e recomendações a diferentes órgãos que também fazem parte da estrutura de acompanhamento dos serviços. Vamos aos principais pontos:

Extinção do Grupo Técnico de Intervenção (GTI)

Os adolescentes relataram haver, esporadicamente, revista vexatória de seus familiares no momento de entrada na unidade, com desnudamento parcial ou total, além de tentativas de coibir os(as) visitantes, especialmente, por parte do Grupo Técnico de Intervenção (GTI).

O grupo foi criado em novembro de 2021 para atender as demandas relacionadas com a segurança interna das unidades de atendimento da Fundação de Atendimento Socioeducativo do Rio Grande do Norte (FUNDASE/RN). De acordo com o presidente da instituição, Herculano Campos, poderá que é preciso refletir com cuidado sobre a extinção imediata do grupo.

O GTI foi criado para dar conta de algumas demandas urgentes, antes que precisássemos solicitar apoio externo das forças de segurança. Nesse sentido, consideramos o que está posto no relatório, mas é preciso refletir com cuidado sobre a extinção imediata do grupo. É preciso que o pessoal responsável pelo relatório conheça a realidade da criação do grupo e da Fundase antes de fazer uma recomendação dessas porque parece fora do nosso contexto, não levar em conta nossas necessidades. Estamos dispostos a conversar e debater a procedência, ou não, tanto do grupo quanto da sua extinção”, avalia.

Imagem retirada do relatório do Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do RN

Dormitórios

Em relação aos dormitórios, foi identificado que a estrutura física encontra-se precária, tanto em virtude do desgaste resultante do uso, quanto das ocorrências promovidas pelos próprios adolescentes. Os dormitórios são formados por três leitos construídos em alvenaria, contam com colchões e banheiro. Apesar de estarem separados, não há portas, o que não garante a privacidade. Ainda segundo o relatório, a entrada e saída de cada um dos dormitórios é fechada com portão de grade vazada, com sistema de tranca e destranca.

O relatório está correto. Não temos questionamento, só queremos ressaltar o contexto. Ele se refere a uma fiscalização feita em novembro de 2021, quando tínhamos um contexto peculiar em relação à unidade Pitimbu. A Fundase tem uma dinâmica intensa e o Case Pitimbum, é a unidade de maior porte, atendimento e internação de adolescentes do sexo masculino, além de estar situado na região metropolitana de Natal. Temos uma equipe de manutenção lidando com o Pitimbu constantemente. Se a equipe do relatório for agora, terá uma realidade diferente”, aponta Herculano Campos.

Imagem retirada do relatório do Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do RN

Banheiros

Durante a avaliação, a equipe apontou que os banheiros dos dormitórios estão em situação insalubre, há infiltrações e mofo. Já as pias e vasos sanitários estão deterioradas e sem descarga interna. Na maioria dos chuveiros, ao invés do equipamento próprio para banho, o que há são torneiras simples ou apenas cano e registro para controle de água.

Além disso, a área comum de alguns alojamentos estava com água no chão, indicativo de um mau escoamento, no dia da visita de inspeção, que aconteceu depois de dias de chuva na região. O acúmulo de água pode gerar incidentes, sobretudo porque na área comum há fiações de energia que levam para os dormitórios.

Já na área de isolamento, para adolescentes que cumprem falta disciplinar de natureza grave, foi observado o vazamento contínuo de um cano de água, o que causou alagamento dos dormitórios.

Segundo o presidente da Fundase, a falta de torneira e acesso à descarga faz parte do procedimento padrão para evitar que os objetos sejam utilizados como arma pelos próprios adolescentes.

“Se deixássemos a descarga com eles, haveria vazamento constante porque os próprios meninos rasgam lenções e colchões para entupir. A única forma que temos de controlar é essa. Torneiras e registros podem virar arma, até escova de dente eles amolam no chão e vira arma contra eles mesmos! Não podemos deixar torneira dentro. Nós até estranhamos que não tenham atentado para esse detalhe no relatório porque a equipe tem pessoas experientes”, comenta o presidente da Fundase.

Imagem retirada do relatório do Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do RN
Imagem retirada do relatório do Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do RN
Imagem retirada do relatório do Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do RN

Segurança

Durante a fiscalização os agentes socioeducativos reclamaram da falta de iluminação na área externa, principalmente, no Case Pitimbu II. Também foram constatadas diversas áreas com lixo acumulado e vegetação alta, o que também estava gerando o surgimento de insetos e animais.

Além disso, o documento aponta que também foram constatadas avarias na cerca externa de segurança da unidade provenientes, de acordo com agentes socioeducativos, de fugas e/ou tentativas de fuga de adolescentes e jovens pelo muro da área mais isolada do Centro socioeducativo. Nessa área há também uma guarita, que segundo os agentes socioeducativos, está desativada.

Em novembro do ano passado, os adolescentes estavam envolvidos em balbúrdias, um deles chegou a pegar um agente como refém, a imprensa até noticiou isso. Alguns agentes até incitavam os adolescentes para que os agentes pudessem reagir de maneira mais enérgica. Cito isso para explicar que temos uma guarita com policiais militares responsáveis pela segurança externa do prédio, eles não têm autonomia para fazer segurança interna, que cabe aos agentes socioeducativos, essa é uma demanda indevida. Fora isso, a iluminação foi revista e colocada no lugar, assim como o mato foi capinado e o lixo removido. Tudo depende do dia em que você vem, é muito dinâmico. A questão do lixo e do mato foi circunstancial e já foi resolvida”, garante Herculano.

Imagem retirada do relatório do Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do RN

Saúde e covid-19

Na época da visita, em novembro do ano passado, apenas 18 adolescentes tinham sido vacinados contra a covid-19. Na ocasião foi administrada a vacina Janssen, da marca Johnson & Johnson, de dose única. Atualmente, de acordo com a Fundase, todos os 72 internos já foram imunizados contra a covid-19.

Mas, além da covid, outra questão que preocupou a equipe da vistoria foi a falta de acesso dos adolescentes à rede de saúde.

Apesar de toda a boa vontade da Secretaria de Saúde de Parnamirim [que é onde fica o Case Pitimbu] para atender aos adolescentes, temos dificuldade. Mas, no geral, tem sido um atendimento satisfatório e muito prestativo”, avalia Herculano Campos que explicou, ainda, que em alguns casos a equipe médica vai ao Centro de Atendimento, mas que o padrão é que o adolescente seja levado à unidade de saúde.

Atendimento odontológico realizado em interno do Case Pitimbu - Foto: cedida pela Fundase

Educação

Apesar de garantido por lei, a inspeção avaliou como precário o acesso dos adolescentes às atividades de educação, cultura, esporte e lazer. Os jovens declararam ter passado até três semanas sem aulas e ainda há mais tempo sem atividades físicas e esportivas, chegando a aproximadamente dois meses sem os exercícios. Segundo os administradores, o motivo eram as sanções diante de eventos e crises ocorridas no âmbito do Centro Socioeducativo.

Os adolescentes também reclamaram da falta de um acompanhamento mais efetivo por parte da equipe, muitas vezes, por sobrecarga na instituição. Os jovens ainda relataram que a equipe técnica do Case Pitimbu - composta por três pedagogas, três assistentes sociais e quatro psicólogas - mesmo acionada não ia com frequência aos alojamentos. A falta de atenção, de acordo com os jovens, teria motivado eventos como o chamado “bate grade” ou outros tumultos nos alojamentos.

A direção da Fundase explica que a instituição tem material, salas de aula e professores contratados pela Secretaria de Educação, mas que alguns adolescentes, ocasionalmente, não eram levados pra sala por questão de segurança. A mesma coisa acontece com a prática de esportes, segundo a Fundase. Apesar do local e do material para as atividades, alguns adolescentes não são levados para participar por causa do riscos relacionados a fugas ou tumultos.

No entanto, Herculano Campos admitiu enfrentar problemas com relação às atividades culturais. A Unidade está com deficiência de pessoal. Mas, com um projeto em andamento, a estimativa é que meados de maio a questão esteja resolvida.

Alimentação

Os adolescentes também reclamaram à equipe de monitoramento sobre a alimentação que, em muitas ocasiões, estaria sendo servida azeda ou com mal cheiro. Os jovens também disseram já ter encontrado fios de cabelo e casca de ovos dentro da comida.

O controle da qualidade da alimentação é feito pela unidade, mas também temos um controle geral feito pela nossa nutricionista junto à empresa. Essa acusação é muito ocasional e estranha porque não chegou nada pra gente. Quando isso acontece, entramos em contato com a empresa para saber o que está acontecendo. Apesar do atendimento em Natal, ou melhor, em Parnamirim, que é onde fica o Case Pitimbu, ter sido criticado no relatório, ele tem sido muito elogiado, mais do que aquele feito em Mossoró e Caicó”, avalia Herculano Campos, que preside a Fundase.

Atualmente, a instituição está montando um programa de acompanhamento de internos egressos do sistema. A Fundação de Atendimento Socioeducativo do Rio Grande do Norte (FUNDASE/RN) possui 10 unidades divididas entre internação, semiliberdade e internação provisória. São cinco em Natal, três em Mossoró e duas em Caicó.

No relatório, resultante da visita de inspeção há uma série de recomendações direcionadas ao Governo do Estado; ao Conselho Estadual de Direitos da Criança e do Adolescente do Rio Grande do Norte (CONSEC/RN); à direção da Fundação de Atendimento Socioeducativo do Rio Grande do Norte (FUNDASE/RN); à Secretaria de Saúde Pública do Rio Grande do Norte (SESAP/RN); ao Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (TJRN); ao Ministério Público do Rio Grande do Norte (MPRN); à Defensoria Pública do Rio Grande do Norte: à Prefeitura do município de Parnamirim/RN e à Direção do Centro de Atendimento Socioeducativo Pitimbu (CASE Pitimbu).

Fizeram parte da inspeção Gustavo de Aguiar Campos, representante do Conselho Regional de Psicologia do RN no CEPCT/RN; Luana Isabelle Cabral dos Santos, convidada do Centro de Referência em Direitos Humanos Marcos Dionísio (CRDHMD); Maria Goretti de Menezes Sousa, representante da Secretaria de Estado da Saúde Pública (SESAP/RN) no CEPCT/RN; Luana Vanessa Soares Pinto de Souza, representante do Conselho Regional de Serviço Social do RN no CEPCT/RN; Jeane Maria Ferreira da Silva, representante da ONG Acauã no CEPCT/RN; Eric Luiz Martins Chacon, convidado da Defensoria Pública do Rio Grande do Norte; Rayssa Cunha Lima C. dos Santos, convidada da Defensoria Pública do Rio Grande do Norte; e José Alberto Silva Calazans, convidado da Defensoria Pública do Rio Grande do Norte. Já o relatório da visita realizada em novembro do ano passado foi elaborado por Gustavo de Aguiar Campos, Luana Isabelle Cabral dos Santos e Maria Goretti de Menezes Sousa.

Imagem retirada do relatório do Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do RN
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