O momento é de enfrentamento das contradições estruturais que dividem o Brasil, afirma Pablo Capistrano
Natal, RN 26 de abr 2024

O momento é de enfrentamento das contradições estruturais que dividem o Brasil, afirma Pablo Capistrano

6 de novembro de 2022
8min
O momento é de enfrentamento das contradições estruturais que dividem o Brasil, afirma Pablo Capistrano

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Para vencer a disputa eleitoral contra Jair Bolsonaro, uma coalizão democrática foi formada em torno da campanha de Luiz Inácio Lula da Silva. No entanto, a mensagem que as urnas de 31 de outubro deram ao Brasil é que o país ainda está longe de superar contradições estruturais na sociedade brasileira, aponta o filósofo e professor Pablo Capistrano.

“A eleição mostra um país muito dividido, um país dividido em regiões, um país dividido racialmente, um país dividido em classe, um país dividido em gênero, um país dividido em religião”, avalia Capistrano.

Confira a entrevista concedida à Agência Saiba Mais.

Saiba Mais: Que análise faz do processo eleitoral?

Pablo Capistrano: Foi um processo muito mais acirrado do que a gente esperava em relação as pesquisas. As pesquisas davam um uma indicação de uma vitória um pouco mais folgada de Lula em relação ao Bolsonaro.

Foi um processo, então, muito apertado, um resultado eleitoral com a margem não muito grande, o que mostra mesmo duas coisas fundamentais. Primeiro uma resiliência do bolsonarismo, uma capilaridade muito grande dessas manifestações de extrema direita pelo Brasil, que depois de quatro anos de tragédia administrativa é até espantoso que a gente consiga ter um presidente com essa com essa votação toda. E também mostra uma segunda coisa que é a liderança pessoal de Lula. Sem essa liderança o resultado dessa eleição teria sido completamente diferente. Provavelmente o Bolsonaro teria ganho no primeiro turno de qualquer outro candidato. Então é o capital político de Lula, de certa forma, que permitiu essa vitória mesmo que é apertada.

Saiba Mais: Quais os desafios mais urgentes do futuro governo?

Pablo Capistrano: Do ponto de vista do desafio, eu penso que o desafio mais urgente é tentar fortalecer as instituições republicanas do país. De certa maneira estancar o processo de corrosão democrática que estava sendo constituído pelo Bolsonaro no governo. Havia uma tendência cada vez maior a criar condições pra justamente corroer o que tem de estrutura democrática no país. Então o primeiro desafio é tenta recuperar essas instituições republicanas e fortalecer esse espaço pra tentar produzir algum tipo de transição pra um estado de maior normalidade institucional e democrática no país. Então, assim, esse é o primeiro e o principal desafio. Estancar o processo de corrosão democrática que estava em curso com o governo de Bolsonaro. Pra isso é preciso fortalecer essas instituições e ao mesmo tempo desarmar essa bomba de radicalismo de extrema direita implantado dentro da sociedade.

Saiba Mais: Quais são os caminhos para enfrentar esses desafios?

Pablo Capistrano: O primeiro caminho pra esses dois desafios tem um duplo sentido. É preciso criar um campo de espaço pra o surgimento de uma direita democrática que possa rivalizar com o fascismo e com a extrema direita dentro do campo de direita. Isso não é algo de certa maneira que o governo Lula possa controlar, mas ele pode criar condições pra que essa oposição de direita democrática surja. Então é interessante que se entenda que um dos caminhos pra desarmar o radicalismo do extrema direita fascista é justamente permitir que ocupe-se o espaço no campo da direita, de uma direita democrática, de uma direita republicana e que é uma direita que não seja fascista. Porque isso vai, de certa maneira, com que esse espaço do bolsonarismo seja disputado por alguma liderança. Então, existe primeiro essa tarefa política que não é só do governo Lula, mas eu acho que é de toda sociedade brasileira. Tentar encontrar uma alternativa mais à direita que seja uma alternativa democrática pra ocupar esse campo e rivalizar com o Bolsonaro. Enquanto ele controlar o campo da direita, fica muito difícil pra gente manter, digamos assim, uma estabilidade democrática.

E o segundo desafio é econômico. É tentar produzir com condições de bem-estar social na sociedade, que permitam que haja, de certa maneira, um desarme desse discurso apocalíptico de fim de mundo, que de certa maneira mistura um pouco de religião com ideologia, e que se alimenta muito do estado de crise permanente que a gente vem vivendo desde que retiraram a presidente Dilma do governo.

Na verdade, desde o segundo mandato de Dilma, desde 2015 que a gente está nesse estado de tensão e de problema econômico. Então é criar um pouco condições econômicas pra que a população possa ter uma melhoria das condições sociais. Acho que esse é um outro ponto que precisa ser colocado na equação.

Saiba Mais: Que mensagem o resultado das urnas na eleição de 31 de outubro deu ao Brasil?

Pablo Capistrano: A mensagem que as urnas de 31 de outubro deram ao Brasil é que o país ainda está longe de superar certas contradições que são muito estruturais na sociedade brasileira. A eleição mostra um país muito dividido, um país dividido em regiões, um país dividido racialmente, um país dividido em classe, um país dividido em gênero, um país dividido em religião. Então assim, a gente teve uma um país dividido entre uma cultura rural, muito conectada ao agronegócio, e uma cultura urbana, de grandes cidades.

Então, assim, a gente desempacotou, com essa eleição, uma série de dicotomias que fazem parte da estrutura fundamental do país e que de certa maneira não foram superadas. Essas contradições, que são de certa forma contradições meio que essenciais da sociedade brasileira, eclodiram e apareceram nessa campanha. E a gente precisa enfrentar esse processo.

Então, o modo de superar essa situação é que vai fazer com que a gente possa no futuro caminhar em direção a um país mais inclusivo, um país mais plural, um país mais democrático, ou retroceder pra um estado de autoritarismo. A gente está vivendo esse momento, um momento em que a gente precisa enfrentar essas contradições estruturais que dividem o Brasil.

Saiba Mais: Que Lula é esse que chega, pela terceira vez, à presidência da República?

Pablo Capistrano: Acho que o Lula que chega à presidência é, primeiro, um Lula muito mais experiente. Obviamente um Lula que, de certa maneira, mostra também uma resiliência monumental que, de certa forma, vem no sentido de fazer um fecho da sua trajetória política.

Lula tem 77 anos, ninguém imagina que ele vá passar mais uma década com energia de atuação que ele tem hoje. Então ele está meio que fechando o ciclo e fechando um ciclo de uma liderança de esquerda que surgiu no final da ditadura militar e que de certa maneira marcou a história do Brasil na virada desse milênio.

Agora ele é um Lula que vai herdar um país muito mais devastado do que ele herdou em 2002, muito mais deprimido do ponto de vista econômico, muito mais dividido, muito mais radicalizado e um ambiente de geopolítica muito mais instável e tenso. Quer dizer, com a quantidade de desafios muito mais difíceis de serem enfrentados do que em 2002. E com uma correlação de forças no campo entre esquerda e direita extremamente desfavorável. As correlações de forças que ele tinha em 2002 apontava pra um momento de ascensão da esquerda progressista. Agora a esquerda progressista está num momento de retração.

Então isso vai fazer com que esse Lula, pra poder completar sua missão, de tentar restabelecer a normalidade democrática no país, seja muito mais conciliador, até muito mais um sujeito de centro propriamente dito do que um sujeito de esquerda. Nesse sentido, ele vai ser meio que forçado a isso pelas condições que a gente está.

Então, acredito que dificilmente será um governo que tenha a mesma configuração daquele que teve em 2002. Acredito que as conquistas talvez sejam muito menos intensas do que muita gente imagina. Então isso também é um risco muito grande, porque a gente não pode imaginar que ele vai fazer um governo melhor do que o governo que ele fez entre 2002 e 2010. A gente precisa pensar que ele faça um governo melhor do que o Bolsonaro, que também não é uma coisa muito difícil. Mas essa comparação precisa ser feita e precisa ser entendida. Então acredito que ele vai ser um Lula muito mais centrista até do que ele foi, e pra muita gente isso pode ser um defeito. Mas é o que a conjuntura exige agora.

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