Um tapa na cara do “engraçadinho”
Natal, RN 26 de abr 2024

Um tapa na cara do "engraçadinho"

7 de abril de 2022
4min
Um tapa na cara do

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Foi um dos assuntos mais comentados ao longo da semana passada o tapa na cara que o ator Will Smith deu no comediante Chris Rock durante a cerimônia de entrega do prêmio Oscar, no dia 27 de março. Gerou notícia, gerou debate e gerou, claro, meme.

Um dos muitos memes que circularam na internet depois do tapa de Will Smith em Chris Rock na cerimônia do Oscar, quando o comediante fez piada com a atriz Jada Pinkett-Smith, esposa do ator.

De algum modo, vimos “desfilar” uma lista de opiniões sobre o ocorrido: Ah, por que Chris Rock não fez piada com um homem branco e não-doente? Ah, por que Will Smith achou que uma violência física resolveria uma violência simbólica? Mereceu, não mereceu, devia, não devia... E por aí vai...

Opiniões à parte, a mim interessa, na condição de pesquisadora do assunto, uma questão que não é de modo algum recente: os limites do humor.

Um tipo de humor que se pratica desde os tempos de Platão é o humor que rebaixa. O objeto de riso é tomado como algo “inferior” e o sujeito ridente se julga, assim, numa posição “superior”, tomando assim uma atitude de ridicularizar algo ou alguém apelando para um riso de zombaria.

O que esse tipo de humor por muito tempo fez (e faz ainda) é ridicularizar segmentos historicamente marginalizados e perseguidos: pessoas negras, pessoas pobres, mulheres, gays, judeus, anões etc. etc. A agressão, em paralelo aos inúmeros casos de assassinatos e assédios, por muito tempo veio disfarçada de “piada”.

Acontece que, nestes tempos globalizados, ao tempo em que a internet deu voz a uma “legião de imbecis” (conforme a declaração polêmica de Umberto Eco), ela também deu voz e visibilidade a esses mesmos segmentos mais inviabilizados e que já vinham também há tempos no confronto e no embate por justiça nas ruas e piquetes. E foi assim que tomaram ainda mais força movimentos ativistas como #metoo e #blacklifesmatter.

Desse modo, os limites entre uma ofensa e uma piada atualmente são muito mais nítidos e, também, inaceitáveis. Não quero justificar a atitude de Will Smith, mas também não creio que Chris Rock seja uma vítima inocente que estava “apenas” tentando ser engraçado (até porque, pelo que parece, as piadas com a atriz já vinham acontecendo antes).

De todo modo, esse episódio lamentável pode nos servir para problematizarmos nossa “vontade de riso” e, por conseguinte, nossa própria humanidade. Condenar o riso que humilha, ofende e machuca será apenas uma questão de “ditadura do politicamente correto” ou de “censura à liberdade de expressão”? Será?

Para concluir, faço referência às palavras de Sírio Possenti, em crônica intitulada “Do riso ao trote”, presente no livro Mal comportadas línguas (Editora CRIAR, 2002):

Depois alguém dá um tiro em alguém por nada (por dá cá aquela palha, dir-se-ia) e todos nos horrorizamos, não entendemos de onde vem tanta violência. Ora, vem de dentro de nós, de todos nós. Se não cuidamos disso todos os dias, se não cultivamos a leveza e a delicadeza, só nos divertiremos com muito álcool, algum pó e alguém jogado na água. E se ele morrer, diremos que só estávamos nos divertindo um pouco.

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