Gol contra
Natal, RN 26 de abr 2024

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16 de julho de 2022
4min
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Por Mariana Vieira*

É interessante ouvir homens falando sobre agressores.

Hoje ouvi no rádio um comentarista esportivo falando sobre o novo contratado do ABC - Wesley Pionteck - que foi condenado, em 2019, a um ano e quatro meses por lesão corporal depois de agredir a ex namorada.

Dizia o comentarista com muita convicção “Daqui a pouco todo mundo esquece isso. Basta mostrar jogo que essa pequena minoria da torcida barulhenta esquece o que ele fez”.

É com essa mesma linha de pensamento que agressores de mulheres se “mascaram” muito bem - e com segurança - por trás de títulos, fama ou de ocupações de destaque na sociedade.

Acho que o Wesley tem direito a um recomeço. Pagou o que devia a justiça. À justiça, que fique claro.

Como ficou o psicológico da mulher e até mesmo o do Wesley, não sabemos. Mas o limite entre a civilidade e a barbarie é a justiça quem decide. E é ela quem define o tempo dele voltar a fazer parte da sociedade com seus direitos e deveres restabelecidos e garantidos.

Ok, Wesley, sobre você não tenho o que falar. Vá em frente e mostre o seu trabalho. Só acho que poderia ser em outro clube, por isso meu questionamento é para o ABC.

As campanhas de incentivo a nos sentirmos à vontade e seguras de irmos ao estádio e o lançamento da camisa roxa contra a violência doméstica foi colocada no saco? Essa camisa não foi vestida na real por vocês? Era só uma camisa de modinha, uma edição especial que entrou em liquidação?

O ABC fez as contas e concluiu que estava marcando um golaço, confundiu os lados do campo e não percebeu que foi um gol contra.

Vamos então fazer um comparativo sobre o comentário feito na rádio… Por que as mulheres não se sentem encorajadas a denunciar seus agressores, ou, o que é mais triste, muitas delas não tem nem consciência de que são “rebaixadas” diariamente pelos companheiros ? Porque o agressor normalmente é perdoado facilmente pelo seus “parças”. Isso quando não são enaltecidos por eles com frases do tipo “É! mostre quem manda” ou “ Isso mesmo… Tem que defender sua honra.“ E se esse indivíduo ostentar algum destaque profissional ou um título importante então… A palavra da mulher agredida será questionada, duvidada, relativizada, desqualificada. O caráter dela será colocado em questão ou suposições de atitudes que ela teve levará a pensamentos ou até a expressão do tipo “Ah! Ela fez por merecer “. Enquanto a mulher fica sendo apontada diariamente como aquela que expôs o “parceiro”, a família, a relação e muitas vezes não recebem o apoio nem das outrAs com quem convive.

E mais uma vez. Pra reforçar mesmo… Se o homem tiver um título importante ou uma profissão considerada relevante, que atribui respeito? E se ele for “endeusado” tipo um João de Deus, tipo um médico, um pastor, um padre, um professor… Ai é que a voz dessa mulher dificilmente será ouvida e considerada. Afinal, a gente aprende desde criança que bonito é mulher comportada, que fala pouco e baixo, que não tem opinião, que não se mete em conversa de homem, que se veste de maneira tal, que é discreta. Essa é uma lady, né ?

Olho roxo da pra esconder. Quem liga para os nossos corpos se eles estiverem bem maquiados?

Mulheres maquiadas e homens mascarados. E assim seguimos.

Seguimos ?

Quase vivas ou…mortas.

*Mariana Vieira é jornalista e torcedora do ABC

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